segunda-feira, abril 21, 2014

A NOSSA FALADURA - CCXXIII - SAMARRO

Podemos comunicar de muita maneira e não é aqui lugar para um aprofundamento do tema. Ainda assim deixemos claro que uma das formas a que menos ligamos é a roupa. Facto é que identificamos um polícia pelo uniforme, ou um bombeiro, um médico em serviço...É muito difícil identificar, por exemplo, um professor pela roupa que traz vestida. Há mesmo pessoas que se disfarçam para parecer o que não são e, muitas vezes, conseguem iludir os outros. Basta ver os constantes contos do vigário. Há mesmo os lobos com pele de cordeiro. Julho Grilo também enganaria qualquer que o não conhecesse.
Quem visse Julho (= Júlio) Grilo e, mais ainda,  o ouvisse no seu puritanismo falante, todo garboso, numa fala quase cantada, seria levado a pensar que se tratava de algum universitário a quem a vida tivesse corrido mal. Não admitia palavras nem com aférese, nem síncopes nem apócopes. Menos ainda com próteses, epênteses ou paragoges. Teimava que as palavras deviam ser pronunciadas correctamente, obrigando o falante a pronunciar silabicamente cada palavra . Nunca dizia "tamém", mas insistia sempre que a palavra era "também" e era assim que devia ser pronunciada. Não havia para ele "amandar" mas só e apenas "mandar". Também não autorizava permutas como, por exemplo, "cravão" por "carvão", ou " assobier" por "assobiar, ou "traguer" por "trazer". Às vezes ficava a falar sozinho porque os circunstantes o mandavam à fonte limpa e se borrifavam para as suas tentativas de correcção. Chamavam-lhe o maniento, apelido que era reforçado pela sua maneira de vestir. Nunca aparecia no "povo" que não fosse com o seu chapéu bem burnido, camisa bem apertada, gravata com alfinete ajustado, calça vincada e sapato engraxado. Tinha pose este Julho Grilo! No Inverno, fazia questão de trazer  a sua samarra, com gola de raposa e relógio de bolso preso por corrente de prata. Já Popeda (=Poupada), sua mulher, andava vestida com chita da tabela, a maior parte das vezes descalça e quando vinha "às mercas" (=compras) trazia os trocos embrulhados num lenço das mãos mais ensebado que botas de pele de lavrador abastado em missa de festa ou Domingo. Podia pôr-se de pavio numa candeia que não consumiria combustível durante uma hora ou mais. Apesar de ter o mestre da pronúncia em casa Popeda tudo atamancava e havia alturas em que até era difícil 'cortar' a linguagem dela. Pior que ela só mesmo Chquim Camião ou  Zé Mêlgo quando carregado com uns tintos jeitosos.
Não havia dúvidas de que tínhamos aqui o que se pode chamar de "casal perfeito": um completava o outro.
Julho era também, por vezes, um tanto gabarola das suas aventuras amorosas extra conjugais.
Lembro-me de uma vez ele contar que roubara uma rosa no Jardim de Penamacor e a foi levar a uma pretendida, todo lampeirinho, com uma frase bem estudada para conseguir ver se ela lhe dava troco. A porta estava aberta e ela estava sentada no segundo degrau das escadas a passajar umas meias do marido e Julho, cego pelo desejo cupidinoso, nem mediu a atitude e de chofre: "Toma lá esta rosa em botão como prova do meu amor por ti no meu coração". O marido estava na trasfega do vinho e quando tal ouviu vem de lá com um barrote nas mão e ainda assestou uma valente bordoada em Julho que arrancou rua abaixo a fugir do imprevisto. Contava então " O samarro do meu casaquinho é que as papou! ai papou, papou!"
Muito mais prosaicos os que tal gabarolice ouviram  não estavam com tais ensaios poéticos e diziam que o marido lhe tinha mas é " tosado o samarro assim comédado".
Procurai cuidar bem do vosso samarro.
XXXXXIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGGRRRRRRRRRAAAAAAAANNNNNDDDDDDEEE