Começa a ficar cada vez mais raro que a profissão escolhida e exercida por quem quer que seja, se mantenha a mesma por toda a vida. Antigamente era-se alfaiate toda a vida, ou pedreiro, ou albardeiro, ou talhante, ou professor,...Hoje por hoje, esse tipo de estratificação profissional social vai ficando cada vez mais esbatido. Não é por acaso que cada vez mais ouvimos um já quase aforismo:"já nada é como dantes". Na verdade, tenho mais que saudades daqueles serões em que a família se reunia à espera que o jantar (ceia, muitas vezes) fosse despejado da panela de ferro, pela mãe, e para um barranhão de onde todos partilhavam, ora com colher ora com garfo a ementa que era muitas vezes a mesma do dia ou dias anteriores. Comia-se o que a terra dava na altura em que dava. Por exemplo, nesta altura do ano, havia muito pouco que meter na panela: já se acabaram os grelos de couve e nabo, sobram algumas acelgas para o caldo e o resto torna-se complicado conseguir variar. Sobram ainda algumas batatas encarquilhadas, já destaladas no mínimo duas, senão três, vezes, umas cebolinhas já com grelo crescido, um dentinho de alho, uma pinga de azeite e uns feijões ou grãos, alguma carne da salgadeira e viva o velho! Aos domingos ou dia de festa, de vez em quando, lá jurava bandeira um coelho, uma galinha da capoeira, um bocado de carne de quadrúpede ruminante. Mantinha-se o naco do queijo, a tora do toucinho, pão que bastasse, a malga de azeitonas e havia que aguardar pelas novidades que agora ainda germinavam na terra e hão-de redundar numa abundância, sempre contida, lá para o fim do mês, princípios de junho: alface com fartura, algum repolho, cebola nova, batata temporã, ervilha, fava, cereja nalgumas zonas, morangos (poucos) e os viajantes já iam aparecendo com tomate, melão de sequeiro,... O certo é que ninguém falava de glufosato e afins: caldeava-se com bordalesa, mondava-se à mão, picava-se e sachava-se, escavachava-se, esborralhava-se, desmamava-se ou desladroava-se... Vai lá vai...Isto sim que era agricultura biológica. Nada do que passa hoje em dia, em que há de tudo o ano inteiro e passamos a vida a consumir produtos cheios de infestantes e muito mais. É caso de dizer como o velho Comandante: "ah! tempo... .
Nem sei mesmo quantos trampassos me
aconteceram quando por caminhos velhos, veredas e córregos, às vezes meio
ensonado, lá ia eu de sachola ou enxada ao ombro, a caminho do chão e
começava logo a sério a esgalhar... Não era preciso aquecimento. Depressa se
ficava a suar...
Muita outras tradições, costumes, festas e até hábitos
e práticas ainda me deixam marcas e, embora siga Sofia Andresen: "tenho é
saudades do futuro"...de vez em quando olho para trás e ainda recupero
algumas das vivências daqueles tempos de antanho. Outros trarei noutras alturas
se se proporcionar, aqui no basa... Quem sabe lá um dia vos conte o maior trampasso da
minha vida quando, montado numa bicicleta empanquei numa corda esticada na
estrada porque um cabrito preso a um borrego se lembrou de atravessar para o
outro lado da valeta e eu fiquei estatelado na estrada com os dentes partidos a
verem-se-me... Quem sabe.
Foi a lembrar-me de que tudo vai mudando e da
"inexorável sucessão do tempo" que fui rebuscar um outro texto
que um dia escrevi a propósito de um dos mais candentes temas da actualidade.
Trata-se dos novos deuses. Se é verdade que as velhas religiões se mantêm e
algumas até estão em expansão, não é menos verdade que surgem, a cada hora,
novas formas de religiosidade que assentando, na sua maioria, nos princípios e mitos
das religiões tradicionais, propõem novas formas de relacionamento com as
divindades e não há dúvida que elas vão atraindo fiéis.
Deixo-vos o texto que vale pelo que vale... Se me
quiserdes deixar eco, sabeis como fazê-lo.
O SER, O TER E OS NOVOS DEUSES
SE EU PUDESSE NÃO TER O SER QUE TENHO
SERIA FELIZ AQUI…
QUE GRANDE SONHO
SER QUEM NÃO SABE QUEM É E SORRI!
MAS EU ME ESTRANHO
SE EM SONHO ME VI…
TAL QUAL NO TAMANHO
O QUE NUNCA VI…
Fernando Pessoa 18/6/1930
SER
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TER
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1-
ESSÊNCIA – (AQUILO QUE O HOMEM É INDEPENDENTEMENTE DAQUILO A QUE
POSSA ADERIR)
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1
- EXISTÊNCIA ( A REALIDADE É ONDE O HOMEM ORGANIZA A SUA VIDA)
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2
– INTERESSA-SE PELA VIDA ÍNTIMA DO HOMEM (AQUILO QUE LHE É SUBSTANTIVO)
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2
– INTERESSA-SE PELO HOMEM ACTIVO /PROFISSIONAL E SOCIALMENTE (VAI DO PAPEL AO
ESTATUTO)
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3-
PERGUNTA FUNDAMENTAL: QUAL O MEU MODO DE VIDA?
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3
– PERGUNTA FUNDAMENTAL: QUAL DEVE SER O MEU MODO DE VIDA?
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4
– O IMPORTANTE É FORMAR PERSONALIDADES
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4
– O IMPORTANTE É FORMAR O HOMEM PARA A VIDA
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5
– ALGUNS EXEMPLOS HISTÓRICOS:
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5
– ALGUNS EXEMPLOS HISTÓRICOS :
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A
– SÓCRATES
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A
– PLATÃO
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LIBERDADE
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TAREFAS
OBJECTIVAS DO HOMEM
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INDEPENDÊNCIA
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BUSCA
DO MUNDO PERFEITO
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COERÊNCIA
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B
- CRISTO
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B
- RENASCIMETO
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DAR
A VIDA PELO OUTRO
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ÊXITOS PESSOAIS
/ MATERIAIS / SOCIAIS
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C
– COMENIUS
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C
– POSITIVISMO
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FORMAÇÃO
DO HOMEM TOTAL
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O
QUE NÃO FOR DEMONSTRÁVEL NÃO TEM VALOR CIENTÍFICO.
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D
– ROUSSEAU
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D
– BEHAVIORISMO
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A
CRIANÇA É DE SUA ESSÊNCIA BOA, A SOCIEDADE É QUE A PERVERTE
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O
SUCESSO DO INDIVÍDUO ACARRETA O SUCESSO DA SOCIEDADE
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E
– PSICANÁLISE
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E
– MAQUIAVEL
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EQUILÍBRIO
INTERIOR
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VISA
A RENTABILIDADE/SUCESSO MESMO QUE A CUSTO
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MATURIDADE
SENTIMENTAL
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QUALIDADE
DE EXISTÊNCIA INDIVIDUAL
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F-
O DECISIVO É QUE O HOMEM SEJA ALGUÉM.
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F
– O DECISIVO É O QUE O HOMEM FAZ.
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G
- O HOMEM É UM SER VIVO PARA SER FORMADO HARMONIOSAMENTE
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G
– O ALUNO /HOMEM É UM SER MOLDÁVEL
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H
– SATISFAZ AS APETÊNCIAS INDIVIDUAIS
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H
– O QUE DEVE SATISFAZER SÃO AS NECESSIDADES UTILITÁRIAS DA SOCIEDADE
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I
– PROCURA A REALIZAÇÃO PLENA DO INDIVÍDUO QUE SENTIRÁ PRAZER NO FAZER
BEM E COM AMOR.
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I
– VISA DOTAR A SOCIEDADE DE INDIVÍ -DUOS COMPETENTES E ALTAMENTE QUALI
-FICADOS
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J
– ENSINA A VIVER BEM CONNOSCO PRÓPRIOS MAS NEM SEMPRE FORNECE OS EQUIPAMENTOS
NECESSÁRIOS
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J
- FORNECE CONHECIMENTOS MAS NÃO OS BONS MODOS DE UMA SÃ CONVIVÊNCIA
SOCIAL.
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L
– O HOMEM VALE PELO QUE É E NÃO PELO QUE TEM.
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L
– O HOMEM VALE POR AQUILO QUE POSSUI.
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M
– O RESULTADO SERÁ UM HOMEM DESINTERESSADO E COMUNITÁRIO
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M
– O RESULTADO É UM HOMEM UNIDIMENSIONAL QUE SE FICA PELO LUCRO E PELO PODER.
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"Ser" é humanidade,
consciência social, livre arbítrio, liberdade, igualdade, fraternidade,
solidariedade, cultura, preocupação ambiental, ecumenismo, tolerância,
aceitação e preocupação com o outro...
"Ter" é ilusão, é pura
aparência, é efemeridade, é indiferença, é intolerância, é enfermidade, é
solidão. O "ter" não tem esperança porque se esgota nele próprio,
alimenta-se dele próprio exigindo sempre mais "ter"!
Que saída para essa quadratura do círculo, para esse
não senso que alguns tentam erguer em novo paradigma, querendo fazer-nos crer
que é a única via para a resolução dos problemas da humanidade?
Com Erich Fromm, vemo-nos na
contingência de chegar à dolorosa conclusão de que na sociedade
contemporânea prevalecem valores (cada vez mais associados ao ´ter´) como o
crescente desejo de posse de bens materiais,
o consumismo e a sede de poder, o que coloca a humanidade no abissal caminho da
destruição social, psicológica e ambiental o que mais agravará, inevitavelmente
as desigualdades sociais.
Só o desvio dessa rota
mortal, poderá posicionar o indivíduo no sentido construtivo do amor, da
partilha e da actividade produtiva (valores associados ao ´ser´). Não é
fácil, espera-nos muita frustração (tanto maior quanto menos "ser"
houver...) e alguma satisfação, sobretudo aquela de sabermos que, no mais
íntimo do nosso ser, estamos no caminho certo, na única via para a criação da
Paz e da Harmonia entre os seres humanos.
A grande
diferença entre o “Ser” e “Ter” é que se estabelece uma
sociedade centrada sobre as pessoas e não uma sociedade centrada sobre as
coisas
OS NOVOS DEUSES
. Em termos de valoração a cultura ocidental é matriciada (entre
outras influências) pelas culturas helena – judaica – romana – cristã -
islamita. Vive-se um novo paganismo que mais não é que o renascer transfigurado
de uma deificação de personalidades transcendentes clássicas (vg. Deuses).
. O próprio cristianismo é,
no seu todo, a convergência resultante das influências gregas e judaicas, para
além de outras anteriores, menos conhecidas, como sejam a mitologia egípcia e
os apotegmas dos sábios da antiguidade e mesmo do Pitagorismo de Samos.
. Se até ao Sec. XVIII/XIX
não se conhecem grandes obstáculos ao cristianismo e à tese do CRIACIONISMO, a
partir de DARWIN, LAMARCK,… essa tese começa a ser contestada e, com o apoio
das novidades científicas assentes, por vezes também, num POSITIVISMO
DESENFREADO, emerge a nova coqueluche do mundo do saber – O EVOLUCIONISMO.
. Esta nova leitura do
aparecimento do homem, que claramente desmonta a defesa de que Deus teria
criado o homem à sua imagem e semelhança, arrasta a humanidade para uma nova
perspectiva valorativa da existência.
. Abandona-se ou, pelo menos
resfria-se o dogmatismo cego que, sem discutir, aceitava o que lhe era imposto
pelos líderes religiosos e aventa-se uma nova hipótese que os tempos vieram
demonstrar como credível.
. Em consequência, novos
valores surgem e aos poucos vão ganhando terreno substituindo a religiosidade
do senso comum pela crença bem justificada de valores materiais que desmontam
do pedestal a mitofilia tradicional.
. Não mais a preocupação com
a divindade, o pecado, a culpa, a ameaça do Além, o espírito de sacrifício, a
subalternização à hierarquia, ao sofre e abstém-te; e em vez disso o
consumismo desenfreado, apego ao bem estar terreno, ao prazer sensorial, ao gozo
pleno.
. Se nos cingirmos apenas ao
mundo europeu – o nosso – o que se passa é que dos anos sessenta para cá e, em
definitivo, a partir da queda do mundo de Berlim, a Europa se alarga e se
estende até à proibida Rússia e desconhecida Ucrânia.
. Com o advento e
aperfeiçoamento diário das novas tecnologias deixa de haver fronteiras
espaciais e passa a haver tão só fronteiras temporais, já nada é privado e tudo
é publicitado. É a uniformização do vestuário, da música e de tudo o mais,
superam e aniquilam, esvaziando-os, os ancestrais valores cristãos: é o
nihilismo emergente.
. Os novos valores que
deixam vazio o espaço ocupado pelos valores tradicionais, a começar por deus e
por aí fora, conduzem a uma nova forma de paganismo e à INVENÇÃO DE NOVOS
DEUSES.
. Estes novos deuses têm
nova valoração, e proporcionam uma nova visão da realidade que se resolve em
novas mentalidades. Há novos deuses com novos nomes, mas a fuga ao sagrado
imposto conduz inexoravelmente a nova forma de paganismo.
. Assim, o primeiro deus do
novo paganismo é o PODER, ressurreição do mais que antigo deus BAAL,
materializado na posse do dinheiro. É a superioridade do TER e a descida de
pedestal do SER.
. Os seus templos são as
instituições financeiras e os sacerdotes são os corretores, os gestores
financeiros, os economistas, os executivos.
. Em paralelo surge o deus
SEXO e tudo o que à sua volta gira. É a ISHTAR da antiguidade. Já não se trata
da fertilidade e da sua protecção, mas de toda a envolvência que entorna o
poderoso negócio do sexo. Os templos estão por todo o lado - revistas, media,
cinema, publicidade,… e os seus fiéis seguidores superabundam a cada esquina.
. Outro deus contemporâneo é
a transfiguração de Calíope. A deusa da fama e da glória, dos feitos heroicos e
grandiosos, A celebridade, e toda a iconografia do efémero transformado em
produto de consumo avassalador.
Na maioria dos casos as
pessoas conhecem estas celebridades, mas não sabem quem são e menos ainda o que
fizeram para ser célebres. O grande templo, o Vaticano ou a Meca desta deusa é
a TELEVISÃO. Todos para lá se viram e regem a sua vida em função da sua
programação.
E o telemóvel? Gravitamos
continuamente em torno dele …Podemos esquecer-nos das chaves de casa, dos
óculos e até da carteira…mas do telemóvel? Desse nunca. A memória perdeu valor.
Guardamos tudo no artefacto e é ele que nos desperta, nos lembra da agenda, nos
põe em comunicação, nos ajuda a passar o tempo, nos informa acerca do tempo.
Estamos, sem dúvida, na sua dependência e evidencia-se a sua cada vez maior
importância…
Há mais novos deuses, mas
para amostra ficam estes.
Deixo-vos a questão: será
este paganismo melhor do que o anterior à missionação
heleno/romana/judaica/cristã/islamita?
A resposta cabe-vos a vós.
Nota: não é preciso ficardes
de cara à banda ou de queixo caído como se vos tivesse acontecido um trampasso
como o meu da bicicleta abaixo.
XXXXXXXXXXIIIGGRANDDDDEE!