domingo, março 26, 2006
A NOSSA FALA - LI - CANCHAL
domingo, março 19, 2006
A NOSSA COMEDURA - VI - BACALHAU ALAGADO
segunda-feira, março 13, 2006
A NOSSA FALA - L - ENCRIR OU INCRIR
sexta-feira, março 03, 2006
A NOSSA FALA - XLIX - OGAR
Velhaco, velhaco era o meu avô, comandante do Inferno : os filhos tinham que se despir para ele lhes bater e berrava:" a roupa não tem culpa nenhuma das vossas asneiras... "E mais ainda... gabava-se de nunca ter posto as mãos num filho para lhe chegar a roupa ao pêlo... E, por incrível que vos pareça, o velho comandante, figura do mais honesto que me foi dado conhecer, falava verdade... Efectivamente sempre lhes bateu, mas com uma verdasca, uma corda, um changoto,..., que sei eu?.... Nunca lhes punha a mão em cima o malandro do velhote!
CHANESCO
Diz ele que Chanesco (tchanesco) não tem significado definido. Não significa nem parvo nem esperto e significa os dois em simultâneo. O seu significado tem de ser entendido de acordo com o humor de quem utiliza a palavra e com a entoação que lhe imprime.
Força aí ó Chanesco!
sábado, fevereiro 25, 2006
A NOSSA FALA - XLVIII - AMAGAR
Se a verdade fosse só uma ainda se aceitaria, mas o que nós constatamos cada dia é que os mesmos assuntos são lidos diferentemente por diferentes intérpretes. Para uns o Orçamento de Estado é um freio às despesas públicas, para outros o mesmo orçamento é um desperdício de dinheiro em obras que em nada contribuem para a melhoria do país, isto só para servir de exemplo.
Se a minha verdade é verdade e a de outro, podendo mesmo ser a oposta da minha, também é verdade, então a verdade e a falsidade são irmãs gémeas e indistintas. Se tudo é verdadeiro, então, tudo é falso. A verdade acaba sempre por ser discutível. Se se discute é porque tem ponta por onde se lhe pegue e portanto à partida já não é verdade porque senão era tempo perdido andar à procura de outra diferente daquela que é o nosso ponto de partida. Quando eu discuto o que alguém afirma como verdade é porque já implícita e explícitamente estou a partir do princípio que a afirmação do outro é falsa. Ou não será assim? A própria Terra só começou a andar à volta do Sol quando a ciência começou a defender esta tese. Até aí estava parada e houve até quem tivesse sido assassinado por defender tal heresia. Será preciso morrer para defender a verdade? Vivamos então na mentira. Galileu estaria de acordo: mais vale um cobarde vivo do que um herói morto.
Já vos estou a ouvir: «Afinal o que este gajo quer? Para que são estas milongas todas?». Olhai para o povo: "saber esperar é uma virtude" e "quem espera sempre alcança," mas logo a seguir: «quem espera desespera».
Continuamos sem saber onde está aquilo que procuramos, mas o facto paradoxal é que continuamos permanentemente em busca dela. Parece uma insensatez. Será este um dos sortilégios do homem? Neste vórtice de correrias para toda a parte sem se saber ao certo para onde se vai, o homem sai de si e vai apresentando resultados das suas viagens deixando-nos pasmados com as suas progressivas descobertas, pelo que o progresso é desde logo a inequívoca demonstração que a verdade se nos escapa quanto mais a tentamos agarrar. Se calhar a verdade é o que está oculto como já queria Freud e o que é preciso entender não é o que se diz mas o que não se diz. Que grande barafunda!
Vamos lá a ver se me faço entender e se esta minha deambulação tem ou não razão de ser e pode ser justificado que a verdade em vez se ser arquitectónica é, ao contrário, polémica.
Quem de vós já se encontrou num rancho de caçadores, à noite , ao fim do primeiro dia de caça?
Será que o que ouvis é o retrato fiel do que se passou? Ou antes, é a "conveniente" leitura do relator do evento?
Vede só quem estava no grupo: chquim pardalim, coiote pete, toco jabão, riconho, ronquinha, jbão pitincouro, bertcho albardinhas, nosso cabo, para além dos inefáveis batedores,Domingos Molhano, o patanisca, e eu, pois claro.
A caçada até que não fora famosa mas o tacho estava cheinho do que é bom. Cozinheiros não faltavam, vinho ainda menos e, claro, com dois padeiros, o pão sobejava.
Enquanto o lume se avivava e as trempes se aconchegavam por forma a que a ala fosse mais ou menos homogénea a incidir no fundo da sertã, reviviam-se momentos inolvidáveis desse dia de caça. (Deve dizer-se que chamar àquele recipiente uma sertã é o mesmo que chamar cagalhão a um marmelo, com licença da mesa e passe a expressão...). Aquilo era, para todos os efeitos um caldeiro de vianda do porco do Tonho Nunes, que o foi sacar da trave escura onde a mãe cozia as batatas para o bácoro. Bem areado - chovia naquela noite - esfregado comédado, eu e coiote pete, pusemos o caldeiro a reluzir ...
Quando as primeiras gotas de azeite para o esturgido cairam no fundo do caldeirão e o braseiro aqueceu a gordura, confirmou-se que podia nele ser confeccionada a tachada. E foi.
Uma caldeirada de carne brava: duas lebres, três coelhos, um pirolis, duas perdizes e um naco de teixugo porco, para dar unto. Na panela de ferro coziam-se batatas com casca que seriam descascadas na hora do manjar para o qual tinham sido convidados mais uns quantos que depois poderão aparecer...
Arranca o nosso cabo:« ó Domingos com aquela é tu me chapaste- punhas-te a gritar : aí vai, aí vai, aí vai - eu fitava o espaço com a arma pronta e nada... Uma vez e mais outra e outra ainda e... porra! isto não pode ser, vou-me a ver o que se passava e o Domingos sentado ao toro dum sobreiro a mamar na borracha espanhola e a mastigar um naco de pão com chouriço... Atalhou o patanisca: cui..da..do, comcom o queque dididizes, quando eu grigritavavva que ia, ia mesmo. não ia era para ti... Pitincouro, logo: "ele já fez isso mais vezes..." Domingos levanta-se e agarra pitincoiro pelo bibe: "ó meu sasaccana,vê lá se se te esfofolo o coicoirate!pá!
Grande Celestino, ourives, que chegava naquele momento, abre os braços como Cristo na cruz e lá acalmou aquele início de convívio com uma rodada de tinto. Nosso cabo e riconho altercavam por causa de um coelho que saía dum roto sacado pela Loc, cadelinha mais que adorada por toco jabão e que riconho deixou fugir e nosso cabo ardulhara logo ao primeiro tiro: Você, baforava riconho, você num viu que a cachorra ia a queimar o cu ao coelho e que se eu disparasse podia virar a cadela!,que se chape o coelho, agora aquela cachorra se eu a atingisse o toco mandava-me um foguete nas nalgas que nunca mais me podia sentar...você apanhou o coelho em terreno limpo... Ronquinha atesta:« era perigoso era...mas pior foi ali o pardalim que viu aquela lebre, que agora ali está no caldeiro, a dormir na cama e armado em otário a enxota com o cano da espingarda, grita:oi! oi! e erra os dois tiros. Se eu lá no estivesse agora não a mamáveis...Pardalim logo: «e tu,minha merda, a perdiz passou a cagar-te na cabeça, avias-lhe dois tiros e nada. Quem foi que a pôs à cinta? vá, diz lá quem foi... Mania pá!
As coisas iam neste enredo qual" encanto de alma ledo e cego" quando entro eu depois de uma prova ao molho: «Tiro assim mesmo com se impunha foi aqui o do toco jabão. Disse-lhe eu depois de o encontrar ao fim da batida: chega cá.Toco veio a correr... O que que está ali amagado? Toco afina o olho...É uma puta duma raposa! Só ouvi:Pum! virou-a logo...estava longe como um corno.Aquilo é que foi um tiro...o barulho alevantou uma lebre que também estava amagada e Pum, valente toco ! virou-a de pantanas. Assim está bem: um tiro,uma peça. Coiote Pete, que tinha morto o pirolis, troféu raro de carne branquinha e paladar esquisito, quase tão bom como a galinhola que também se amaga junto aos choupos das ribeiras e nem os cães dão com elas, via que estava a ficar para trás e avança: «Vós é que não vistens a distância a que eu virei o pirolis..., Aqui a minha boneca afitou-o, dá-me sinal e mal pergunto: o que é boneca? o cabrão, sai do amago e começa a querer levantar, nem a meio metro do chão chegou. Já há muito que não mandava um foguete assim...
Entretanto o caldeiro da vianda, a poder de mais uns bons tocos e mais molho de vinho lá cumpriu a missão e, sem nada ter ficado esturrado, lá se verte para uns quatro barranhões de barro espaçados pela mesa da padaria do albardinhas onde se punham os tabuleiros do pão antes de enfornar, cada um pega na sua arma e, depois de toda a gente já ter um copo dos grandes bem servido, quem tinha posto os moços (um bocado de pão espetado num garfo, que proibia que alguém começasse a comer, sob pena de pagar a despesa) retirou-os e foi um ataque que só visto!
As travessas das batatas com casca assistiam e questionavam-se então e a nós, ninguém nos quer, para que nos cozeram se não nos pelam e papam...?
À medida que a carne foi desaparecendo e o molho crescendo, entram então as batatas. E se elas eram boas naquele molho bem avinhado,! Não se amagavam à carne...
Foi mesmo um regalo ao fim ver como coiote pete, sozinho, devorou uma travessa inteirinha de batatas com o molho de dois barranhões.Toco jabão: «Vá a comer batatas para a raíz da grande pata que o pôs!»
Risada geral e mais uma rodada que paguei eu, pois então!
Se tiverdes razão não vos amagueis, mas se virdes que a verdade está do outro lado agachai- -vos e pagai uma rodada. Mainada!
Se encontrardes por aí alguma verdade que valha a pena, deixai-a registada. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
A NOSSA FALA XLVII - CÓDÃO
- Tá cá um CÓDÃO, oh!
No Inverno, as noites estreladas anunciam manhãs geadas. Os campos apresentam-se cobertos com aquela camada esbranquiçada, entre o gelo e a neve. É a geada, a russa, a barbeira, o CÓDÃO.
- Tá cá um códão, oh! – é uma bonita expressão que soi ouvir-se nestas manhãs de Inverno que se seguem a noites estreladas.
Berenice. Imaginei-a a passear na longa varanda do seu sumptuoso palácio de Tebas, contemplando a água prateada do Nilo, em noite de Lua Cheia. Estou a ver o seu perfil ondulado, como o cabelo, em contraluz, vestida apenas com uma túnica de linho quase transparente. A cabeleira cai até ao fundo das costas. Que linda cabeleira tem Berenice. Chamei-a baixinho. Ela virou-se, sorriu para mim e apontou para o céu, para a constelação de Leão.
Sem me dar conta, deixo-me ficar a contemplar aquele momento de Inverno.
Começo a ouvir o trabalhar mortiço do motor de uma mota em 4ª velocidade que devia vir em 3ª e imediatamente identifico: “olha! lá vem o Mnel Azenagre”. Fiquei atento, muito atento, porque sabia que, a meio da pequena subida mesmo em frente à minha janela, ele havia de meter a 3ª. Fixei-me na sua boca, no momento da mudança da mudança (não, não é redundância nem pleonasmo, é mesmo assim). Em 4ª, ele trazia a boca meia aberta (ou meio fechada, como quiserem, não é o momento, nem o local para dissertar sobre tal problemática), no momento em que apertava a embraiagem com a mão esquerda e, com o pé, esquerdo, pisava para entrar a 3ª, nesse pequeno lapso de tempo, o Azenagre fechava completamente a boca. Depois, enquanto largava lentamente a embraiagem, ele voltava a abri-la ligeiramente, quase timidamente, aumentando gradualmente a abertura (da boca) na mesma medida em que acelerava a 3ª mudança. Faria o mesmo um pouco mais à frente, já em estrada plana, boca fechada na passagem para 4ª e boca a abrir acompanhando o barulho do desenvolvimento da 4ª. Desconheço, e tenho quase a certeza que nunca saberei porque nunca lhe perguntarei, e ainda que o fizesse ele não me responderia, ou melhor seria bem capaz de me responder algo sem qualquer relação com a pergunta e que era: “o senhor, quando abre a boca à medida que acelera, fá-lo mudo, ou imita com a voz o som do desenvolvimento da mudança?” Ou seja, a mímica era muda ou sonora? Ficarei na ignorância no que toca a tal matéria.
A propósito de motas, lembrei-me da história do Mário Ái que toda a sua vida andou em máquinas de 2 rodas, primeiro uma pasteleira marca Súria e depois uma Zundapp X3. Há pouco tempo, comprou uma daquela carripanas de reformado, aquelas que não precisam de carta de condução para serem conduzidas. Na primeira viagem que fez à vila espetou-se logo ali na curva antes da ponte das taliscas porque, tão habituado que estava à mota que, distraído, inclinou-se para a esquerda para fazer a curva, em vez de rodar o volante.
Lá em baixo, na estrada, surge a Alice Gonita que ganha balanço para ir ao povo e, quando passa deixa escapar:
- Bom dia, está cá um CÒDÃO, ó Nazaréi!domingo, fevereiro 12, 2006
A NOSSA FALA - XLVI - ABEQUILHA OU ABOQUILHA
E O MAIS DECISIVO É QUE QUEM O RODEIA SABE DO QUE SE TRATA SEM SER PROFERIDO UM ÚNICO SOM. Verdadeiramente raro este castiço de 87 anos. (Com bem faça os 88 para o mês que vem!)
Ele, mais a ti Lianor, mulher desempenada, que corrige muitas vezes o CÁ nas suas deambulações pelas estórias das suas vivências, é outro poço de energia e , se bem que procure pronunciar assim comédado alguma palavras, acaba sempre por denunciar a linguística de orelha: um BARBECUE é um bórrocu, uma tupperweare é um tapué, um bacorinho é um bacrim e por aí fora...
Mas isto tudo vinha a propósito de a MIMÓRIA DRU(O)MIR... Pois. ..
Se calhar, a maior parte dos que me lêem, não sabe nem nunca ouviu falar da GRÁFICA DO OUTEIRO, onde os manos João e Domingos Alguitarra eram os tipógrafos e o inolvidável Padre Zé Pedro o mentor e tutor; se calhar, poucos se lembram de um rancho folclórico, capitaneado pelo excelente bailarino e cantor, apesar de coxo, que era o ti Zé Soalheiro, alguns, porventura, ainda se lembrarão das festas das bonecas em que a estrada com alferes Rei, a lagariça com os Menas, o oiteiro com o já referido Zé Soalheiro e mais o sr. Joaquim Vicente, barbeiro e médico artesanal, o cavacal com Machos, Pitincouros e Freitas e o bairro novo com Albardinhas, Chquim modas e Ave de Rapina, disputavam entre si a glória da melhor boneca e dos rosmanos mais cheirosos. Aquilo é que eram noites assim comédado!
O maralhal corria as festas todas e o comum entre elas eram sempre as borracheiras, que os cântaros do vinho não faltavam nessa noite.!Outros tempos.
Afinal, contrariando o meu querido ti Cá "a mimória no drome!"
Quando eu andava com aquele mais que famoso e conhecido carrinho quadrado a transportar bilhas de gás, sacas de ração, milho e o que mais fosse, logo por essas seis da manhã (ainda hoje, a essas horas ou até antes, quem for de fora e se aproximar de aldeia, se observar com atenção, há-de reparar numa espécie de névoa que cobre os telhados, por esta época do ano e até aí fins de Abril, conferirá a verdade inabalável do ti Cá: "é o povo a fazer a miguinha da batata...") E era!
Quando abria o trinco da porta - àquela hora já o gado estava acomodado e as portas já não estavam fechadas à chave - chamava: «Ó CHQUIM!» " Quem vem lá?- entra homem: Teu pai é chapado, põe-te a cabanir da cama logo cedo: Já comeste alguma coisa? " «papei dois figos secos e um bolo de leite,» dizia eu. "Assim no vais lá...um home quer-se com génio...e virava-se: eh! cachopa! traz aí uma planganita com uns feijõezitos e um naco bom de pão mais uma çabola! "«ó tchquim inda é cedo!». "A gente pra beber um copo tem sempre que meter uma abequilha, cassenão no se aguenta: metes três colheradas de feijão e bebes uma lata ficas pronto pra malha! " A lata era realmente uma lata. Tinha uma asa também de lata, normalmente obra de Zé Pantelhão e levava 4/4 de litro. Era obrigatório emborcá-la de uma vez...
Pelo menos na casa do Chquim Modas...
Prendia-se-lhe um pouco a língua, mas andava ligeiro e era sempre o primeiro a despejar a litrada: "Viste? é assim. Podes beber as que quiseres mas sempre inteiras e sem parar. A isto é que eu chamo uma directa."
UM LITRO DE VINHO ÀS SEIS DA MANHÃ COM UMA MALGA DE FEIJÃO GRANDE ENCARNADO UMA FATIA DE PÃO E MUITA AZEITONA.Um veneno era o que era.
Dizia o Chquim Modas que na aldeia eram poucos os que eram capazes. Ainda o acompanhei uma boa meia dúzia de vezes. E ele:" és valente catano. És dos bons. A gente nunca se agacha. Se os outros são capazes, nós tamém."
Era uma filosofia bruta, de difícil concordância, mas, documentada ao vivo, não dava hipótese:" a gente com uma aboquilha bebe até cinco litros!". E eu : «Ó Tchquim, pior ca nós só o Zé Moreira, ali dos cucos, que com uma azeitona bebe um almude!» E ele: "eu a raspar um caroço de azeitona despejei cinco litros." Rematou com esta:
"Ficas a saber: a gente para se aguentar a trabalhar, a beber, a comer, a fazer o que quer que seja, precisa sempre da aboquilha! A mim sem abequilha nunca me vês beber. E mais:não bebas nas tascas; bebe sempre do nosso. O vinho é medicinal: de verão refresca o corpo e de inverno aquece a alma!"
Que havia eu, cachopo ainda de voz em falsete, contrariar, face a uma argumentação destas? O importante é a abequilha.
Ainda hoje tenho este hábito, mas não com o alcatruz do Chquim Modas: quando se bebe um copito de prova, pincha-se sempre algo. É a aboquilha. Podeis chamar-lhe mata-borrão, tapa, pincho, acompanhamento, côdea, entretem, raspa, calço, é tudo o mesmo: o que é preciso é fazer a boquinha para o sangue de Cristo. Mainada.
Logo vos voltarei a falar da gráfica, dos Alguitarras e do Zé Soalheiro.
Com uma abequilha e um copito do bom, depois de uma sesta assim comédado, pode ser que a memória no druma e a estória surja!
Ide aboquilhando enquanto esperais...
Deixo-vos outro XXXXXXXXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIII.
quinta-feira, fevereiro 09, 2006
A NOSSA COMEDURA - V - DO LEITÃO COMÉDADO AO ESPARREGADO DE COUVE À BRUTA
A esta hora já estais vós a barafustar:"com filha da puta! Um gajo vem à espera de saber como se confecciona COMÈDADO um reco e apanha com uma meditação lúgubre(!?) sobre problemas de estética a nível hiperurânio. Este Blogue é assim mesmo: quando lhe dá para jogar ao sério ninguém o faz rir. (Apenas MARCEAU e a sua inigualável arte de mimar.) Atendendo a isso, vou dar-vos um MIMO: REVELAR-VOS OS SEGREDOS ESCONDIDOS DA ASSADURA DE UM RECO ATÉ AÍ OBRA DE UNS DOZE QUILOS EM FORNO A LENHA E EM SUSPENSÃO.
TOMAI LÁ A RECEITA E EXPERIMENTAI :
(APROVEITO PARA DIZER QUE AS RECEITAS QUE AQUI SE APRESENTAM SÃO, FORAM E SERÃO, RESULTADO DE provas reais, LOGO, DIGNAS DE TODO O CRÉDITO.
O que precisamos:
1 - um(a) reco(a) aí até 12 Kg de máximo
2 - um forno a lenha com 55 cm de raio, pelo menos. Equivale a 1,10 m de diâmetro
3 - evidentemente, lenha para atear e aquecer o forno até à têmpera adequada.
4 - um tabuleiro que entre na boca do forno e com duas hastes ao centro nas paredes mais curtas do rectângulo com a altura bastante para suportar o bácoro no ar sem bater no chão. Se for necessário prendem-se as patas ao corpo do cochino com um arame.
5 - Exige-se que, ao matar do cerdo, apenas se abra um rasgo no pescoço para tirar a gola e outra ferida no ventre por onde se tiram as tripas.
6 - um pau de loureiro (de preferência) ou outro, ou até mesmo um espeto, suficientemente comprido.
7 - Uma agulha de albardeiro e respectiva guita (barbante) para coser o porco.
8 - É conveniente que o animal seja temperado de véspera.
9 - Para o tempero:
- mais ou menos 20 gramas de sal por Kg de leitão
- 250 gramas de banha de porco
- pimenta branca e preta moídas
- alho com fartura
10- confecção:
- esmagam-se os alhos (20 a trinta dentes abertos, escarchados e sem grelo) com o sal, num almofariz; quando já estiver tudo numa pasta envolver bem a banha; em caso necessário adicionar um chirrichichi de azeite para permitir melhor ligação; juntar as duas pimentas (meio pacote de cada) e continuar a envolver.
11 - a pasta deve estar homogénea, a ligação corredia, mas espessa; pica-se o interior do bacorinho por dentro com faca aguçada, tipo matadeira, mas de modo a que a pele não seja furada.
12 - Pelas aberturas (gola e ventre) barra-se o cochino muito bem.
13 - cose-se com o barbante, fechando COMÈDADO os orifícios; unta-se por fora com a pasta restante .
14 - Mete-se o pau de loureiro pelas traseiras do tó, até às dianteiras e suspende-se o porco no tabuleiro .
15 - Prepara-se o forno, tendo o cuidado de deixar algumas brasas nas laterais e de cobrir o roncador com papel alumínio.O LEITÃO DEVE ENTRAR SEMPRE COM O DORSO PARA CIMA (não esquecer que deve ir tapado com papel alumínio).
quinta-feira, fevereiro 02, 2006
A NOSSA FALA -XLV - TRAMONCO OU MATRONCO
Em tempos, a avó de Jó e mãe de Chquim, a mais que famosa e inultrapassável velha Pieres, limpava tudo quanto era valeta e caminho apanhando todo e qualquer gravato. Era com eles e com a silvas que ia catando das divisórias limítrofes das parcelas dos chões, que, dia a dia, acendia o luminho que a aquecia a ela e ao Chquim e fazia a comida, numa panelita de ferro que poucas vezes era lavada, guardando sempre o unto de umas refeições para as outras. Muitas vezes a vi eu com um molho à cabeça, sem molídia, mais parecendo um ninho de cegonha a andar, rasteirinho.
Diziam as más línguas que o pai de Cquim Camião era outro Chquim, o ti Chquim Cavalo, homem espadaúdo, mais alto ainda que o chquim Camião e da largura de Jó e meio. Calçava 47. Mandei-lhe virar ainda algumas botas na torcedeira ou vergadeira e o Manuel Vinagre dizia sempre que demorava o dobro do tempo a palmilhar umas botas daquelas e que assim não lhe interessava ter fregueses daqueles.Era o que se podia chamar um HOMENZARRÃO. Vinagre era mais para o lado do tamanco e dizia que aquilo não era um homem, mas um matronco. A Mari Varónica, que morava em frente, corrigia: « não é matronco, é tramonco ».O ralho começava ali. Ilda aparecia também e o Cavacal, ali para os lados da rua das Aranhas animava, já que vinham logo Bandeira de Guerra, mãe de Ilda, um pote de veneno, a avó de Amílcar Faiçal, mulher de Estica, G. N.R., reformado, e que tinha uma cabrita que mais parecia um cachorro, cantora esganiçada, sempre na igreja, junta com Albertina Molhana e Rosa Rei. Dos assistentes faziam ainda parte, Tonho Félix e sua mãe Velha Lorpa, às vezes, a cunhada velha Nacha, aquela mesmo que Zé Luís tinha enganado dizendo-lhe que iria cantar à Rádio Renascença, ao programa do António Sala e não raro, as manas Rancheiras. Dificilmente se encontraria melhor. Nem com uma candeia, ao meio-dia, se juntaria melhor grupo. Vinagre de sovela na mão e avental de sapateiro, tirava os óculos e virava-se para a Varónica: "onde é que queres a cama?"
quinta-feira, janeiro 26, 2006
A NOSSA FALA - XLIV - A MANDINGA
Contava ele que em África tinha visto uma jibóia com 15 metros e que com um arrocho tinha partido um dente de marfim a um elefante e que duma vez se viu frente a frente com um leão: calmo, como se impunha, agarrou um pequeno estadulho e quando o leão abre a boca para o apertar nos dentes afiados, enfia o estadulho na boca do rei da selva que, ferido no céu da boca, mete o rabo entre as pernas e foge acagaçado com a calma de Borges. Em Lisboa o comboio andava 30 metros debaixo de água e na aldeia tinha ele tido uma ovelha que tinha parido e criado oito gatos.
Um dia, Chquim Mouraria, mais conhecido por Malagoto, genro de padre Zé, mandador nas eiras onde se fazia a malha a mangoal (ainda vos lembrais dele?), velho Prim, aquele mesmo que um dia enquanto o velho Remédios, viúvo já, descia à loja para trazer um pucheirinho de vinho e dar um copo ao Prim, ele, o mal agradecido, com um gravato, saca a farinheira que o velho cozia na panelinha de ferro e, apercebendo-se que ele já subia, enfiou-a na fralda da camisa e, embora a dor da escaldadela fosse enorme, aguentou firme e emborcou o copinho ao velho; quando chegou à tasca do Fatela mostrava a cicatriz da escaldadela: "só queria uma farinheira mas fiquei com duas," dizia o malandro), bom, mas então era o Malagoto, o velho Prim, o Marrafa (que passava os dias sentado no baturel do Fatela ou do Chico - era só atravesar a estrada -, e mais ainda o velho Corlha, Zé Espantado, Zé Ferrenho, Manuel Freitas e Zé Luís - uma equipa de rara envergadura em matéria de artimanha - combinam espetar uma ao Zé Borges. Depois de muitas hipóteses Malagoto decidiu: pagamos um copo ao João Feijão, para o Borges não desconfiar e é o Feijão que lhe vai dizer que a cadela aqui do Ferrenho pariu dois borregos e que os dois tinham uma cabeça para a frente e outra para trás e mamavam à vez com a boca em cada uma das tetas da ovelha. E foi.
O Feijão, ao princípio, ficou relutante mas com mais uns copinhos lá se foi ao Zé Borges e dar a notícia. Não tardou que Borges aparelhasse a burra - animal invejável, sempre bem calçado de ferradura e aparelhado com gosto, albarda sempre coberta por manta de farrapos, arreios reluzentes, e, que eu me lembre, a única burra que tinha estribos - e se pusesse a caminho à casa do Ferrenho que ficava para lá das Portelas, no Batcharel, mesmo em frente ao pinhal do Chico Sarapião, regedor que era, ao tempo.
quinta-feira, janeiro 19, 2006
A NOSSA FALA XLIII - ENCRENCAR
Quando um dos seus compinchas se despedia era inevitável ouvi-lo:
- Já vás? Anda vai e vem qu’inda m’aqui agarras.
Havia os que já lhe conheciam a faceta e nem ligavam. A maioria, não apanhava o sentido, e ainda que atento, raramente o visado levava a mal. Uma vez, o Alfredo Mamanaburra levou, e não foi de modas: deitou as mãos à portinhola das calças de fazenda do Falabarato e... apertou com força, como quem espreme os tomates para fazer a tomatada. Avelino teve de aguentar a dor e a galhofa das testemunhas. Quando era ele a despedir-se lá vinha:
- Atão vá! Já me vou qu’hoje vou a dormir com uma mulher casada.
Em situações raras, tinha boas tiradas como aquela no casamento de um sobrinho em que o 4º quente da ementa era cozido à portuguesa e a senhora de decote generoso lhe encheu o prato de cenouras.
- Ó mnha senhora! atão vomecêi cuida que eu não tenho cenoura? Ande tire lá isso que já tenho que chegue.
- Olhe que dizem que faz bem aos olhos…- quis ela ser ingenuamente simpática.
- Pois, está bem! Mas ande que eu vejo bem a carne…
Sempre que apanhava um novato no grupo, desafiava-o para a aposta habitual. Mostrava-lhe a mão fechada, assim como que a jogar à moedinha e atirava:
- Tu queres apostar a todo o dinheiro de nós os dois juntos que eu tenho mais dinheiro aqui na minha mão do que tu?
O outro, se calhava ter a carteira bem recheada, e calculava que seria impossível o Falabarato conseguir guardar numa mão fechada a mesma quantia, atrevia-se:
- Olha que perdes! Vamos lá atão a ver.
Triunfante, o Falabarato exibia uma moeda de 1 euro e perguntava:
- Eu tenho aqui 1 euro. Mas é meu, tu não tens dinheiro nenhum teu aqui na minha mão.
Naturalmente, a aposta considerava-se saldada se o perdedor pagasse uma rodada.
Doutra vez, arranjou um sarilho com a Lurdes Malagota que vinha da horta com um caldeiro cheio de cabeças de nabo na molídia e o Falabarato não resistiu:
- Ó Lurdes, os teus nabos parece que não são lá grande merda. Os meus é que são bons. Olha, eu tenho lá um nabo que tem talo no grelo.
A Lurdes não a apanhou, mas o homem dela sim. Valeu o Feduchas que se pôs no meio e convenceu o ofendido que o Falabarato estava a brincar.
- Ele que vá a mangar c’a puta qu’o pariu, ora o filho dum corno.
Eram conhecidos outros jogos de palavras da mesma laia que o Falabarato gostava muito de usar, provavelmente desde que comprara uma cassete do Leonel Nunes na Senhora do Incenso: ele era “o meu feijão verde tem fio”, “ a minha uva tem cacho”, “a minha couve tem talo no olho”, ou “o bacalhau tem rabo”, etc.. Um malabarista da palavra, o Avelino Falabarato.
Mas aparece sempre um mais esperto. Um dia, ia ele a caminho da vinha armado de tesoura e serrote para a poda, no coldre de cabedal enfiado na correia das calças, passa pelo chão do Moca que estava armado de guilho e marreta a rachar lenha. Vira-se o Falabarato:
- Ó Moca, dou-te 20 euros se me venderes aí o monte da lenha.
O Moca olha para as 3 toneladas de lenha de azinho, sorri para o brincalhão do Falabarato e responde:
- Se me deres os 20 euros, sou capaz de te vender a lenha.
Avelino Falabarato ficou surpreendido com a oferta, mas não podia voltar atrás. Agarrou na nota de 20 e passou-a para as mãos do Moca.
- Pronto! Negócio feito, vou já a buscar o meu ratatau e ainda levo hoje a primeira carrada.
- Levas o quê? Tás parvo ó fazes-te? Eu disse que aceitava os 20 euros para te vender a lenha, não disse quanto é que queria por ela.
- Ai o rai! Já m’encrencaste!
quarta-feira, janeiro 18, 2006
Karraiazinha
(foto retirada devido a processo de desactualização irreversível)
Ano II
Tenha tudo de bom
O que a vida contém
Tenha muita saúde
E amigos também
sexta-feira, janeiro 13, 2006
A NOSSA FALA - XLII - CATREFA E/OU CATREFADA
Então é assim: Catrefa deriva do latim CATERVA. Significa GRANDE QUANTIDADE. Vergílio, na Eneida, e cito de cor que agora não tenho aqui a obra à mão, escreve assim: Et regina, magna cum stipante CATERVA virginum, dum maximus pontifex ad aram ascendebat... Aí vai a tradução: e a rainha, acompanhada por uma grande quantidade de donzelas, ao mesmo tempo que o sumo sacerdote se dirigia para o altar, lá no alto ...
Como é por demais sabido, o povo faz a língua e segue frequentemente a lei do menor esforço. Isto é mais visível quando algumas consoantes são muito próximas em termos de som e pronunciação ou quando a articulação da palavra oferece alguma dificuldade. Nesse caso, dá-se a volta por cima. Foi o que aconteceu com a passagem de caterva a CATREFA: Dá-se uma metátese (reparai que se passa de CATER a CATRE e depois verifica-se um abrandamento do V ao F. Reparai que estas duas consoantes se pronunciam quase da mesma maneira: são labiais, só que o V é sonoro e o F é surdo. Vai daí, o povo não está com meias medidas: fica CATREFA, e não se fala mais nisso. E ficou. Voltaremos a esta temática um dia que calhe!
Era Sexta-Feira à noite.Verão assim quente comédado! Junto ao muro do Marcelo estava eu com Coiote Pete, Jorge Alguitarra, J.J. Cabeças, Barbaças e Abraço de Basuca. A conversa entre cachopada vai sempre a dar ao mesmo: gajas.
Avaliavam-se várias figuras, quando nisto, passa o mardlhequinho (chamavam-no assim porque não era capaz de pronunciar bem os dois RR e como tinha marrecos e estes iam até à ribeira em fila indiana, ele quando os queria de volta à capoeira ia à ponte e punha-se: "mardlheco mardlheco, mardlheco, mardlequinho!...."O facto é que os marrecos acudiam à voz e aí iam perfilados atrás dele como os gansos iam atrás de Konrad Lorenz.
Diz Coiote Pete:« OH! se o mardlheco vem a esta hora, dorme cá. O velho tem uma coelheira dum corno. Fui lá outro dia com o Tero e vi. A porta está fechada com um baraço num prego e o cão é manso como a terra.» E vai o Cabeças:« porra, mas o carregal é longe!» Logo atalha Alguitarra:« vamos de tchasso.»« Só há uma», diz o Barbaças...E eu: «Vou buscar a do meu velho e empresto-a. Eu a roubar os coelhos não vou, mas posso-os cozinhar e emprestar a bicicleta.» Nisto o irmão do Basuca passa na bicicleta e é logo interpelado: «Ó puto, vai a pé para casa e deixa ver a chincha.» O cachopo protestou mas a ameaça do Basuca resolveu tudo num instante. Aí vão eles: Coiote Pete, Cabeças e Basuca. Eu fui pelos garfos, colher de pau, louro e a bifar uma bilha de gás , um redutor com tubo e um fogão Presmalt de dois bicos que a minha mãe levava para as excursões, alguitarra arranca a buscar o vinho e o pão e o barbaças foi-se por um tacho dos grandes, cebolas, azeite e alho. Agarramos no carrinho do gás e ala: toca a andar para a mina de Toco Jabão. Havia lua... E que não houvesse! todos conhecíamos o caminho.
A páginas tantas diz o Barbaças: «Atão e comemos os coelhos com quê?» « Com couves é que era bom,» digo eu. E eles: "Com couves? A Ti purificação tem-nas lá boas debaixo da laranjeira, daquelas do repolho." «Vai lá e traz aí umas quatro ou cinco, enquanto eu e aqui o Alguitarra montamos a bancada». Assim foi.
Pelos atalhos das Taliscas, entretanto, os outros três lá iam em busca dos coelhos do mardlheco. Foram e vieram.Trouxeram só um. Um, pensávamos nós: era uma e prenha!
Coiote Pete, viemos depois a saber, apalpava o lombo (nenhum se lembrou duma pilha nem dum fósforo) e agarrou aquele(a) que lhe pareceu maior, meteu-a para dentro do saco, pôs no suporte da bicicleta e: ala milhano!
Depois de uns quantos praguejos e alguns a dizer que já não comiam e de alguma narrativa lá nos decidimos a esfolar a coelha. Dizia Coiote: «fugiam como os ratos e era uma catrefada deles, no se via nada o que quereis? fosseis lá vós»! Entretanto quando a barriga da coelha é posta à luz da lua vimos que tinha dez caçapos.«Mal empregada.Trazia uma caterva de coelhinhos. Meu amigo, vai mesmo assim»! E foi.
Como só havia um tacho e para adiantarmos tempo eu já tinha as couves cozidas e vá lá que o ti joão caçador tinha um balde perto do poço ali ao lado, senão, não tinhamos onde as deitar.
A coelha era rija, demorava a cozer e para variar a conversa ia a bater sempre ao mesmo: gajas.
Vou eu:«porra! não se fala mais em gajas hoje. Contamos uma história engraçada cada um e pronto, até que a coelha se coza maneirinhas.» e foi assim que o Cabeças arranca com esta: «Atão não querendens lá ver que o padre zé pedro, outro dia, vira-se para o tzé sardones e atira-lhe:-"ó Sardones, olhe que você ainda não pagou a côngrua nem deu a esmola para o santo!" E o Sardones: «Oh senhor prior: eu tenho uma catrefada de filhos, farto-me de trabalhar para ver se não passam fome... Bem, a congra é lá com a minha mulher, mas a esmola ao santo, pago-lha já: o senhor prior empresta-me o santo durante um mês e eu sustento-o junto com os meus filhos. »O pessoal que ouviu pôs-se a rir e o padre desandou.
E nós também rimos e quase em uníssono: bem feita!
Ao fim de um boa hora lá se roeu a coelha!
1 -Alagar bem o tacho; não poupar o azeite : à vontade aí meio quartilho ou mais.
2 - Deitar cebolas migadas, alho e louro e o coelho migado grosso. Abaixar o lume e deixar cozer no azeite na cebola e no alho.
3 - Testar se o garfo já espeta na carne e juntar as couves (não esquecer que as nossas já estavam cozidas para ganharmos tempo). Tapar o tacho deixar cozer, lentamente.
4 - Quem gostar de umas batatas pode acrescentar depois de as couves já terem suado.Temperar de sal a gosto e picante se gostarem.
5- Sempre em lume brando
6- Juntar vinho tinto ou branco, avivar o lume, deixar apurar e servir.
NB: reparastes que não leva água. A água é apenas a resultante do próprio coelho e das couves. A importância de cozer sempre em lume brando e com o tacho sempre bem tapado, está aqui. Doutra forma tende a esturrar e lá se vai o petisco.
Muita atenção: não vale roubar o coelho!
terça-feira, janeiro 10, 2006
A NOSSA COMEDURA -IV - BATATAS (solteiras, assadas na água e à cão reles)
sexta-feira, janeiro 06, 2006
A NOSSA FALA - XLI - PI(E)LHARANCA
Era um gosto vê-lo comer, a este pesado amigo.Tinha por hábito dizer que nunca na vida tinha almoçado:«só enganei o estômago!»
Sempre disponível: bastava que se lhe arranjasse um assento mais ou menos ajustado àquela massa informe e se lhe pusesse à mão o que fosse preciso ele fazer: descascar batatas, raspar cenouras, migar carne, e o resto - um pão dos grandes, um garrafão de cinco, uns nacos de presunto, queijo, malgas de azeitona retalhada e, por copo, uma garrafa - . Era assim: ia trabalhando, comendo e bebendo. Aí por essas onze já se ouvia o pigarro da sua garganta. Poucas falas, que quanto mais falasse mais ar entrava e mais se lhe irritava a garganta.Portanto: há que tapar a entrada do ar com mais pão e presunto e queijo e molhar bem a garganta para tudo escorregar comédado.Era só uma garrafinha de cada vez. Assim mesmo: uma garrafinha !
Ao almoço comia pouco- pouco é como quem diz: dois discos de sopa de feijão com couve e massa manga de capote, basta quanto pudesse ser, cinco batatas das grandes, uma massinha de borrego e uma travessa de esparregado de nabo por via dos alhos que catava a cada instante. Duma vez lhe vi comer três cabeças. Era aproveitado: sobrava pouco e, delicadamente perguntava: « as pelharancas, deito-as aos gatos?» às três mais ou menos começava a sesta. Até às cinco. Acomodava-se no assento e pronto, já só se ouvia ronco!
Quando era mais novo o nosso Mnel era trabalhado: arranjava sempre desafios no Domingo à tarde onde ele pudesse ser o vencedor e assim encher o fatinho sempre à mama.
Alguns dos que me lêem hão-de ainda lembrar-se das amoreiras no largo baldio da lameira - resquícios de uma pequena indústria artesanal- . A mais alta estava pegada à tasca do Cavalheiro. Não era raro que a rapaziada se queixasse e, mais ainda, as mulheres que tinham lavar as nódoas provocadas pela tintura da amora.(Se por acaso ficardes com as mãos sujas de comer amoras, o antídoto é lavar as mãos com amoras verdes. A roupa é que não se pode lavar assim) .
A pernada mais alta dessa amoreira tinha inclinação para o lado da estrada e o que se meteu na cabeça do Mné Grande?:«Pago cinco litros a quem me desafiar e chegar mais alto a subir a esta amoreira.» Depois de esperar que alguém aceitasse o desafio,acrescenta: «Cagões, sois todos uns cagões! Pronto: podeis juntar-vos cinco contra mim!» Aí, João 27, chico traitoiras, arrebenta canelas, zé encrencas e macuácua, aceitam a aposta. Impõem como condições que só poderia subir uma vez cada um, nunca voltar atrás à procura de melhor caminho e que o Mné Grande era o primeiro a subir.
quarta-feira, janeiro 04, 2006
ACTA ANTECIPATIVA DA MORTE DO MARRANO
De 30 do mês do Natal
Saíram de casa, com pêlo na venta,
Os constituídos para dar cabo do animal.
A equipa é mais que distinta,
Moca, nosso Fernando, nosso Zé,
Karraio, e Changoto da quinta,
Gaducha, Chaves e um Sardones até.
Ali bem perto, às Poldras
Junta-se à trupe o Zé Caçador,
Grita: "Já cá levo as cordas",
E acelera forte o seu tractor.
Chegados ao local de abate,
Aguardente fraca, pouco adoçada,
Nozes e figos secos como contraste
Iniciam a valente almoçarada.
Apresentam-se as armas à porfia:
Fusis, navalhas, serrote e machado,
Pedras, maçarico e até um fio,
Mais a banca para o condenado.
Muda-se a farda, calça-se a bota,
Entra-se na furda, separa-se o tó,
Ata-se-lhe a pata, empurra-se prá porta
Cada um sua sentença, afaga-se com dó.
O animal já habituado ao aposento,
Recusa-se a percorrer o caminho...
E então que num momento
Se lhe aperta um arame ao focinho.
Com três a puxar e quatro a empurrar,
O malhado lá passa a porta do curral.
Os outros, todos a ver, acabam de ralhar
E acompanham os algozes ao tribunal.
Diz um:"passa-lhe a corda por baixo"
E outro:"vê se me tombas o animal"
"Cala o bico senão inda te racho
Pega-lhe no rabo que não te faz mal".
Ao fim de uma boa meia hora
(vergonha das vergonhas em matança)
Lá conseguem tombar a alimária.
Podia finalmente começar a dança!
"Vá lá!" diz o mestre, "todos ao mesmo tempo,
Um dois trê..."espera aí que me vai escapar"
Aguarda-se então um breve momento,
E, depois, então, foi só levantar.
Poisa-se o volume ao comprido na tábua,
Puxa-se a jeito, compôe-se a faceira...
Logo um traz um balde de água,
E o matador pega na matadeira.
E foi um "ai...", logo à primeira,
Enterrou a faca, tirou-a e ficou a olhar
O animal a grunhir, a ferida que fizera,
O sangue a correr em bica para o alguidar.
A colher de pau não parava no barro
Sempre a dar-lhe para não coalhar.
Metia-se a mão, sacava-se o tarro,
Comentava-se a facada sempre a segurar.
"Põe-te a pau que ele vai esticar"
Aconselhava o que pegava a orelha.
"Olha o esperto", diz o do traseiro a brincar,
"Vê lá se te foge e te chamo azelha."
"AtençãolAtenção! Vamos lá a preparar."
Clama o matador a ver a brincadeira!
"Não estive eu aqui a aprumar-me
E ficar envergonhado por uma asneira."
Ao fim de uns bons esticões
Lá se ficou o porco, sem bulir...
Limpa-se a barbela, dão-se uns apalpões!
Desatam-se as cordas! Começa-se a sorrir.
"Arre porra, ninguém quer mecha!"
Diz o que segurava a pata dianteira.
"Um homem tem mesmo que fazer queixa:
Não há um copo! Só querem brincadeira."
Ouve-se então alguém a vir,
Viram-se todos para o portão.
Era o Barrocas campeão a tossir
Que já trazia o cigarro na mão.
"Vá lá, chegou mesmo à hora.
Tínhamos deixado molhar os palitos,
Mas não temos que nos preocupar agora,
Já temos quem acenda o maçarico."
Sorriso largo, fumarada solta,
Calmamente se aproximou.
Com a mão a todos deu a volta,
E foi ele que em vedeta se tornou.
Iniciaram-se piadas de caserna,
Até que se ouve uma voz tonitroante:
"Isto aqui é alguma taberna?
Assim isto não vai p'ra diante."
"Tens razão" comentam os conjurados
"Vamos mas é ao que interessa
Daqui a pouco estamos gelados
Por nos pormos a olhar aquela peça."
Foi assim que o maçarico se acendeu
E se chegou o lume à ferida.
Na agulha uma guita se meteu
E pouco tardou, estava já cosida.
"Vamos lá mas é a pôr ordem nisto"
Ditou o Barrocas então chegado
"Mas haja cuidado por Cristo
Qu' algum inda pode ficar queimado."
"Bem falado, então isto é assim":
Vocifera alto nosso Fernando.
"Um aqui sempre atrás de mim
Que eu dou-lhe lume brando."
A chama do escaldante queimador
Sempre orientada no sentido sul
Implicava atenção ao calor
Pois até já o bocal estava azul!
Lá se ia chamuscando, primeiro atrás,
Logo à frente, depois a barriga,
Sempre um a dizer como se faz
E em latim se inicia uma cantiga:
Infelix animal es, suine ora mortue,
Ut augeas ventres omnium scholarium
Dolore maxima, duces saevi, impiique
Te damnant, etiamsi sis sordidum.
A música é depressa por todos adoptada
Sai um coro afinado, sem maestro.
Apesar de não perceberem nada, nada,
Entravam bem na melodia, mesmo a estro!
E o porco lá ia, com jeito, sendo queimado
Sempre atrás do lume ia o raspador.
Em breve ficou bem pronto dum lado,
Aquilo é que estava a ficar um primor.
"Eh! Malta! Está na hora de ser voltado."
Logo todos se apressam para lhe pegar
Primeiro de costas, o lastro breve assoprado,
Depois com jeito e arte foi só virar…
"Vá lá a ver quem sabe arranjar o focinho",
Aponta o Gaducha ao vê-lo ainda por fazer
E logo um se lhe atalha ao caminho:
"Isso já toda a gente sabe quem há-de ser".
"Ouve lá, ó meu basbaque de tanto saber,
Inda não tiraste as mãos das algibeiras
Sabendo que há muito por fazer
E pões-te a dar sentenças brejeiras?"
Uns riam, outros acenavam que sim senhor
Mas lá acabaram por concordar:
A cabeça pertencia ao matador.
E lá teve o desgraçado que se baixar.
"E o rabo! Quem faz o rabo a preceito?"
E viram-se todos para o Caçador
"Eu cá não tenho qualquer jeito,
Haja alguém que faça o favor."
É agora a altura das carchanolas,
Unhas para os que são ignorantes
Queimam-se bem pois parecem solas
E brinca-se com elas como dantes.
Aquele que as tira, finge que as aventa
Mas guarda-as, bem guardadinhas
E metê-las nos bolsos é o que tenta
Das pessoas que estão mais vizinhas.
Os que dão conta, empurram-no com força
E ele aconselha-lhes alguma calma.
Calado, salta para outro como uma corça
Senão não dá descanso à sua alma.
Dá a volta e no que estava mais distraído
Lá enfia, por fim, a sua encomenda
Afasta-se aliviado e descontraído
E atenção aos outros recomenda
Todos, sem à partida fazerem referência,
Vão sempre guardando a rectaguarda.
Não fiquem eles com a indecência
De as levarem consigo na farda.
Enquanto tudo isto se passava
O cerdo ia ficando como novo
Barbeado conforme a navalha passava
Já quase se podia mostrar ao povo.
Apaga-se o maçarico já desnecessário
Grita-se por água rápida e com fartura
Procuram-se pedras de natureza vária
Inicia-se a lavagem à bacorura.
Nosso Zé, com muita jeiteira
Segurava a mangueira numa mão
Na outra, regava com uma cafeteira
A medida que se fazia o raspão.
Trabalho, trabalho, tinha o matador
A limpar as rugas daquela tromba:
Escarafunchava com raiva e vigor,
Estoirava como se fora uma bomba.
Já bufava e as mãos se lhe engadanhavam
Quando repara que faltavam as orelhas.
"Uma esfregadela era o que precisavam
Os que aqui passaram, os azelhas."
E exclama: "quem me traz sal grosso
Para vos ensinar como se devem limpar
Estes abanos às vezes rijos como um osso"?
Prestes, Karraio, logo lho foi buscar.
E preciso agora fazer-lhe bem o cu
De maneira que não se fira a tripa.
Resta saber quem será o gabirú
Que a tal trabalho se dedica.
Vê-se um, disponível, a sacar da navalha.
Tal disponibilidade a todos espanta
E quando ia a iniciar aquele trabalho:
"Eh! pá!, olha que é preciso tirar a trampa."
"Mau..., ainda ninguém teve fome?"
Diz um que andava com a perna manca.
"Olhem que até à uma ninguém come!
E servirem-se já da morcela da banca!"
Logo em resposta ouve o que pedia
"Galinha que canta é a que põe ovo,
Já era assim que o meu avô me dizia,
Come-a tu e diz-me que tal é o provo."
"Vai mas é buscar um bom nagalho
Enfia-o aí até ao fundo da abertura
Torce e puxa para ti, ó meu bandalho,
O que conseguires sacar da ranhura."
"Tem tento nessa língua, ó depravado,
Senão ainda limpo a essa linda cara
Aquilo que vier a ser o resultado
Da sonda que ainda há pouco enterrara."
Tão amena conversa se ia travando
Era tão boa a disposição de toda a gente
Enquanto no traseiro se ia cortando
Que ninguém se lembrou da água quente.
"Se isto vai continuar assim, desta maneira,
Digo-vos que ponho os pés a caminho.
Vamos lá acabar com a brincadeira
E ver se alguém me traz um copo de vinho."
E continua, alterado o grande artista:
"Tu, ó Faz-Nada, acadeja-me água quente
E vê se deixas de te armar em fadista
E te portas de modo a seres gente
"Porque é que logo me viste a mim
Que estava aqui tão sossegadinho
Toma mas é um raminho de alecrim
Que te faz muito melhor que o vinho."
Valeu à circunstancia que o Caçador
Ali apareceu com aperitivo e garrafão.
Assim, lá se acalmou todo o vapor
Da zanga que estava a ruinar a sessão.
Já com o chambaril o Moca aparecia
E os nervos das traseiras se revelavam
Há já muito tempo que se não via:
Todos com o transporte se preocupavam.
Uns apareciam com sacas de serapilheira
Outros com varapaus como fueiros
Cada um defendia a sua maneira
Tudo se acalmou e lá foram ligeiros.
A roldana e a corda tinham sido aprontadas
À entrada da porta alguma dificuldade
Tardou -os na sua pressa danada
E tiveram que refrear as ganas da vontade.
Já dentro da loja debaixo da viga
Engata-se a corda, eleva-se o animal.
Um sobe ao banco, faz uma figa
Dá um nó de modo que não fique mal.
"Pronto, já está, podeis deixar o bicho"
Devagarinho lá o foram baixando
O gato sapou para o seu nicho
E o material preciso se ia preparando.
Surgem alguidares, travessas, pratos
E logo: "Então, mas afinal isto o que é?"
Mais me pareceis uns grandes ratos.
Haja alguém que vá buscar um café.
Abre-se o ventre agora escancarado
Com golpe ao centro pouco profundo
Não tardou que o cutelo bem afiado
Trouxesse o corte direito até ao fundo.
Volta ao cimo e, com os dedos em V,
Abre caminho ao bico da navalha
As tripas logo toda a gente as vê
E traz-se o tabuleiro que as apanha.
Agucei então umas sovinas de esteva
Para o porco poder ficar largo a secar
E disse. "Atenção, daqui ninguém o leva,
Sem a carne estar boa para se cortar."
Entretanto, o cheiro de um fígado a assar
No borralho, que ficara sempre aceso,
Anima o corpo, que já estava a ficar
Devido ao frio, um pouco teso.
Então, sem que ninguém o veja
Changoto inicia a sua faena culinária:
Já tinha limpo das tripas a molareja
e agora limpa as glândulas da alimária.
Num tacho já frigem dentes de alho
Em azeite fino da bela oliveira,
Juntos com louro e um famoso molho
Que é criação da sua alta craveira.
A chicha, cortada em nacos valentes
Entra logo com a pimentada caseira
E todos com a fome afiam já os dentes
A contar com a cheirosa petisqueira.
Boné na cabeça, avental a preceito
Atento ao fogo, à trempe e ao tacho
Vai deitando vinho, sempre com jeito
Não se agarre a comida com o fogacho.
Dá a provar o molho de vez em quando
E cada um apruma o seu paladar
Ajusta-se o sal, corrige-se o picante
Envolve-se o entulho, fica-se a esperar.
Sai fumegante o tacho com o petisco
Cada um pega a sua arma na mão
Estava já um prestes a morder o isco:
"Vê lá se reparas que tens aí um pão."
Célere recolheu o braço atrevido
Mas os compinchas não lhe perdoarão:
"Tu, ficas a saber que já estás cozido
Ficas encarregado de servir do garrafão."
Lamuriento, teve de aceitar o seu destino
Ele que tanto gostava de dar ao dente
Até que deixasse atestar bem o papinho
Tinha agora que comer atrás da gente.
Pouco tardou estava o barranhão aliviado
A rapaziada dirigia-se já para junto do sol,
Quando de repente se ouve um alto brado:
"Cada um lave o que sujou, enquanto está mole.
Muito a custo lá foram até junto da torneira
Esfregão, pano, água e, claro, detergente
Deixaram tudo a brilhar na cantareira
Ficou a dona de casa toda contente.
Faltava agora descer o defunto esticado
Alarga-se o nó, deita-se sobre a padiola
Leva-se até ao veículo para ser transportado
Até junto dos qu' aguardavam junto da Escola.
A viagem correu sem qualquer acidente
Já todos traziam um lavado fatinho.
Na presença de quase toda a gente
Eleva-se até ficar bem, com jeitinho.
Finalmente, de novo fica o cerdo exposto
Já a lenha seca ardia na metade do bidão
Pouco faltava pra qu’o que lá estava posto
Não tardaria, estava feito em rubro carvão.
Cada um para o talho então se dirigiu
Cortava onde podia, apetecia ou conseguia.
Azelhice tamanha em muitos então se viu
Mas nem por isso arrefeceu a alegria.