quarta-feira, novembro 28, 2007

A NOSSA FALA - CI - CANALHA


Em recente visita ao vizinho distrito da Guarda, o nosso PR manifestou-se preocupado com o despovoamento do interior tendo proferido autênticas pérolas de senso comum misturado com politicamente correcto. Eis algumas que retirei dos jornais:

"O número das crianças que nascem em cada ano é inferior ao número de portugueses que morre em cada ano. E, porque morrem mais do que nascem, em cada ano, há cada vez menos portugueses".
(Eu acho que devemos orgulhar-nos deste brilhantismo dedutivo do nosso Presidente)

"(…)muito preocupado por Portugal ser um dos países da Europa onde cada mulher tem menos filhos".
(Andam a falhar as mulheres portuguesas…)

“Por que é que nascem tão poucas crianças?
(Bolas! A essa não sei responder)

O que é preciso fazer para que nasçam mais crianças em Portugal?”
(Só perguntas difíceis, hoje. Hesito entre espreitar e copiar…Lá vou ter de admitir que sei menos do que um miúdo de 10 anos…)

"Eu não acredito que tenha desaparecido dos portugueses o entusiasmo de trazer vidas novas ao mundo".
(Pelos outros portugueses não posso falar, cada um que se manifeste. Para que conste, declaro solenemente que eu, português, mantenho o meu entusiasmo).

"É preciso alterar esta situação (…) não é apenas uma responsabilidade do Governo, da Assembleia da República, é de todos".
(O Senhor Presidente, por acaso, não está a sugerir aquilo que eu estou a pensar, pois não?, É que essa do todos, sinceramente, acho um bocado debochada…)

Agora (um pouquinho mais) a sério:

Fica bem ao Senhor Presidente manifestar-se ralado com a falta de canalha nas nossas aldeias ou, como ele lhe chama, com o despovoamento do interior. Eu entendo que ele devia até manifestar-se mais vezes incomodado com esse problema. Aliás, eu até acho que ele se deveria ter preocupado com a questão, e muito a sério, na década que foi de 1985 a 1995.

É claro que o mesmo é válido para os que lhe antecederam como PM e os que se lhe seguiram, porque esses também entram no rol dos responsáveis. Não foi agora que os homens e as mulheres do interior começaram a padecer de uma disfunção sexual colectiva. (A propósito, ou talvez não tenha nada a ver, o Mário Zambujal, em "À noite logo se vê" já glosava com o tema: "No tempo inteiro de quatro anos, quatro, não nasceu nenhuma criança, uma que fosse, menino ou menina, na aldeia do Roseiral". Estou capaz de o reler.) A raiz do problema está funda, nas sucessivas políticas concebidas em Lisboa e tomando como referência apenas Lisboa, para onde se reservaram sempre os melhores investimentos públicos. Foi à conta deles que sucessivas vagas da melhor mão de obra e da melhor força reprodutora do interior se transferiu do interior para a capital da Nação. Ainda está por fazer o estudo que calcule quanto é que Lisboa deve ao resto do país, sobretudo ao interior.

O grave da situação é que aquilo que parece ser sinónimo de progresso tem um reverso, do ponto de vista económico, e também social e ambiental. Pense-se nos efeitos do crescimento desmesurado e caótico da capital e nos efeitos que isso acarretou, e continuará, em termos de qualidade de vida (trânsito, insegurança, poluição, etc.) Mas a elite governante insiste. Provavelmente porque é na capital que estão os interesses maiores.

Ah! e os eleitores. Também é lá que se concentram os eleitores.

A canalha, essa vai escasseando nas aldeias. E que belas eram as aldeias coloridas com o riso autêntico da canalha...

sexta-feira, novembro 16, 2007

A NOSSA FALA - C - AVESSEIRO

Ou eu leio mal a realidade ou isto anda mesmo às avessas.

Todos os dias ouvimos que fábricas faliram, mais uns quantos desempregados e os comandantes a dizer que criaram 60.000 postos de trabalho! organizações internacionais deixam claro que é em Portugal que o fosso entre os ricos e os pobres é cada vez maior e os chefes dizem conceder um subsídio de fralda aos casais com mais de três filhos mediante o preenchimento de um sem número de papéis ... representa um grande esforço económico mas é assim que se reduz o fosso! dizem que querem fixar as pessoas no interior, cada vez mais desertificado, quer em gente, quer em florestas e cultivos e que vemos? fecham escolas, centros de saúde, reduzem-se os meios de comunicação...; os bancos apresentam lucros chorudos e os juros nunca descem nem tão pouco se mantêm; as petrolíferas mal se fala no aumento do crude já estão a aumentar o preço do combustível e as mais valias são as sabidas; as empresas de Telecomunicações comem-se umas às outras em publicidade caríssima mas não reduzem o preço das nossas chamadinhas; as finanças autorizam a justiça a adquirir nem sei quantas viaturas topo de gama; as Estradas de Portugal em rota de falência são premiadas com um contrato de 75 anos para composturas de vias.... Fazem-me lembrar um texto de Guerra Junqueiro a propósito do Marquês de Pombal que aqui vou citar de cor, admitindo alguma impropriedade que o Guerra me desculpará: «O próprio Pombal é o desejado? Não. Dum deserto quis fazer um jardim... Como? Plantando traves: regou-as com sangue e adubou-as com mortos»;
Num país em que quase só vemos agricultores de alcatrão em grandes jeeps pagos com a subsídiocultura que é uma vergonha descarada: compensa-se a extensão que é dos que já têm muito e despreza-se a produção e bom tratamento dos terrenos para além de dificultarem o acesso deslocando os serviços para locais distantes dos centros urbanos...; vemos os técnicos nos gabinetes e o mais a esmorecer... enfim...isto anda às avessas ou sou eu que vejo mal a realidade.
Quando era pequeno fui mandado a guardar um único borrego:"vais para o chão do caminho das águas e guardas o borrego no avesseiro a ver se ainda rapa algum verde". E pronto, lá fui e deixei corda larga ao animal na baixa contra o sol (portanto avesseiro), à sombra, onde algumas poucas ervas ainda tentavam a viçosidade, resistindo aos calores que começavam a apertar. O borrego era um merino, cabelo (lã) encaracolado, manso como a terra, e ainda algumas vezes me montei nele e ia às corrichas; ia comigo para onde eu fosse e quando o deixava na casa da Leitoa os MÉS ouviam-se longe protestando contra a falta de companhia.
Foi às avessas também que levei uma solha, estampilha, espapada, lamparina ou bolachada, porque logo à primeira vez quando o borrego se deitou a acarrar, ao pé do barroco onde eu estava sentado à sombra da velha azinheira, eu, lembrando-me que coiote pete, varinha de arado, filho do chico mainovo, jolim da pata branca, contramestre, moisés pitincouro, velho jonja, nosso cabo, tonho cagarela e outros se divertiam na Lameira ao pontapé NA MINHA BOLA, eu, disse cá para mim, mas alto para o borrego ouvir:" oh! mê cabrão, atão já no queres comer mais? Já rapaste o avesseiro todo? Eu bem que achei que o animal tinha comido depressa demais mas sempre o puxei outra vez para a baixa e ele nada! E pensei: "se não queres comer vais para o palheiro e é já"!
Agarrei em mim e no borrego pela corda e numa corrida cheguei ao povo, ia a meter o borrego quando o meu pai me brada: "olha a pressa que tens! atão o borrego nem teve tempo de comer comédado e tu já vens de volta?" E eu: «ele deitou-se à sombra...» A lamparina caiu-me nas bitráculas:" atão tu no sabes que estes animais acarram?" Fiquei a olhar como um basbaque... "Poi, estes animais comem e remoem e depois tornam a comer... Toca pró avesseiro outra vez!" Lá se me foi a bola. Às avessas também eu fiquei a saber que o borrego era um pequeno ruminante. Era assim muita da aprendizagem antigamente. Aquilo a que muitos chamam o curso de pontapé no cu. Às avessas também vos digo que este curso se sobrepõe a muitos formais... em muitas circunstâncias.
Ao ritmo a que isto anda estou em crer que qualquer dia estamos como aquela mãe vaidosa que num dia de Juramento de bandeira só tinha olhos para o seu Mnel, ali aprumado no centro da parada... Quando é dada a ordem para marchar: "olher além, mulheres, o mê Mnel, no meio destes todos é o único que leva o passo certo." Mainada.

ANTES DA POSSE
O nosso partido cumpre o que promete.
Só os tolos podem crer que não lutaremos contra a corrupção.
Porque, se há algo certo para nós, é que
a honestidade e a transparência são fundamentais.
para alcançar nossos ideais.
Mostraremos que é grande estupidez crer que
as máfias continuarão no governo, como sempre.
Asseguramos sem dúvida que
a justiça social será o alvo de nossa acção.
Apesar disso, há idiotas que imaginam que
se possa governar com as manchas da velha política.
Quando assumirmos o poder, faremos tudo para que
se termine com os marajás e as negociatas.
Não permitiremos de nenhum modo que
nossas crianças morram de fome.
Cumpriremos nossos propósitos mesmo que
os recursos económicos do país se esgotem.
Exerceremos o poder até que
compreendam que
somos a nova política.

DEPOIS DA POSSE
Basta ler o mesmo texto acima, DE BAIXO PARA CIMA

domingo, novembro 11, 2007

A NOSSA FALA - XCIX - P'CHORRA



A Mangedoura é o nome de uma adega de tecto baixo atravessado por caibros de pinho e chão de gravilha que alberga um velho pipo de carvalho que acode pelo nome de Patriarca. Com capacidade para engolir 5oo litros, o Patriarca é obra de tanoeiro experiente que se esmerou na preparação e montagem das aduelas firmemente ligadas por arcos de metal. O Patriarca é a testemunha estática de uma fadistice anual que o pretexto da vindima ou da sua confirmação pelo S. Martinho, proporciona. Habitualmente, o vinho escorre do Patriarca de uma grossa torneira de pau que se tem de abrir obrigatoriamente sempre no sentido dos ponteiros do relógio, para uma p(i)(t)chorra de barro e depois distribuído por pequenos copos de vidro. Há sempre algo de cerimonioso na hora de levar o copinho aos lábios: mira-se a cor do líquido em contra-luz, cheira-se longamente, tecem-se comentários sobre as suas características e qualidades, elencam-se os acompanhamentos ideais, enfim, faz-se do acto de beber vinho, um momento muito especial.

Neste contexto, os temas habitualmente recorrentes são relegados para secundários, como a política, o futebol ou a religião. A mangedoura é feudo do fado e do vinho, ali, o fado é qu'induca, o vinho é qu'instroi. Há que estar à altura. Daí a minha preocupação nalguma preparação prévia e, como todos sabemos, para tal desiderato, a net é um universo. Procurava eu umas coisitas sobre vinhos e vou dar com uns números interessantes sobre o consumo do dionisíaco nectar no mundo. Sem me deter em detalhes e explicações de conceitos e números, apenas para que vós tenhais uma ideia, sempre vos mostro alguns quadros construídos a partir de outros, constantes de um documento da Food and Agriculture Organization of the United Nations - 2003 (fonte fidedigna, pois):

Consumo de vinho:
1. Luxemburgo
2. França
3. Portugal
4. Itália
5. Croácia

Não posso deixar de salientar o honroso 3º lugar. Mas, não posso deixar de salientar igualmente que na França vive um milhão de Portugueses, e que uns bons milhares vivem no pequeno Luxemburgo. Ou seja, os primeiros dois lugares têm a nossa ajudinha.

Já agora, também vos mostro o podium dos países bebedores de cerveja:
1. República Checa
2. Irlanda
3. Suazilândia

Sim, Suazilândia, era o que lá estava, só depois é que vinham Alemães, Austríacos, Ingleses, Australianos e outros que têm a mania que bebem muita cerveja. Portugal? O nosso campeonato é o do vinho, não é este. Digamos que, nos que nos diz respeito, o vinho está para o futebol, como a cerveja para o rugby.

Sem grande interesse para nós, eis o podium dos bebedores de bebidas espirituosas:
1. Moldávia
2. Reunião
3. Rússia

Claro que a nossa melhor expressão facial de admiração vai para os reunioneses...
Também gostaria de pedir o vosso esgar levemente sorridente para o Irão. Parece que neste país o consumo de álcool é ZERO. Pois! Se a esta estatística juntarmos a que assegura - pelo menos na análise do senhor presidente -, que tão pouco lá existem homosexuais, temos que a antiga Pérsia continua a ser um país cuja evolução convém seguir com muita atenção.

Bom, mas voltemos ao vinho. Aproveitando a maré, naveguei até ao nosso INE para ficar a saber como vai o consumo de produto da uva e do trabalho do homem, em Portugal. Eis os números oficiais do consumo humano de vinho per capita (litros/habitante):

1992 / 1993 - 60,9
1993 / 1994 - 58,8
1994 / 1995 - 58
1995 / 1996 - 57,3
1996 / 1997 - 54,8
1997 / 1998 - 50,8
1998 / 1999 - 50,6
1999 / 2000 - 46
2000 / 2001 - 47
2001 / 2002 - 46,4
2002 / 2003 - 52,9
2003 / 2004 - 48,9
2004 / 2005 - 48,7
2005 / 2006 - 47,7

Consumo humano de vinho per capita (l/ hab.) - Anual; INE, Balanços de Aprovisionamento de Produtos Vegetais
Ano Campanha (1 de Setembro do ano n a 31 de Agosto do ano n+1)

É notória a quebra. Ela reflecte a tendência associada às modificações estruturais nos estilos de vida, ao comportamento dos consumidores, ao papel do vinho na alimentação, etc. Ainda assim, convém salientar que o vinho continua a ser, defendem conceituados entendidos, a mais benéfica das bebidas alcoólicas. Bem como continua a ser o melhor parceiro para o fado. Ora, como o fado é qu'induca e o vinho é qu'instrói, já se está a ver que dificilmente sairemos do podium. Agarrai então na p'tchorra, enchei, distribuí pelos amigos, sentai-vos num ”môtcho” e, ”buêi” e ”aldeagai” a gosto.