Eram vários os ganhões na terra xêndrica. Era famosa a junta do ti mné Guerra com duas vacas valentes - a mimosa e a mourisca- amarelinhas como o oiro, sempre luzidias e garbosas, sinal de bom trato. Seu irmão Domingos rivalizava com ele, mas, cá para mim, junta valente era a do Vigura, composta por dois animais possantes - a rosada e a bonita - mansos como a terra, pachorrentas mas como uma força conjunta quase inimaginável para duas vacas. Vigura carregava sempre mais que a medida e elas correspondiam. Embora trouxesse sempre a vara com o aguilhão a verdade é que nunca lha vi usar. Era mais bruto ele do que propriamente as vacas, sobretudo quando bebia. Num domingo na tasca da Rosa em disputa com Cabo Vermelho, mordeu-o com tal raiva que lhe arrancou o brinco da orelha esquerda e ainda teve tempo para cuspir para o chão parte do lábio inferior do desditado Cabo Vermelho. Foi meu pai que entregou ao bombeiro que chegou na ambulância os dois bocados de carne: o brinco da orelha e o lábio. Cabo Vermelho acabou por ficar inteiro porque lhe coseram os dois bocados. Vigura, esse acabou por ser morto com uma gadanha quando escavacava a porta de Carradas com um machado, com intenção de o matar. Carradas saltou pela janela das traseiras, agarrou na gadanha e ceifou literalmente o Vigura. Estória macabra...
Famosa era também a junta do Alberto Vaz, que era composta por um boi inteiro e uma vaca. Era sempre ele que moía a azeitona no pio do lagar da lameira. Gostava tanto ou mais de vinho do que o Vigura.
Havia ainda mais ganhões mas a parelha já não era composta por vacas. Ou era uma burra e uma vitela ou mesmo dois burros. Lembro-me do Júlio Aspirante, do Tonho Labouxa, do Alberto Rogante, do Zé Luís Barata, do Mné Chquim Labouxa, do Puta Maluca, do Passa Culpas, do Julho Sardones e mais não sei quantos. Os ganhões faziam de tudo na agrícola onde fosse precisa a força animal. Trabalhavam de sol a sol, uma jeira, e tanto lavravam como transportavam fosse os moios de pão no Verão, as dornas de uvas em Setembro, ou lenha para o lagar, areia da ribeira para pequenas obras, bem como pedra, toradas, traves, caibro, enfim, tudo.
Outros, tinham uma carroça e uma besta para a puxar e com ela também lavravam e transportavam. Cavalo só havia o do Raposo, casado com Bandeira de Guerra e mula também só a do Ti Zé Rolo.
As rodas dos carros eram envoltas em ferro na oficina de outro grande artista: o ti Mné Ferreiro. Homem muito reservado, poucos lhe ouviam a voz, calmo, muito ponderado e com uma habilidade fora do comum. Construiu sozinho um sem número de relógios de torre de igreja, refazia relógios de bolso de peças múltiplas. Ainda tenho um com o mostrador marca Combóio. O ferro era aplicado na estrutura de madeira das rodas aquecendo-o em fogueira grande até ao rubro e depois arrefecido e cravado. Vi-lhe meter vários.
Num dia em que tocava o fole da forja para enrubescer a hulha em troca de o Ti Mné Ferreiro me aguçar o meu espeta , apareceu o Puta Maluca com a sua parelha de burros atrelada ao carro: « Ó ti Mnel, tire-me lá esta tchiadêra das rodas. A minha anda-me a atentar o tino a dizer que é uma vergonha». Mné Ferreiro riu-se e caladinhamente, chega-se a cada uma das rodas, saca a cuba do eixo, unta tudo muito bem com massa consistente e volta a meter as rodas. Puta Maluca ficou especado a olhar . Pagou cinco mil réis, coisa pouca, e lá se vai com os burros a puxar o tiró do carro todo contente porque já não ia tornar a ouvir o ranço da mulher.
Depois lá calhou a vez do meu espeta ser aguçado. Fui logo experimentá-lo no alcatrão da estrada: uma beleza! enterrava-se que era um encanto. Agora já podia vir para o largo do Batoco e limpar os adversários que já tinham o ferro do espeta motcho. Fiz um figurão.
XXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGRRRRRRRRRRRRAAAAAAAAAANNNDDDDDEEE