sexta-feira, fevereiro 23, 2007

ZECA

Faz hoje 20 anos, fui a Setúbal esconder-me no meio de uma multidão, no adeus ao trovador da liberdade.
Inté cantei...
Se soubesse tocar piano, se tivesse um piano, era bem capaz de lhe dedicar uma das suas baladas. O jovem do carrapito comprido fá-lo por mim. E por vós se quiserdes.

domingo, fevereiro 18, 2007

A NOSSA FALA - LXXVIII - MANDONGO(A);MANDONGUICE

Na nossa vida, circunstâncias há que, de forma inesperada, nos deixam cicatrizes que, noutras ocasiões, aparentemente sem nada a ver com o primitivo assunto, nos remetem para ele. Ficamos, então, a tentar deslindar porque raio é que aquilo nos veio à memória sem termos feito qualquer esforço, doutras vezes, ralamo-nos quanto baste tentando recordar um nome ou uma situação, e nada nos ocorre.
Foi cedo que aprendi: quando se encontra sem se procurar é porque já muito se procurou sem se encontrar. Às vezes andamos à procura do lápis e trazemo-lo pendurado na orelha... É a vida!
Vem isto a talho de foice do tema que hoje quero tratar convosco.
Comecemos por uma pequena história: Em tempos, um bispo de Lamego foi ministrar o Crisma a uma aldeia - ainda havia aldeias naquele tempo que merecessem visita pontifícia - .
Sabido como é que os bispos gostam mais de (se) mirar na reluzente superfície dos seus Paços, e são muito avessos a poluir os seus sacrossantos sapatos a condizer com a vestimenta - não seguissem eles o exemplo do máximo bispo, professor Ratzinger, que só veste e calça Giorgio Armani- raras eram e são as saídas dos episcopais aposentos.
Neste particular aspecto o papa anterior foi excepção...
Bom... mas o bispo entabelou uma conversa com os crismandos e queria saber o que significava o Crisma; um dos cachopos bate na cintura da mãe e questiona-a:« ó mãe, digo?» e ela:" e tu sabes?" e ele:« sei, mãe.» , "então diz"... O rapazote levantou o braço e apontou, qual torre de catedral gótica, o indicador ao céu, o bispo dá-se conta e interpela:«ora ali está um menino que nos vai elucidar..."O santo sacramento do crisma significa que nós passamos a pertencer ao exército da santa madre igreja apostólica, católica, romana»! Apressa-se a dizer o prelado: " Eu não diria melhor... e como chamamos nós aos soldados que viram as costas ao inimigo?" aí o garoto nem se deteve: « UM CAGÃO, SENHOR BISPO!» Assim mesmo.
Mário Zambujal em "A Crónica dos Bons Malandros" ao lado do Silvino Bitoque e do Doutor, tem o Caga d'Alto. Os marmanjos que o nosso bom povo apelida de mandongos são assim como que um cozido destas figuras: batem e fogem. Mamam até que haja leite, escondem-se e riem-se dos que, por dever de ofício, chegaram tarde porque não são gulosos e sabem respeitar a vez e as oportunidades.
Um desses apareceu-me um dia: queria mama!Eu só lhe disse:" os malandros para mim, têm que trazer um pêlo na palma da mão"..Ficou a olhar para mim e eu pensei: "vinhas por lã, mas vais tosquiado", não querias tu mainada do que"ensinar a missa ao cura" ou 0.
" ensinar a estrelar ovos à tua avó"; esqueceste-te"que o diabo sabe muito, porque é velho"; olha o mandongo! "Vá mas é mamar na quinta pata de um cavalo"
Em toda a parte - desgraçadamente na política e nos governantes, acentuadamente - há destes artistas que comem sempre " à pála " e que querem - muitas vezes conseguem - fazer dos outros "otários".
Há-os e houve na aldeia. O pior não são eles: é o povo ceguinho, endrominado, que não os enxerga e embarca pacoviamente no seu palavreado. Esses pantomineiros da palavra enrolam o povo néscio com sacos de plástico, um isqueiro, uma caneta e uma avental de plástico... em troca só querem uma cruz em quem os representa e eles representam.
A um desses pus eu um dia esta questão no meio de um grupo de malta ali no largo do Zé Rolo em frente do inefável café da Rosa: "sabes como se distinguem os caracóis machos dos caracóis fêmeas?" Ficaram todos a olhar... Tentou iludir a questão:« e tu, sabes distinguir um formigo duma formiga?» "Sei : agarro os animais pela patas e abano-os: os que baterem as bolas são machos, os outros são fêmeas". Ficou descalço, mas os circunstantes atalharam-no: "vá lá...responde lá ao Changoto... ANDAS AÍ SEMPRE FEITO PAVÃO, ANDA, DESENCULATRA LÁ ESTA!" Que não, que não sabia... confessou... «Então ficas a saber, meu mandongo de trazer por casa: agarras numa saca deles e espalha-los no chão. A seguir, sentas-te em cima deles: os que te forem ao cu são os machos». Abalou estrada acima e só apareceu no outro dia.
Sempre vos digo: «Para bom entendedor...»
É que os cagões não só os que fogem, são também os pavões! Se vos pondes debaixo apanhais com as bostas...
Como me dizia o velho Comandante:" Vê bem, antes de saltares".

terça-feira, fevereiro 13, 2007

A NOSSA FALA -LXXVII - CASCABULHO

O velho professor Leitão era assim uma espécie de professor Pardal que passava a vida a tentar materializar ideias: famosas são as suas tentativas de arranjar uma máquina de podar macieiras, pereiras e outras árvores frutíferas a partir do chão, sem recorrer a qualquer escada...Para o efeito serviu-se da vara de um guarda chuva na ponta do qual ajustou, num eixo adequado, uma faca de cozinha que era movida contra outro gume fixo fazendo como que um efeito de tesoura, puxando um cordel; arranjou uma engrenagem que punha uma motorizada a tirar água dum poço; arranjou um depósito de tinta para as canetas de aparo da escola, aquelas com cabo de pau (ainda há quem se lembre, com certeza), evitando assim que se estivesse sempre a molhar o aparo no tinteiro de tinta, em cerâmica branca, que havia em todas as carteiras; mais inventos ainda fez mas de menor monta. Coiote Pete, malino, bardina por excelência, e que não era aluno dele, propôs-lhe que inventasse uma espingarda que matasse os coelhos nas curvas. "Dá-me tempo!, dizia o professor... Coiote disponibilizava-se para tocar o fole da forja do ti mné Ferreiro - outro artista que um dia aqui há-de ser figura de proa - a fim de dar têmpera ao aço dos canos da espingarda...
Por esta altura, estamos a falar dum Verão dos velhos anos sessenta, três eram as preocupações dominantes do professor Leitão: a fundação do Clube Fernão Lopes, a cuja Direcção pertenceu largos anos, juntamente com Chico Grande, alferes Rei e Chico Sarapião; a invenção de uma engrenagem de tracção manual que auxiliaria o Réu-Réu, Tum-Tum - velha arrastadeira que pegava de manivela com gasolina e depois consumia petróleo, de marrícula AC-01-01 - por isso lhe chamávamos o Antes de Cristo- a qual (arrastadeira) nas subidas se ia um pouco abaixo, tanto mais que chegava a levar ranchos de 10 e 12 pessoas. Ora, se ele conseguisse adaptar um eixo supletivo de uma roda dentada, semelhante à pedaleira das bicicletas com desmultiplicador e carreto numa barra fixa no interior do Réu-Réu, aí, quem ia dentro, podia auxiliar o carro nas subidas; o obstáculo maior era que o eixo tinha que vir por fora e depois, tal como na engrenagem das rodas dentadas das noras, tinha que fazer um ângulo recto, o fazia perder muito da força gasta por causa do atrito: uma dor de cabeça que acabou por nunca ter resolvido, tal como o desafio de Coiote, porque entretanto lhe chega um AVC que se não o liquidou logo, o deixou claramente diminuído; a terceira espinha que lhe acicatava a cabeça, era realização das festas populares.
Como muitos sabem , por via de regra- e mais ainda naquele tempo- a festa do padroeiro das aldeias coincidia com as festas do povo. Ora o senhor prior dizia que se era o santo - no caso S. Bartolomeu, a 24 de Agosto - que dava o nome à festa e garantia a afluência dos xendros à Aldeia, então os festeiros tinham que pagar à fábrica da Igreja metade dos lucros que obtivessem. Aí é que o professor Leitão não estava de acordo: Quem tratava da papelada toda, quem contratava os artistas, quem encomendava os produtos bebíveis e comestíveis, quem arriscava no fogo aéreo e preso, quem preparava o recinto, quem garantia todos os serviços, quem tudo pagava e quem tudo assinava tornando-se assim o responsável pelas ocorrências, não era o senhor prior, mas o professor Leitão.
Disse-me um dia: "tu achas direito que o padre leve sem fazer nada metade dos lucros da festa?" E eu:« ó Senhor professor, isso é fácil de resolver: faz a festa antes da do Santo e muda-lhe o nome» ; e ele:"não me tinha ocorrido isso...e que nome lhe davas tu?" -FESTAS DA DESFOLHADA, atalhei. e ele "é que é para já" E foi. Durante anos as festas levaram este nome: Festas da Desfolhada.
Agora perguntais vós:Como é que este título te veio à mona? vá lá , perguntai! ( isto até parece o visualismo do patrono do Clube dos Xendros -Fernão Lopes -). Eis a resposta:
Aos meus pés estava um CASCABULHO que devia ter caído da saca para onde ao fim dos serões, nas cálidas noites de Verão, a vizinhança se juntava na laje de uma escadaria que havia no largo das camionetas, onde hoje é a casa do Carradas, e serviu de café até há pouco, e que, ao tempo, era da ti Antónia Costa, viúva do Agostinho Ratado, a qual ficava pertinho da lâmpada de iluminação que pendia da parede da casa. Via-se bem a maçaroca e quando, para separar o grão de milho do CASCABULHO, nós esfregávamos uma maçaroca contra outra, em fricção forte, ao fim ficávamos com o CASCABULHO que atiávamos para uma sava e depois era deitado na furda ou no palheiro do burro.
Expliquemo-nos: a maçaroca está revestida pela camisa no cimo da qual aparecem as barbas de milho - de que garoto que se prezasse fez uns cigarritos embrulhados na folha escrita do caderno da escola- ; era pela abertura do cimo da maçaroca que se metia a lâmina de uma navalha ou, mais frequentemente, um pau aguçado numa das pontas e se rasgava a camisa ao fim do que se esnocava a maçaroca que depois é posta a secar na eira. Os que tinham muito, malhavam, os mais pobres, juntavam-se e uns para os outros, ajudavam-se na descamisa (eles diziam desencamisa). Júlio Dinis, na Morgadinha dos Canaviais, chamava-lhe DESFOLHADA. Ora eu tinha lido o livro havia pouco tempo e vai: Festas da Desfolhada.
O que resultou dum CASCABULHO que não ficou guardado na saca!
A vida é mesmo feita de pequenos nadas e já uma vez pus esta questão a um dos maiores comunicadores de sempre da Televisão Portuguesa - o Maestro António Vitorino de Almeida- e ele concordou dizendo que se quando passeava entre as árvores do Campo Grande o banco debaixo de uma vetusta árvore estivesse ocupado e ele não se pudesse aí sentar, o seu passeio ficava estragado.
Foi aí também que aprendi a melhor máxima de vida: "se uma coisa merece ser feita, então muito mais merece ser bem feita"
Bem feita! fico-me por aqui.
P.S. - As minhas desculpas pela pixotice de não atinar logo à primeira com as exigências do Google!

domingo, fevereiro 11, 2007

FALA DO HOMEM NASCIDO



Venho da terra assombrada
do ventre de minha mãe
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém

Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci

Trago boca pra comer
e olhos pra desejar
tenho pressa de viver
que a vida é água a correr

Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder
minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada

Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham
nem forças que me molestem
correntes que me detenham

Quero eu e a natureza
que a natureza sou eu
e as forças da natureza
nunca ninguém as venceu

Com licença com licença
que a barca se fez ao mar
não há poder que me vença
mesmo morto hei-de passar
com licença com licença
com rumo à estrela polar

António Gedeão

terça-feira, fevereiro 06, 2007

A NOSSA FALA LXXVI - Mãos ENGADANHADAS

Naquela noite, tinha caído um códão daqueles comédado. Albertino Chinchas levantou-se cedo para cumprir o compromisso firmado com o seu compadre Mnel Alma de Sino de lhe matar o marrano, como era hábito. De Verão ou de Inverno, Albertino gostava de vir lavar a cara na água do tanque que mantinha quase sempre cheio com água do poço. Bastas vezes, no Inverno, tinha de partir o caramelo com um martelo para chegar à água, mas ele sentia um prazer masoquista quando sentia os tomates a encolherem-se dentro das calças quando mergulhava a cara na água gelada. Acreditava que o acto de coragem era significado de virilidade e que a reacção dos testículos era sintoma disso mesmo.

Ainda com as mãos engadanhadas, preparou a vianda dos seus porcos em dois caldeiros que despejou em duas pias de pedra granítica. Já a caminho da casa do compadre reparou melhor na russa reluzente que cobria os campos: "Tá cá um códão!", murmurou, o que o arreganhou ainda mais, aconchegando instintivamente o pescoço no pêlo da sobrepolis.

O compadre esperava-o com um borralho vivo onde já fumegava um caldeiro farrusco engatado nas correntes que desciam da chaminé, e com o púcaro de aguardente quente com açúcar, a fumegar. A salvação foi imediatamente seguida da oferta de uma caneca e do púcaro. Arreganhado como estava, Albertino encheu a pchorra de cogulo que sorveu em pequenos goles, concentrando-se na sensação que o líquido provocava quando passava pela gola. Havia de emborcar mais duas pchorras, em resposta à insistência da comadre e para acompanhar os manos Alma de Sino e o tio João Alma de Sino que entretanto chegaram.

O calor que as 3 canecas de aguardente quente doce lhe emprestavam às tripas contrastava com o barbeiro da rua quando se foram todos ao porco. As mãos rapidamente voltaram a ficar engadanhadas dificultando a destreza e a força que era necessária para tratar da saúde ao reco. A coisa não começou da melhor maneira porque o animal se recusava a permitir que lhe metessem o laço na boca. Albertino bem lhe coçava o coiro com um toro de giesta e lhe chamava carinhosamente "f(e)cá, f(e)cá", mas o bácoro só cedeu quando alguém se lembrou de enrolar uma couve ao cabo de aço e ele a abocanhou. Também não correu muito bem o trabalho de deitar o bicho na banca, porque alguém não fez força bastante e tombou tudo, animal e banca. Quando finalmente o mamífero omnívoro ficou (mais ou menos) imobilizado, Albertino Chinchas pregou uma valente palmada nas nalgas do suíno, como faz sempre a todos os que vai matar e aprontou-se para lhe espetar a sua navalha matadeira de tachas pretas. Aqui, a coisa não correu melhor porque, pela primeira vez na sua longa experiência, o fio da navalha não encontrava a artéria devida. Os grunhidos e as sacoladas desesperadas do animal eram dificilmente contidos pelas mãos engadanhadas do compadre e dos filhos enquanto Albertino, desacorçoado, não parava de praguejar e chamar nomes impróprios ao porco. Em desespero, forçou a mão com intenção de espetar a navalha no coração do animal, mas uma sacolada mais vigorosa fê-la largar para dentro do corpo do bicho. Nesta altura, o compadre entendeu tomar uma atitude drástica: agarrou na marreta e desferiu duas valentes carchantadas na testa do animal. Não foi por isso que a"meloreja e o arroz do osso da suã não lhes souberam bem.

O curioso desta história, diz quem assistiu, é que a navalha não foi encontrada quando se abriu o porco, vindo a aparecer dois meses depois numa saca de batatas de semente “rambana” que o Albertino comprou a um comerciante do Soito.

Esta deveria ter dado direito a choradela de Entrudo. Mas já ninguém chora o Entrudo.

domingo, fevereiro 04, 2007

A NOSSA FALA LXXV - PIXOTES

Parece que temos andado com as mãos um bocado engadanhadas aqui no Baságueda.
Isto só lá vai com uma pchorra de aguardente quente e açucar, aquecida em púcaro de barro no borralho da aldeia.
Em jejum.
Se calhar, somos homens para acompanhar com 3 figos secos cada um...


(A ausência também teve a ver com umas alterações técnicas determinadas pelo google que obriga a aceder ao blogger através de uma conta diferente e que atrapalhou a vida aos pixotes que aqui debitam letras e palavras. Cá o karraio (um pixote) já conseguiu resolver o problema, mas o changoto (outro pixote) ainda não.
A ver vamos se a receita da aguardente quente doce nos ajuda a desengadanhar as mãos. E a alma.)