quinta-feira, abril 05, 2007

A NOSSA FALA - LXXXII - ÔIA

Em todo o tempo houve gabarolas. Aqueles a quem nós damos sempre de desconto, que não valem pelo que valem, mas pelo que outros dizem que valem, por bajulice ou apadrinhamento, ou porque eles próprios se arvoram em auto estimados sujeitos e não têm pejo de se alcandorar até alturas para as quais não têm escada.
Basta ir, no actual, de Portas a Sócrates, para vermos a insofismável verdade do que atrás se disse.
São tantas as bajulices que deixam ou , o que é pior, porque premeditado, são tantas as basófias que intencionalmente difundem "ao povo ignoto", que, quem anda minimamente atento ao que se passa em seu próprio redor, fica tão basbaque, que só lhe sai do fundo do seu ser: ÔIA!PARA SEMELHANTE MERDA É PRECISO TANTO BASQUEIRO!
Mas, ou sou eu que ando taranta ou há quem me queira pôr atarantado: será possível que, ao fim de tanta enrabadela ainda haja quem ponha a manteiga no olho cego para penetração mais fácil!?
Nanja eu, que me encosto à parede e daqui só sai, nada entra" Mainada!"
Dispenso-me de exemplificar - ainda agora o Tribunal de Contas o fez por mim! E a Independente...
Mas o povo(?!) - eu também sou - prende-se mais à telenovela e a hediondas coisas como a Bela e o Mestre, do que ao que é decisivo para si e para o país e depois queixa-se.
Mas...
Não era aqui que eu queria chegar...
Já William James dizia que a mente não é contígua mas contínua e irreversível :- mesmo que eu não me mexa, nem aos olhos, se os abrir e fechar, apesar de continuar a olhar para o mesmo sítio, - a sensação (se calhar seria melhor ter dito percepção) - já não é a mesma.
As ideias acotovelam-se e querem sair todas ao mesmo tempo e depois saíu isto!
É caso para gritar :ÔIA!
Vamos lá então a pôr água na fervura, que é como quem diz: trata mas é do discurso assim comédado, à maneira do baságueda e no atentes a cabeça ao leitor que vem aqui para recordar eventos curiosos da xendrice e nada disposto a leituras enviezadas em que se confunde o cu com as calças.
O BASÁGUEDA OU CONTINUA A SER BASÁGUEDA OU ENTÃO ...
Vamos lá à história:
Xquim do Trem, filho de Domingos Argentino e tio de Domingos Portas, cunhado de António Rela, que é irmão de Xquim Meirim, aquele que fazia fintas à Tonho Maranhão, quando, nos bons tempos da fonte, das amoreiras, das oliveiras , das mulheres com o cântaro de água à cabeça, se jogava à bola naquele baldio, onde as Santas, Mortes, Pachaus, Ermelindas, Reis e Modas, vizinhos que eram, por esta altura, estendiam, a corar, a roupa lavada na ribeira, bem batida na pedra inclinada e bem calçada, por mor de não haver perigo de um afundanço das ventas na corrente da ribeira encostada ao chão do Maroco, bem, então o Xquim do Trem ajustou a cava da vinha ao Zé S. Marcos.
Estávamos em Abril - O Zé escolhia sempre as férias neste tempo (ele era guardador de vacas ali para os lados de Peraboa) primeiro, porque fazia anos no dia de S. Marcos, que não é, nem mais nem menos, que o dia 25 de Abril e há (havia) festa de arromba na freguesia de Águas. S. Marcos (o nosso, irmão de João Lúcio, de Domingos Lúcio, de Lurdes Lúcio, mulher de Miguélito, para além de Fernando Lúcio casado com Perpétua Nascimento e pais- ambos dois -de Ildefonso, boleiro afamado, afilhado do Farmacêutico que trouxe a Farmácia para a Aldeia por sugestão do inefável Padre Zé Pedro, filho de Ti Jerolmo e D. Augusta) ,estávamos então nos começos de Abril, repito, e o Zé para ter uns pataquinhos para o Mata -Ratos e algum copinho na tasca do Fatela, ajustava cavas por dá cá aquela palha. Xquim do Trem ajustou-lhe a vinha da quinta do Ramalhão, paredes meias com a famosa de Cum Filha da Puta, e perto da horta dos Planetas, a dar vistas para a Tapada do Domingos Manata e do Chico Rolo. Era nessa quinta que a Troa - mulher em segundas núpcias com o Xquim do Trem - cultivava uns nabiços em pleno Verão que vendia quase a preços de agora.
PARÊNTESIS( Faço aqui este parêntesis só para vos assinalar que com esta profusão de pormenores até um ceguinho sabe quem são estas personagens. A partir de agora vou dispensar-me de fornecer tantos indicadores,porque a evidência não se demonstra).
Xquim do Trem ajustou então a cava da vinha ao S. Marcos. Passadas duas horas já o S. Marcos estava à porta do Trem a pedir meças pelo trabalho!
- "Dinheirino pra cá, vá!
- Ôia! O Quêi!? - Tu já cavaste a vinha?
- Já sassenhora! Pode lá ir a ver!
- Quando acabar de almoçar logo lá vou na burra.
- Mas já me podia dar algum dinheirinho de adianto!
- Ná! Se calhar passaste a manhã a dormir e agora querias mama!
- Nassenhora! Eu cavei a vinha toda!
- Vai ali ao Zé Rolo, bebe lá um copo dos grandes e diz-lhe que pago eu! quanto à vinha depois de almoço falamos...
Xquim do Trem almoçou uns grelos com uma boa peixota de bacalhau, vai-se ali à casota da entrada da lagariça, pertinho mesmo do chão do Lavra Miúdo, um pouco à frente da nespereira do Mné Raposo, paredes meias com o quintal do Isidorico, aparelha a burra que mais parecia uma mula,tal o porte do animal, sempre bem cevada, orelha afitada, lustrosa , mansinha como a terra (mostezinha),:cabresto com rédea na cisgola, albarda com estribos e tudo, cilha em pele de búfalo(tinha sido eu quem a fez), bordadinha a lã na rabicha e atafais com atacas ...Um espanto, aquele animal! Mete pelo caminho das Águas abaixo, passando ali à Igreja, à casa do Vale Quem Tem, passa a casa queimada, avança pela quelha, passa as poldras , a curva da casa do Mné Maneta, àquilo dos Manatas, entra na vinha: só queijos. Cambalhões mal construídos, erva sem ser voltada, um aqui outro ali, nada de jeito...
O Trem vem preado por ali acima, espora a burra que mete a galope e lá estava o S. Marcos à espera:
- Atão aquilo é trabalho que se faça, seu gandulo!
- Ôia! Vomecêi num teve tempo de chegar àquilo do Tôco e já me está a dizer que o trabalho num está bem?
- A minha burra não é lesma como tu! Nem um corno! não mamas nem um corno, enquanto num cavares a vinha assim comédado!
- Ai éi?! eu logo lhe digo a vomecêi como é que canta a rata!
S. Marcos mete pelo Oiteiro acima, a passar ali à oficina do Zé Guerrilhas e ao Tonho Pedro, ao cimo da barreira, não dá as boas tardes a ninguém, dá um pontapé na porta da loja, agarra na enxada e, a praguejar e a escarrar, aí vai ele... Xquim Camião que passava na altura lá do cimo do seu pescoço de cegonha e naquela linguagem que poucos cortam:
-Ôia! num me digas que vais a trabalhar?! Deve haver ingano!
- Vai-te à fonte limpa, ouviste?
Camião ficou ainda mais taranta do que já era, encolheu os ombros e ainda o ouve a mandar para a pata que o pôs ao Tonho Feduchas que, malino como era, se mete com ele: "Ó Zéi, vais a abrir uma bureca para o pirolis lá fazer o ninho?"
Nada deteve S. Marcos na sua determinação: foi-se aos cambalhões que tinha feito e esborralhou-os todos.
Aliviado, mete a enxada ao ombro, entra pela loja do Trem:
-Num me pagou!? já fui a desmanchar tudo quanto tinha feito! bem feita!
-Ôia! nunca vi trabalhador cma ti! mas bem hajas! assim fico logo com a vinha esborralhada! é dois em um.Bem hajas!

PÁSCOA e vão 2

D'hoje a 3 dias
é o domingo imediatamente a seguir
à lua cheia imediatamente a seguir
ao equinócio da Primavera.


Um tal Gregório, o nº 13 da sua dinastia, linha, ou lá como se rai se chama a ordem das santidades, decidiu que o mundo em que ele mandava havia de celebrar uma tal de Páscoa.
Vivamos todos, então, uma Páscoa assim comédado, em paz e em harmonia com o caos.

Ainda de acordo com as contas que o tal Gregório, o 13º, deitou ao tempo, completam-se hoje 730,4849998 dias solares que este vosso humilde blogue se revelou aos mundos que partilham deste tempo. Aos outros, também.

domingo, abril 01, 2007

A NOSSA FALA - LXXXI - EU SEJA CEGUINHO

Hoje fiquei com a sensação que os agricultores xendros estão à frente do seu tempo, no que toca a métodos de produção. Sempre atentos às novidades tecnológicas aplicadas à arte de amanhar a terra e de tirar dela o que ela tem para dar, são exemplares na adopção de técnicas e instrumentos revolucionários, alguns deles só eventualmente generalizados daqui a alguns anos. Eis o que ainda hoje, em pleno adro, imediatamente antes da "missa dos ramos" eu ouvi:
- É verdade! - garantia "nosso Zéi" - a minha (mulher) já nem precisa de cardo para fazer os queijos. O mê genro arranjou-me um produto que se espalha no pasto onde as cabras rapam, que quando as vou ordenhar, o leite já vem coalhado. O problema é que só resulta com as cabras virgens, por isso é que lá pus uma aramada para as separar das outras.
- Ah! ôlha, o mê genro, atão, - atalha Xquim Moca -, trouxe-me ontem de Castelo Branco uma seringa especial para tirar o azeite directamente do toro das oliveiras. A gente espeta a agulha ali rentinho à base da árvore, a uma fundura de 3 dedos, e tira logo azeite. Eu ainda lhe disse, atão mas pr'a qu'arrai trazes isso agora, qu'o tempo da azeitona inda lá vem tão longe. E ele: estavam em promoção, catano, tinha de aproveitar. E eu: bom, atão fizeste bem.
- No v'estandem pr'aí a gabar - entra "nosso Fernando" - que vós no tendeis lá uma máquina c'má minha, que me trouxe o mê filho, de Lisboa. É assim a modos qu'um laboratório de mão, vem numa malinha, a gente leva aquilo pr'á vinha, mete lá uma folha de videira, e aquilo diz logo ali se a parreira está boa de saúde, a qualidade do vinho que vai a dar, a cor dele, inté a graduação.
- Hum! - desconfia o Mantarrota que assistia ao lado - e isso é mesmo assim?
- Mau! - vira-se "nosso Fernando" com cara séria - Ê seja ceguinho!