quarta-feira, novembro 27, 2013

A NOSSA FALADURA - CCV - CASCOREL

Já por várias vezes aqui falamos da lei do menor esforço. O povo não se incomoda muito com o perfeccionismo da pronúncia de algumas palavras. Com facilidade altera os fonemas e refaz uma palavra. É   o que se passa aqui: a palavra correcta é coscorão, mas, como facilmente se depreende esta palavra não beneficia de um som atraente. Não admira que, a breve trecho, o coscorão passasse a cascorel. Da mesma forma, por exemplo que apologista passa a ser apugilista e barbecue aparece como borrocu e por aí fora.
Einstein dizia que era mais fácil desintegrar um átomo do que desfazer um preconceito. Similarmente, George Washington não se coibiu de dizer que mais que uma segunda natureza, o hábito vale dez vezes a natureza. Se o hábito resulta da repetição da mesma acção conferindo a quem o adquire uma certa semiconsciência do que está a fazer, num automatismo negligente que, por vezes nos arrelia. Como estamos habituados a ir sempre pelo mesmo caminho para casa ou para o trabalho, esquecemos muitas vezes de cumprir uma outra tarefa que apenas implicaria um ligeiro desvio.
O preconceito, por sua vez, é um juízo valorativo de sentido negativo, neutro ou positivo a propósito de uma situação, objecto, espaço ou pessoa, normalmente muito mal fundamentado e aceite de ânimo leve, muito difícil de anular, ou simplesmente, alterar.Ficamos convencidos de que as coisas são assim e não podem ser de outra maneira diferente. Insistimos na opinião mal fundamentada e até nos batemos por ela. Se alguém nos contraria, limitamo-nos a dizer: fica com a tua que eu fico com a minha. Facto é que, transformamos uma mera opinião em certeza dogmática.
Tal como o povo adapta e se adapta a pronunciação defeituosa, também nós nos acomodamos às nossas convicções e persistimos nelas teimosamente. É outro mal dos tempos correntes: a opinionite.
Pirolas era assim. Agarrado às suas crenças, ficava impenetrável a quem quer que, mesmo que lhe demonstrasse o erro em que incorria à evidência, tentasse contrariá-lo. Por causa deste seu feitio já poucos lhe davam trela e se lha davam, era mais porque Pirolas tinha a pipa ali à mão e, como que a conquistar um aliado para a sua maneira de ver, levava-o a beber um copito, enquanto ia defendendo muitas vezes o indefensável. Teimava a bom teimar que os americanos nunca por nunca tinham pousado na lua. Aquilo que apareceu na televisão era uma pantomina como a dos bonecos animados e faziam de conta que era verdade. Aquilo era tudo uma aldrabice pegada, mas a ele, não passavam eles a perna. Vai lá vai. A base da sua tese era tão simples quanto isto: se eles lá poisassem caíam cá para baixo. Mais teimosos que ele só mesmo os aristotélicos a quem Galileu mostrou que a lua era acidentada, que Vénus tinha fases, que Júpiter tinha satélites. Eles viam, confrontavam-se com a evidência, mas como o mestre tinha dito que os céus eram incorruptíveis, nada havia que pudesse beliscar essa incorruptibilidade.
Mas, volvamos aos nossos coscorões, digo, cascoréis.
Como já há muito tempo que não vos deixo uma receita, aí vai: preparai todos os ingredientes: obra de meio quilo de farinha, quatro ovos, meia caneca de azeite, um cálice de aguardente, raspa e sumo de uma laranja,mais ou menos dez pacotinhos de açúcar e um  chirrichichi de sal. Bate-se tudo junto com uma vareta: os quatro ovos, o azeite, o meio kg da farinha, a aguardente, o sumo e a raspa da laranja e o acúcar, até ficar uma massa relativamente consistente. Se for preciso pode deitar-se um pouco de água. Depois de tudo bem amassado, deixa-se repousar durante umas duas horas após o que numa mesa polvilhada com farinha se amassa bem a massa de modo a se desprender completamente dos dedos. Em caso de necessidade polvilha-se com farinha. Estende-se com o rolo da massa, até à espessura de 2mm e com uma faca ou um carrinho rendilhado, fazem-se rectângulos de tamanho a gosto e cortam-se no espaço interior com duas feridas. Leva-se a fritar em óleo bem quente dos dois lados e polvilha-se, ainda quente, com uma mistura de açúcar com canela. Arrefinfa-se com café de borra.
O Natal está a chegar e nada como ensaiar.
Pode ser que ainda vos visite antes da missa do galo.
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domingo, novembro 17, 2013

CCIV - A NOSSA FALADURA - ABRE-NÓ

General Mola era o apelido de um cabo da G.N.R. reformado. Homem alto, espadaúdo, não dava passos mas chancas.Calçava para aí um 46, tanto que nunca encontrou sapatos à medida do seu pé. Zé Guerrilhas era o sapateiro que lhe fazia o calçado e por mais de uma vez lhe ouvi dizer que o general podia dormir empinado. Sua companheira dilecta era Leca, uma cadela já quase sem dentes, que o acompanhava nas suas deambulações de caçador. Quase nada caçava, mas fartava-se de espalhar chumbo. Chamavam-no de Abre-Nó  devido a esta azelhice. Coiote Pete, bardina e malino como era, apanhou uma lebre com malina, trouxe-a viva para casa e combinou com Chquim Parricho e João Petrol convidarem o General Mola para ir com eles à caça. O velho desconfiou da oferta  mas perante os argumentos de Coiote lá se decidiu ir com eles. Parricho tinha ido para a frente e prendeu a lebre ao toro de uma videira com um arame. A lebre, adoentada, não se tinha de pé e até parecia que estava na cama. Depois de umas voltas e de já terem morto um coelho que ofereceram ao General para, garboso, o trazer pendurado à cintura, lá o foram levando até à lebre e Coiote: «Oh Sr. Flor, olhe além uma lebre na cama!» Onde? perguntou o General. Com calma e de voz baixa sempre a fazer a parte, lá lhe foram dando as indicações até que Mola vê a lebre. "Atire-lhe um foguete à cabeça, força!". Mola deu uns passos em frente e nem deu conta que Coiote e os outros se piravam. Atirou e a lebre ainda mandou um escrito e caiu inerte. Mola chama Leca e lá vão até à lebre Quando se baixa para a apanhar e a começa a puxar é que se deu conta da marotice de Coiote. Solta uns indizíveis impropérios e, creio que se os visse lhes atirava. Eles, longe, riam a bom rir e claro, vieram para os xendros a contar a peripécia. Do mal o menos, General ainda matou um coelho naquele dia e atravessou a aldeia com os dois à cintura. Não perdeu tudo.
Todos nos rimos das misérias dos outros e muito poucas vezes cumprimos a chamada regra de oiro da moral: "Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti", ou, muito simplesmente: "põe-te no lugar do  outro".
Podemos dizer que a grande disputa entre as teses mais difundidas da moral - a deontológica e a utilitarista - diferem logo no ponto de partida. A primeira é  apriorista, o seja é anterior e independente da experiência ao mesmo tempo que lhe garante a universalidade, formalista na sua essência e o dever impõe-se pela representação de uma lei que deriva de uma máxima. O princípio subjectivo do querer  a máxima - transforma-se numa lei e portanto abandona a subjectividade para se tornar objectiva. Como qualquer lei. Não se preocupa com as consequências e o valor da acção está na simples formulação: age de tal modo que a máxima da tua vontade se possa transformar em qualquer circunstância em lei universal". É, portanto, uma moral pura e ninguém pode ser culpado se a intenção da sua acção puder ser por cada um vista como a única alternativa: aquilo que eu faço é aquilo que qualquer outro faria na minha situação. A outra, a utilitarista, é consequencialista, portanto "a posteriori" e o valor da acção depende do bem estar da maioria, da felicidade da maior parte. É, por isso uma moral eminentemente subjectiva, interesseira e facciosa .
No caso do nosso General Mola e da partida que lhe fez Coiote Pete está bem de ver que se situa nesta segunda. Somos mesmo tentados a dizer que nesta corrente da moralidade se invertem os pólos: o que deve ser feito é aquilo que se não deve fazer. Não se infira daqui que a moral deontológica está livre de críticas justas também elas, mas que não vem ao caso aqui aprofundar.
Mas, já que andamos neste âmbito da acção humana é preciso não esquecer que há muitas outras morais: hedonista, cínica, estóica, ambiental, da responsabilidade, até dos direitos dos animais...Queria no entanto deixar aqui a necessidade de todos convergirmos para uma ética mínima, seja em que circunstância for, até mesmo na forma como tratamos o nosso corpo: será dever moral, por exemplo, tatuarmos parte ou a sua totalidade? roer as unhas? agredi-lo sob diversas formas, por exemplo no boxe? e por aí fora.
E ficamos por aqui. Em breve voltaremos.
XXXXXXXXXXXXXXIIIIIGGGGRRRAAAANNNNNNNNNNNNDDDDDEEEEEEEEEEE