terça-feira, janeiro 01, 2019

CCLV - A NOSSA FALADURA - CARDOMO / CADORNO

Começou 2019. Até aqui chegámos. Haverá sempre um dia em que já não veremos o fogo de artifício nem ouviremos, participantes ou não, a missa do galo, nem assistiremos à chegada do madeiro. É a isto que se chama o ciclo da vida. Platão já ensinava que a "vida é um treino para a morte" e Hegel confirmava com "tudo o que nasce vivo já traz consigo o germe da morte". Podemos mesmo ir atrás e acompanhar Homero no canto XI da Ilíada, onde nos explica, como ninguém voltou a explicar, o mito do eterno retorno: a cada ano renasce a floresta e a cada ano ela morre. A morte da folha é o ressurgimento de uma nova planta. Sempre uma nova primavera, sempre a sua ultrapassagem pelo inverno.O homem do APEIRON, Anaximandro de seu nome, também falava da eterna luta entre o seco e quente versus o húmido e o frio. Progressivamente um ia tomando o lugar do outro mas a sua vigência enquanto dominante também ela era efémera... logo seria ultrapassado.
Grandes mneses estas...tudo porque ontem me deparei com um códão f.d.p.e os baldes onde tenho a azeitona retalhada ao relento com um cardomo que só  visto. Andava por cima da relva e ela chiava, não se vergando ao peso. Uma geada assim mesmo comédado. Já tinha saudades.
Tudo isto me trouxe à memória uma antiga leitura a propósito de um outro famoso pensador Joahhn Gottlieb Fichte: a minha consciência é diferente daquilo de que estou consciente. Ou seja, o objecto da minha consciência não se confunde com essa mesma consciência. Se fora assim a consciência anular-se-ia. Isto tudo desemboca então numa grande complicação: eu e a minha consciência não somos o mesmo, já somos dois...sim, porque eu não sou só a minha consciência... Depois há aquilo que a minha consciência contém, que não é o mesmo do que eu estou consciente de que ela tem; há ainda aquilo que eu tenho consciência de que não tenho consciência. Escapa-se à minha consciência...A resumir: eu não sou só eu: sou eu e a minha consciência, o que ela contém, o que eu estou consciente que ela contém e mais aquilo que eu estou consciente de que eu não tenho consciência. Para eu não ser tantos eus, abreviamos isto dizendo que eu sou eu e não-eu. Não sou um, mas dois em um..Ou mais...dedicai-vos a entender isto e assim na vossa consciência não assenta o cardorno.
Tal como o exercício físico aquece o corpo, o exercício mental desperta-nos da letargia, do ram-ram,do continuamente igual, obrigando-nos a descobrir novos caminhos e a não seguirmos sempre os mesmos trilhos. É imperioso que não anquilosemos sempre na mesma posição e convencimento. Temos que nos desafiar a nós próprios. Mainada.
Se nesta época de invernia os nossos avós que não tinham máquinas para colher a azeitona, nem viaturas para as transportar, nem..., nem... se remetessem a ficar comodamente ao lume a queimar  lenha e a criar chouriças nas pernas nunca teríamos azeite de qualidade. Cedo, bem cedo, bandoleira ao ombro,  já com o feijão e um pouco de conduto e um naco de pão, obviamente uma cabaça com tinto do novo, aí iam eles, pisando cardomo em cada lapacheiro congelado, mãos a  aquecer num rebolo embrulhado no lenço das mãos - que o frio cortava - às  vezes de escada e toldos às costas, completamente às escuras, só que bem conhecedores daqueles caminhos tantas vezes calcorreados. A vida nunca foi fácil nem cómoda. O pão custava a ganhar e por isso sabia tão bem.
Quantas vezes isto se passou com este vosso escriba!
Agora, à distância, é que tomo consciência desses tempos do passado. Naquele tempo, nem tempo havia para me debruçar sobre estas questões da consciência. Era esgalhar e mainada. Não estou nada arrependido, podeis estar conscientes disso. Foi a melhor escola. Foi a escola da vida. Só mais tarde veio a vida de escola.
XXIIIIII GGGRANNDDDDDE