domingo, novembro 27, 2011

A NOSSA FALADURA - CLXXII - ESCANCHADO, ESCARRAPACHADO, ESCARRANCHADO

Artista a cavalgar uma burra era Teixeirinha: malino como era, metia por debaixo da albarda da alimária uma silva seca, cheia de carapetos e o pobre do animal, picado e ferido de dor com os picos da silva troteava a passo veloz, enquanto Teixeirinha, à laia de cowboy da Flecha Quebrada, guinchava gritos de prazer... Era de facto um artista escarrapachado na albarda da burra do seu avô, velho Freitas, que em matéria de aldras, só teve comparsa no seu próprio filho Manel, acolitado, e bem, por Zé Luís Barata.
Figura não menos famosa era Zé Labouxa, o homem que descobriu o ninho à moucha, como ele próprio se definia, e que negociava em tudo, "mediante uma pequena comissãozinha", desde burros, mulas, vacas, milho, alhos e até, gabava-se, mulheres.
Numa tarde de Domingo, Labouxa jogava ao fito na rua do Desembargador, precisamente com Freitas e Barata. Conversa puxa conversa e Barata assevera a Labouxa que o melhor negócio que havia na Terra Fria, era a venda de cascas de alho. Era corrente que as almofadas cheias com as cascas do alho evitavam o reumatismo, enxaquecas e demais maleitas, próprias de quem  ia entrando na velhice. Freitas corrobora  o reclame de Barata e Labouxa, depois de beber o copo da rodada do fito, esgueirou-se a casa e, munido de sacas de sarapilheira, agarra na sua burranca, vai direitinho à aldeia dos cucos e percorre as ruas escarranchado na burranca, apregoando a compra de casca de alho. Como não havia referência de preço para o artigo, Labouxa tabelou cinco escudos o quilo. As velhotas espantam-se com a novidade do negócio e nem inquerem para que serve tal produto, antes vão aos forros ver se arranjavam cascas bastantes para fazerem cinco mil réis que bom jeito dariam para compra de avental novo na loja do Mnel Lúcio.
Não tardou, Labouxa tinha as sacas cheias, teve que desmontar e encher as angarelas com o material, esperou pela noite e regressa a casa todo contente. Surripia umas almofadas à ti Lucinda enche-as com as cascas e mal esperou pelo caldo de couves põe-se a caminho do Sabugal com ideia de vender as almofadas a pelo menos cem mil réis, cada. Claro está que ninguém lhe comprou a mezinha e teve direito a choradela de entrudo levada a efeito pelo Teixeirinha montado na burra a quem só faltava saber ler, só que a culpa não era dela mas do facto de ser proibido que os burros entrassem na escola, porque senão passaria a perna  a muita gente. Labouxa queria matá-lo...
O quadro não ficou gravado senão na memória daqueles que a ele assistiram, mas o trejeito de Teixeirinha escanchado na burrica do avô, com um cabo de alhos a servir de gravata e duas sacas de cascas, fazendo-se arauto das benesses de tal produto para as mais diferentes maleitas. Barata e Freitas pareciam dois pavões de leque alçado.
São muitas as patranhas destes dois amigos, que entretanto já partiram, e não resisto a contar-vos uma outra em que Barata convenceu a velha Nacha de que o António Sala a queria a cantar e a tocar adufe no programa da manhã da Rádio Renascença. Ainda ouvi a Nacha a ensaiar e arranca para Lisboa e se não fosse o seu filho João, o Salazar, a avisar o  irmão Chico que era bombeiro, Nacha haveria de ter ficado perto de desmaiar no número 7 da Rua Ivens.
Extrapolando, verdade sem sofisma é que o povo também embarca facilmente em patacoadas de uns quantos malinos que com arte e manha convencem os incautos de que ainda há milagres. Quando depois acorda o povo lamenta-se, mas a breve trecho esquece e volta a cair na mesma esparrela.
Einstein, na simplicidade que o caracterizava disse: "é mais fácil desintegrar um átomo do que desfazer um boato". Os preconceitos e estereótipos enraízam com tal força na mente da populaça, que ninguém, mesmo com a força da evidência das experiências passadas e até vivenciadas, ninguém é capaz de os persuadir a alterar a sua forma de pensar. Na verdade persuadir não é convencer. O convencimento reforça a crença, a persuasão altera, mediante argumentação consistente, a forma de pensar, levando o outro a concordar com o orador.
Barata e Freitas eram destes. Persuadiam: um reforçava o outro e nem era necessário ensaiarem.
Vede o que se passa à vossa volta e reparai se não vos põem a comprar almofadas com cascas de alho para cura das vossa maleitas. Depois não vos queixeis.
XXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGGGGGRRRRRRRRRRRAAAAAAAAAAAAANDE

terça-feira, novembro 08, 2011

A NOSSA FALADURA - CLXXI - TOLDO, PANAL, FATO






Olival do Baldio, 5 de Novembro de 2011.

Tópicos: oliveiras sujas, galega, cordevil, vermelhal, carrasquenha, toldo, panal, fato, garrancho, vibradora, feijoada, tinto, branco, jeropiga, picles, beringela, queijo, chouriço, morcela, farinheira, presunto... água.
Soundbyte: "dormir com uma mulher emprestada".


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domingo, novembro 06, 2011

A NOSSA FALADURA - CLXX - BANDOLEIRA

A bandoleira volta de novo a poder dar jeito. Nela cabem a bucha para um dia inteiro, a botelha do tinto, e ainda podia sobrar espaço para transporte a tiracolo de algum borrego nascido tarde e incapaz de acompanhar o rebanho e até algum caçapo apanhado na lura, quando não uma lebre que tropeçasse no junco, bem lançado por pastor bem treinado.

 Ainda fiz algumas. Aquilo era, pode dizer-se, uma autêntica alcofa. Feita em cabedal  genuíno, ensebada como convinha para não se ensopar com a água da chuva, resistia a todos os maus tratos. Era tão resistente à torreira do Sol, como à maior das intempéries.

O genro da Velha Raposa, mais conhecida por Bandeira de Guerra, pastoreava rebanho misto lá para os lados da Mata da Rainha. Vinha aos xendros ver a mulher e as duas filhas de quinze em quinze dias , e a bandoleira vinha sempre com ele. Nunca vinha vazia. A filha da Bandeira de Guerra cortava-lhe a vasa e troco para os gastos domingueiros nunca havia. Papei muito coelho e lebre fora de época, porque antes de ir para casa, passava por onde ele muito bem sabia e levava logo o dinheirinho do pagamento da peça. Os coelhos ou as lebres, duma vez até um texugo porco, nunca vinham esmazelados e era um asseio  papar um bichinho daqueles em tempo fora de época. Outros tempos! Nunca ninguém sabia daquela jogada, a não ser eu e pouco mais.

Os tempos que correm são também eles tempos de bandoleira. Nada como ter a bucha garantida. Comer fora nem pensar, de modo que a alternativa eficaz é, volta a ser, garantir a paparoca, levando-a de casa.

Repete-se a história?.

Mais que académica, a questão já foi bem debatida  e se para um marxista justificar que a história é previsível e que nela, como no mais, há leis, já para outras correntes de pensamento aceitar o «18 do Brumário de Luís Bonaparte», é estultícia que nem sequer vale a pena debater. Popper está entre esses que defendem que não há repetição histórica e que previsão não passa, se se verificar, de mera coincidência. Do que não há dúvida é que é comum a tendência para fazermos efemérides e de andarmos sempre a fazer comparações entre o presente e o passado. Até parece que tudo volta ciclicamente. Não é por acaso que o mais antigo mito de que há memória é o mito do eterno retorno.

Vem tudo isto a propósito dos nossos tempos. Não que lá em casa uma sardinha desse para três, mas conheci algumas onde isso se verificava. Até parece que começamos a ter saudades desse tempo. Tudo era aproveitado ao limite: a azeitona curtida era rapadinha e raspadinha até ao caroço com navalhinha bem afiada, o conduto era sempre explorado até ao chupar dos dedos, os restos eram aproveitados para  a vianda, os dentes (quem os lavava) não eram escovados com a torneira sempre a correr, as águas residuais regavam as plantas, o dinheiro era bem contado, as despesas bem medidas, tudo, mesmo tudo era bem aproveitado. Em vez de se ter aprendido parece que se desaprendeu. Nem mesmo agora muitos já se convenceram de que não faria mal se imitassem os mais velhotes. Já nada é como era e nada se perdia se o velho mito do eterno retorno, retornasse, de facto.

Famosa na terra dos xendros por tão POUPEDA ser, era mesmo a velha Poupeda, mulher de velho Grilo, que não largava a sua bandoleira por nada. Não deixava de ser curiosa a composição das suas saias que mais eram uma manta de retalhos, já que resultavam do ajustamento, ad hoc , de tecidos, os mais variados, independentemente da textura, cor, formato, tamanho...Cozia as batatas que em princípio seriam para os porcos, numa panela de ferro que mantinha perto do lume  e ia descascando à medida que eram precisas. Azeite nem vê-lo. Apenas três azeitonas e um naco de pão já bem assente para surdir mais. Um chicharro era dividido em três: uma parte era assada, o rabo frito e a cabeça cozida. Dava para ela e para o Grilo para três vezes. Sempre descalça, rivalizava com a velha Lorpa, com a Pieres e a velha Nacha, vedetas que um dia destes aqui vos aportarei. O velho Grilo até dizia, para de algum modo disfarçar este aforro que era capaz de beber cinco litros só a lamber um caroço de uma azeitona galega e bebia uma pipa com uma cordovil. Fácil de consolar como se vê. Durante uma semana inteira só se lhe conhecia uma camisa... E assim viveram até tarde.

Foi gente como esta que não importa que permitiu que este país superasse a crise do pós-guerra.

O melhor que fazemos é também recuperar a bandoleira e andarmos sempre com a bucha às costas. Pode ser que ajude!

XIIIIIIIIIIIII GGGGRRRRRRRRRRRAAAAAAAAAAAAAANNNNNNNNNNNNDDDDDDDDDDE
changoto