domingo, outubro 30, 2016

A NOSSA FALADURA - CCXLVI - (T)CHAVASCAL


Desde sempre que os assuntos atinentes à actividade sexual foram objecto de algum mistério ou ocultismo e não é menos verdade que, pelo menos até agora, a desbragada linguagem masculina se atenua e adoça quando elementos femininos fazem parte do adjunto. História, a um tempo engraçada e proibitiva, contou-ma um dia o velho Pote, pescador emérito. Gabava-se de ter um fémur de platina, só que ficava, a bem dizer, impedido de andar muito tempo na água a orientar a posição das redes porque o frio da água afectava o metal e Pote ficava tolhido de movimento rápido que muitas vezes era exigido nas lides piscatórias. Via-se na contingência de levar sempre gente nova que não temesse o frio da água, mesmo no defeso dos arreganhos, quando nalgum meandro da baságueda se juntavam os barbiscos e era preciso entrar para os forçar a ir para a bolsa da rede. Aí entrava eu. O peixe, de inverno, desde que a corrente não seja muito forte e o sol bata num baixio de águas mais calmas, junta-se em cardume. É muito mais limpo e rijo que nas calinas de verão em que procura o fundo e se alimenta de mais lodo. Nanja disso no inverno em que nadava à tona para sentir algum calor e as águas estão limpas por mor de alguma enxurrada que levava toda a porcaria na frente e deixava, passados dias, um água límpida e reluzente.
As redes usadas tinham o mesmo tipo de alguitanas mas tinham rofo mais fundo e chumbo mais pesado. Era preciso ter ombros para depois carregar com rede molhada, chumbo, algum lodo e o arreganho dos peixes. 
Nesse dia não foi nada mal ao velho Pote que trouxe uns bons 30 kgs para vender porta a porta. Chico Grande, como de costume foi o cozinheiro e fosse pela garra da juventude, fosse pelo frio que passei nas águas da Baságueda, facto é que já depois de eles e eu termos comido assim comédado me fui à caçola e limpei o barro. Se calhar a confecção de Chico Grande também ajudou... Pouca gente fazia uma miga de batata e peixe como velho cabo da guarda -fiscal.
Fomos nós, então, para as revoltas do Vale Feitoso e é aí que o velho Pote se sai com esta:
" A tia Adelaide sentia apetites por umas esfregadelas mas o velho Arménio até parecia que se tinha esquecido dela e já não a procurava como antigamente quando até no chão da casa davam umas valentes arreboladelas. Um dia, Adelaide tirou-se de cuidados linguístico e recomenda a Arménio que vá ao médico a ver o que se passava com a marreta. Arménio enche-lhe o corpo de tonta e malcriada, e não quer mais conversa. Só que Adelaide não se fica e um dia que vem ao povo é ela mesma que vai ao médico e fala da impotência de Arménio. O médico, vendo a relativa juventude de Adelaide e, naturalmente a sua fidelidade de sempre a Arménio, receitou uns comprimidos que, disse, deviam dar resultado e espevitar Arménio para procurar Adelaide. Ela, no entanto, receosa do efeito do comprimido pelo caminho de regresso, depois de sair do médico pensou em dar um comprimido ao Farrusco, cão de guarda e, a bem dizer, elemento da família. Passou pela Conceição do Trem, comprou umas gramas de fiambre e quando chegou a casa embrulhou o comprimido que entretanto comprara na farmácia do dr Ildefonso num bom bocado de fiambre e dá-o a Farrusco. Nesta altura Pote começa a rir-se porque já sabia o fim da história... Eu é que não e só queria que ele se despachasse. Aos soluços lá vai contando e fiquei então a saber que o efeito do comprimido no cão foi de tal monta que à falta de cadela por perto Farrusco se atira a Adelaide, esfarrapou-a toda e atacou-a de tal forma que quando Arménio chegou ainda ela estava toda cambalida. Teve que contar a Arménio a causa de tanta arranhadela ,,, E Ele «vai-te já a lavar em condicões e não digas a ninguém que isto se passou,,,», e ela: «não pode ser...o Farrusco deu o nó e arrastou comigo rua fora pegado a mim». O povo fez um (t)chavascal que nem queiras saber. Pote ria a bandeira despregada e eu mantive um sorriso de incredulidade.
Não sei mesmo como raio esta história do velho Pote me veio hoje à memória.
Aproveito para vos deixar um outro texto que em tempos escrevi para uma circunstância também ela muito diferente daquilo que nos trouxe até aqui. O que vos posso afiançar é que não houve nenhum (t)chavascal quando o apresentei ao meu público alvo num entretém que me deu algum gozo fazer. Já lá vão uns anotes, mas deixo-o tal como o produzi na altura.



ACHEGAS PARA O ESTUDO DA APRENDIZAGEM, MEMÓRIA E ESQUECIMENTO

DISSE SARTRE: « NÓS APRENDEMOS QUANDO TORNAMOS NOSSO AQUILO QUE É DOS OUTROS»

APRENDER IMPLICA ALTERAR UM COMPORTAMENTO

A QUESTÃO, AGORA PRENDE-SE COM A IMPORTÂNCIA DE RETER ESSA APRENDIZAGEM E EVOCÁ-LA SEMPRE QUE FOR PRECISA PARA RESOLVER UMA SITUAÇÃO IDÊNTICA

QUANDO UMA SITUAÇÃO É NOVA, EVOCAMOS TODAS AS NOSSAS CAPACIDADES EXPERIENCIAIS E INTELECTUAIS PROCURANDO SAIR DE FORMA AIROSA.

QUANDO NÃO SABEMOS, FAZEMOS COMO OS OUTROS (IMITAÇÃO) QUANDO A SOLUÇÃO É ABSOLUTAMENTE NOVA E ESTAMOS SÓS TEMOS QUE INVENTAR.

SÃO A IMAGINAÇÃO CRIADORA E O PENSAMENTO DIVERGENTE QUE NOS ACODEM.

VEM ISTO A PROPÓSITO  DE QUE O NOSSO RELACIONAMENTO COM A REALIDADE ENVOLVENTE NÃO DEVE SER LIDA EXCLUSIVAMENTE À LUZ DOS EMPIRISTAS INGLESES QUE PRETENDIAM QUE «O NOSSO MUNDO PERCEPTIVO SERIA UM MOSAICO CONFUSO DE FRAGMENTOS SENSORIAIS ISOLADOS MAS, ANTES, É UM TODO COERENTE E ORGANIZADO EM QUE TODOS OS INTERVENIENTES SE INTERSECCIONAM E INTER RELACIONAM».

TANTO ASSIM QUE A NOSSA MEMÓRIA NÃO É APENAS A EVOCAÇÃO DO PASSADO MAS ELA AFECTA  (E DE QUE MANEIRA) O NOSSO PRESENTE : HÁ UM CONTINUUM OU COMO QUERIA W. JAMES: OS NOSSOS ESTADOS DE CONSCIÊNCIA NÃO SÃO CONTÍGUOS – ENTRE ELES NÃO HÁ PAREDES DIVISÓRIAS E SEPARADORAS – E SE NÃO É POSSÍVEL REVIVER O PASSADO É POSSÍVEL RE-PRESENTÁ-LO (TORNÁ-LO OUTRA VEZ PRESENTE NA NOSSA MEMÓRIA).

SERIA POSSÍVEL VIVER APENAS E SÓ NUM AGORA PERMANENTE?- ISSO SERIA A CONDENAÇÃO A VIVERMOS NUM ETERNO PRESENTE

QUEM NOS GARANTE QUE AO ACORDARMOS NOS RECONHECERÍAMOS COMO SENDO NÓS SE NÃO FOSSE A NOSSA MEMÓRIA?

SÓ A MEMÓRIA GARANTE SENTIDO AO «EU». É ELA QUE PERMITE A LIGAÇÃO DO PASSADO AO PRESENTE.

 
Podemos assim dizer que são três os estádios implicados em todo o acto de memória :

(sirvamo-nos de um exemplo citado por  Gleitmann : qual é o animal africano cujo nome tem dez letras e se alimenta de formigas?*)
É óbvio que se soubermos a resposta então podemos facilmente entender os três estádios processuais da memória:

1 – AQUISIÇÃO – PARA RECORDAR É PRECISO PRIMEIRO TER APRENDIDO (quem quer que seja que saiba a resposta deste exótico comportamento animal aprendeu-o em tempos e esta raridade alimentar deixou uma marca forte na mnese (sistema nervoso) desse indivíduo – é o que se chama traço mnésico;

2 – ARMAZENAMENTO – o que significa que o dado recolhido se mantém na nossa memória disponível para ser usado sempre que necessário;

3 – RECUPERAÇÃO – momento em que um indivíduo tenta lembrar-se, isolando de entre o conjunto de traços mnésicos que lhe ocorrem aquele ou aqueles que servem ao pretendido. (Convém deixar claro que muitas das nossas falhas de memória são mais culpa da recuperação do que do armazenamento).

*aí vai a solução: oricterope!


Há ainda a  CODIFICAÇÃO, a RECORDAÇÃO e o RECONHECIMENTO:


CODIFICAÇÃO – Forma como a informação foi armazenada. São variadas essas formas: pelo impacto ou impressão forte, por exemplo, o nome Axdamanatatulha ficou-me pelo facto de ser tão esquisito que o efeito de estranheza registou em mim este ícone; também o significado, o interesse, a necessidade, o género sexual, e até mnemónicas: estratégias facilitadoras de memória actualizada; a forma organizada – ordem alfabética,...


RECORDAÇÃO E RECONHECIMENTO – Quem ainda se não perguntou a si mesmo: onde raio deixei o carro?
São muitas as experiências feitas por psicólogos e é sempre preciso ter cuidado com as explicações, porque às vezes não se trata de falta de reconhecimento mas de incompetência natural para o desempenho da tarefa que é requerida a uma pessoa – reprodução de um desenho visto.
A situação mais comum é a de escolha múltipla ou a de identificação de um determinado nome no meio de uma série deles....
Reparemos que basta muitas vezes que oiçamos os primeiros acordes de uma música para a reconhecermos e recordarmos no seu todo.

Alguma história

a)     em 1930 Wilder Penfield, neurocirurgião, operou um paciente com uma epilepsia sem controlo.
b)    Durante a operação, Penfield estimula o paciente no córtex cervical; para seu espanto, o paciente, que estava consciente, acaba por revelar que se via a correr para casa depois da escola.
c)     Foi rápida a conclusão de Penfield: determinadas situações ficam gravadas no nosso cérebro da mesma forma que as imagens ficam gravadas numa película de um filme ou num rolo de fotografia.
Chamou-se a isto a teoria do Flash-back.
d) Como não podemos passar sem o passado  somos tentados a dizer que 
     cada um de nós  é o seu passado.
d,1- O facto é que, demo-nos nós conta ou não, a nossa resposta a uma qualquer situação “utiliza” a aprendizagem armazenada. O nosso comportamento é condicionado pelo nosso passado.
d)    a partir de 1970 constatou-se que a teoria de Penfield carecia de fundamento.
e)      As novas tecnologias demonstraram  que só e apenas quando as estimulações atingem a fonte das emoções é que o paciente tem algumas fases de lembranças de situações passadas.
f)      Pensou-se que o cérebro era compartimentado segundo classificações à moda de uma biblioteca ou de uma arquivo de uma qualquer repartição.
g)     Se por acaso o cérebro sofresse alguma lesão causada por um qualquer acidente e ficasse danificado, alguns dos ficheiros arquivados e classificados desapareceriam.
h)    Assim, pensou-se (Broca) que a recordação ou não de determinadas situações e competências se devia a lesões cerebrais.
i)       Ora esta ideia das localizações cerebrais é contraposta por Lashley que defende que o cérebro é um todo e pode acontecer que a lesão de determinada parte impeça a recordação mas não impede a sua recuperação.
Por exemplo: será que uma pessoa que num momento da sua vida deixou de identificar as cores, tem uma leitura da realidade diferente da nossa e que ele antes também tinha?