quarta-feira, janeiro 21, 2015

A NOSSA FALADURA - CCXXXI - CASCAR

- "Casca-lhe com o machado nos cornos, a esse cabrão, antes que ele te torne a tentar morder!" Este edificante início de discurso travava-se no palheiro de Domingos Alguitarra, manhã cedo, quando Alvarinho ia a deitar comida à junta de asininos e o macho, inteiro e jovem como era, arreganhou a dentuça e, se Alvarinho não repara a tempo, ter-lhe-ia ferrado uma dentada que o deixaria marcado para sempre. Alguitarra tinha a mania de que era o justiceiro mor da terra xêndrica e nunca o agora recordado, por estátua na Lameira, padre Zé Pedro teve inimigo tão figadal. Tudo por causa da famosa Gráfica do Outeiro, cujo tipógrafo era seu filho, também ele, Domingos e funcionava ali para os lados do bairro mesmo ao lado da casa do Guilherme Chornico. Alguitarra afirmava alto e bom som que o padre Zé Pedro lhe ficou a dever muito dinheiro, já não me lembro quanto. Temo até, que se ele ainda fosse vivo ou a estátua não era feita ou ele já a teria destruído. Posso mesmo dizer porque lho ouvi muita vez que Zé Pedro era o seu ódio de estimação e que, se algum dia se voltasse a encontrar com ele, tinha umas contas a ajustar e" se ele se armasse em "mnel de sousa" lhe cascaria "com o olho do machado nos cornos". Mas, naquela manhã, o ódio de Alguitarra virou-se todo para o burro inteiro que matou à machadada, cascando-lhe tais e tantas que o sangue espirrou por todo o lado. Alvarinho escapou da mordidela mas não se livrou de ter que abrir uma cova para enterrarem o Zagaio.
Não vamos aqui aprofundar nem as teorias das emoções nem quantas são as chamadas básicas, mas numa estão os diferentes psicólogos de acordo, mudando-lhe, por vezes o nome: ira, raiva, ódio. As outras mais comuns, já agora, seriam o medo, a tristeza e a alegria. Já em plano secundário surgem depois o ciúme, a inveja e a vergonha. Posta esta lição de lado vamos a um outro tema, que deriva por sinédoque , das avessuras de Alguitarra contra o Padre Zé Pedro.
Deixei-vos aqui, há umas crónicas atrás, um grito: "nada como ir aos livros". Hoje por hoje, é por demais consabido que a tendência é procurar na rede (também chamada de net) informações sobre o que quer que seja e, neste afã, esquecemos de tirar a limpo informações sobre quem escreve aquilo que lemos e qual o seu nível de autoridade para nos merecer crédito. Não há dúvida que continuamos a sofrer de opinionite e mandamos bitaites sobre o que quer que seja sem fundamentação justificadora. Não é essa a prática do basa...
Os dias de hoje têm sido apoquentados por notícias em que essencialmente duas religiões são vedetas: o cristianismo e o islamismo  e, em menor grau, dado o ataque ao supermercado judeu em Paris, o judaísmo. Exactamente as três monoteístas de maior difusão.
Fiquei deveras estupefacto ao ler (História Oculta da Igreja, editorial Estampa, vv.aa.) e sob o título Mil anos de "santos" papas, que o primeiro milénio do papado foi multifacetado e ocupado por chefes supremos da Igreja católica que jamais julguei possível. Enumero alguns (Pgs.67 e sgs): Anacleto ou Cleto foi o terceiro papa e era casado (o segundo a seguir a Pedro teria sido um tal Simão, o mago) que praticava a levitação), Pio I (140-155) dizia-se irmão de Hermes, Sotero (166-!75) partilhava a sua vida com duas discípulas - Priscila e Maximina -, Fabião (236-250) mais não era que um pastor que chegou a Roma em busca de trabalho e uma pomba branca pousou-lhe na cabeça e as pessoas que o rodeavam convenceram-se de que era o Espírito Santo e, como havia vacatura papal, Fabião é investido em Papa, Marcelino (296-304) oferece sacrifícios a Ísis; Sisto III (432-440) violou a religiosa Chrysogonie e envenenou o padre Bassus que o denunciara. E fico-me por aqui. Se mais quiserdes saber, nada como ir ao livro...
Atiçado pelas verdades - podeis confirmar as datas e o que atrás fica dito em qualquer enciclopédia de jeito e até mesmo na cómoda rede (internet)- peguei num outro livro que já tinha adquirido faz algum tempo : A Igreja Católica Ainda Tem Futuro?, notícias editorial, 2001, de Herbert Haag, padre católico, professor emérito da Universidade de Tubingen, especialista na leitura da Bíblia e com renome internacional e voltei a ficar, como vos dizia há algum tempo, espapassado.
Assenta em três pontos a tese de Haag: "1- Jesus não fundou nem quis fundar uma Igreja; 2 -Por isso toda a estrutura ministerial remete para a própria Igreja. Jesus não criou nenhum cargo oficial. Assim, a Igreja pode proceder de modo totalmente livre com os ministérios. Pode mudar os actuais ou aboli-los e introduzir novos. Não deve tornar-se escrava dos ministérios que ela própria criou. 3- O mesmo vale para os sacramentos. Todos os sacramentos têm origem na própria Igreja e esta pode, neste domínio, proceder com liberdade...." (pag. 7) e mais à frente (pág. 13):" Tudo pode ser mudado na Igreja, só uma coisa é que não: a palavra de Jesus que lhe está confiada. Palavra que é Boa Nova de Deus para os homens e para as mulheres." 
A sequência do livro vai sugerindo alternativas para a actualização da Igreja mas esbarra no famoso tradicionalismo eclesiástico: "Roma só sabe pensar em séculos". Pode ser verdade, mas os tempos que hoje vivemos são muito rápidos, as unidades de tempo são curtas e tumultuosas. Isto é, nada tem a ver com a pacatez e a lentidão da Idade Média. Ora, nós vivemos hoje e é hoje que devemos fazer o que é necessário e nossa obrigação"(pág.17).
E hoje deixo-vos por aqui, deixando, todavia, uma máxima que já vem do velho Comandante do Inferno e era também apanágio de Alguitarra:" A mim não me comem eles as papas na cabeça"
Seja o que for que fizerdes fundamentai-vos sempre. E garanto-vos: nada que chegue aos bons livros, bem escritos por quem sabe da poda. Em breve vos trarei novas histórias das terras xêndricas
XXXXXXXXIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGRRRRRRRAANNNDDDDDDDDEEEEEEEEEEE