terça-feira, janeiro 15, 2008

A NOSSA FALA CIII - MO(T)CHA

A época das matanças anda aí... Cada fim de semana, o número de cerdos que jura bandeira até meados de Fevereiro é incomensurável. Nunca tem paralelo com o ano anterior, como os paradigmas das revoluções científicas de Kuhn.
A perfectibilidade de um sistema não é, hoje por hoje, a caducidade do anterior. É antes o seu melhoramento. Já a política faz o mesmo: nunca um político diz, numa sessão de vários oradores, que o seu antecessor se esqueceu de dizer o que quer que fosse.... Simplesmente diz: "eu quero acrescentar ao que o meu colega disse antes,...." E assim se vai.
Voltando às matanças: Se o homem se preocupa em arranjar os amigos chegados para a festa da matança, a mulher, essa, preocupa-se com o colorau, com o algodão para atar a tripa, com esta mesma tripa, em escaldá-la, deixá-la de molho com muita laranja, em cortá-la a modos de ficar uma forma graciosa dependurada no varal do fumeiro, com os cominhos, e a salsa , e o alho sem grelo, e o sal grosso, e as batatas sem pó nem borboleta e os feijões para a sopa e as couves esfarrapadas para a dita, e os alguidares, e o areamento do vasilhão , mais ainda as enchedeiras e os funis e os chás e a cozedura do pão e o arroz para o osso da sevã, as trempes para o tacho da meloreja, que sei eu.... O porco é que não sabe nada disto... tem tempo amanhã de manhã...
«Ó Chquim, olha que as facas estão motchas... vê se as aguças comedado que amanhã fazem-me falta pra miguer a carne; tu num queres que eu peça a máquina da carne ao Bogalha, portanto trata de teres as facas em condições....» e o Chquim:« tu é que estás motcha; já ontem à noite agucei tudo: facas e tesoiras, ou pensas que num sei o que faz falta...? »atão tamém te digo que podes alimpar o cu ao aguço! esta que eu aqui agora tenho mal corta a manteiga ao lume...» »Ó fardo! onde é que está essa faca?!» Olha aqui.... tanto corta de frente como de costas...» «Catanos m’a chapem se eu não te trago essa bácora a cortar um guardanapo de papel...deixa cá ver...»
Estas erudições linguísticas prendem-se com aforismos populares que não deixam de ser o que sempre foram apesar da pseudo cultura que agora nos querem impingir...: «mata o porco e conhecerás o teu corpo.»
O que mais dá que pensar é que do que se come menos no dia da matança é o próprio porco. Esse dá a meloreja e o fígado com soventre numa fritada conjunta que há quem não dispense. Pelo meu lado deixo de parte tal pitéu que a meloreja e a sopinha da matança bem me sabe!
Em regra há sempre um galo que vai a ver o avô dele, ou um coelho bem anafado engordado que foi com umas quantas passas de figo e umas bolotas "por mor de alimpar das farinhas ca gente num sabe o que agora lá metem".
Duma vez ia eu e mais o Guilherme Chornico e o seu cão sempre com um pau na boca para não morder, velhaco como era - quase igual ao dono - , o meu pai e o velho Comandante , por essas sete da matina , num Dezembro molhado como um corno, tal as chuvadas que tinham caído, a caminho das Taliscas para a matança da minha ti Ana. Por altiras do Chquim Valente, ali ao alto da estrada de quem vai para a vila, tapada que agora é do Chinchas, ia eu e mais aqueles companheiros quando começamos a ouvir bradar: "Ai jasus! Ai Jasus! Rais parta a minha sorte, Ai Jasus!" Digo eu: «é a ti Ana» e meto fogo aos calcanhares a ver o que se passava... E era mesmo. Vinha preada com o lenço na cabeça, aos gritos e eu a querer que ela dissesse o que se passava e ela nada. Só gritava. Lá chegaram os outros e então: " Eh cachopos, já no há matança...desculpar-me mas já no há matança!" Logo o comandante:" rouberam-te o porco?" « Não; foi uma peste que o matou... parece um tição de carvão, mai negro có mal!...» " Mau, diz o Guilherme, uma peste matou-te o porco? atão é trabalho adiantado " Tu num gozes ca desgraça guilherme dum rai que ta parta...uma faísca caíu mesmo na cabeça do porco e deixou-o num carvão."
A verdade é que ninguém voltou para trás e fomos ver... Era mesmo verdade: durante a noite tinha trovejado e um raio deve ter caído na nuca do porco e fulminou-o. Na verdade era mesmo um monte inteiro de carvão. Nunca tal algum dos presentes tinha visto nem tinha notícia que tivesse acontecido em qualquer parte. O remédio foi fazer uma poça e enterrar o animal queimado.
Diz então a ti Ana:" Olher! o que vos posso servir é uma travessa de carne da cabra motcha que o mê Chquim matou ontem". O Ti Chquim ainda não sabia do desastre e chegou entretanto na sua bicicleta e ficou taranta de todo quando lhe dissemos o que se passara. Tinha ido ao povo a buscar o algodão para as ataduras que tinha ficado esquecido na pedra da lareira.
E eu:" O melhor é irmos a ver se damos uma malha na carne da cabra motcha que é para não se estragar e serem dois os prejuízos"...
Meu ti Chquim foi consolando a mulher e prometendo logo ali que ele já ia a ver dum porco e que a matança se havia de fazer na mesma e a salgadeira não havia de ficar sem presunto nem o escoureiro sem chouriços...
Calmo como era:" Vai por uma pichorra que havemos de sangrar a pipa já que não sangramos o porco."
Lá vem a minha tia com a pichorra e uns copos e não tardou uma malga de azeitona retalhada, um queijinho fresco ainda acinchado, e um barranhão de carne da cabra motcha.
As histórias foram-se sucedendo e a carne minguando, o vinho correndo, o dia clareando e a manhã ganhou-se assim.
Não vos deixo ir sem mais uma, tão verdade como a que acima contei: num dos tempos de natal para aí dos anos sessenta a minha mãe dizia para o meu pai:« olha que não tenho lenha para as filhós nem para secar o fumeiro depois da matança. Depois trazes-me lenha verde como um caçulho só faz fumo e chorar os olhos.» Perante tal descrição, num dia cedo depois de uma noite de trovoada parecida com a que antecedeu a não matança da ti Ana, lá vou eu e meu pai, à quinta do ramalhão com ideia de serrarmos um carvalho que estava mesmo chegado a outro que mais pareciam dois irmãos gémeos... Quando entramos na quinta junto à figueira bogalhal começamos a ver cavacos grandes de carvalho molhados mas secos... Então não é que uma peste caíu mesmo num dos carvalhos e o escarchou de alto a baixo espalhando achas por todo lado?!
O trabalho foi só acadajá-los, meter nas angarelas da burra, e ala para casa; enquanto eu vim trazer uma carga, o meu pai foi ajeitando outra carga e mais outra e a minha mãe nem queria acreditar: ficou com lenha seca e com abundância. Já se podiam fritar as filhós e secar o fumeiro sem chorar por causa do fumo.
Um bom ano para todos!
XXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII.

domingo, janeiro 13, 2008

MATANÇA

Fim de semana de matança. A cerimónia decorreu mais ou menos como descrito em pretérita
ACTA
Almoço farto, com meloreja, osso da suã, caldo com muito entulho, azeitonas retalhadas, queijo fresco e curado, inté pudim.

Ouviram-se as falas do costume na circunstância: banca, carchanolas, chambaril, faceira, morcela da banca, passarinha, seventre, sovina de esteva, xica...

quinta-feira, janeiro 03, 2008

Fumar ou não fumar

Já houve um tempo em que fumar era sinónimo de virilidade masculina.
Eis o tempo em que fumar afecta a virilidade masculina.
É um masculino fumador (embora pouco) que vo-lo lembra.



Imagem rapinada do Jumento