sexta-feira, agosto 26, 2005
A NOSSA FALA - XXII - GOZMIA
quarta-feira, agosto 17, 2005
A NOSSA FALA XXI - Ó DIDON Ã!
Em Agosto, já se sabe, temos de ouvir falar muito francês. Como parece ser nossa vocação genética, marimbamo-nos para o nosso “orgulho” nacionalista, como os espanhóis fazem questão de ostentar, e é com naturalidade que assimilamos os contributos que os emigrantes nos trazem da Gália. Com o mesmo à vontade, aguentamos os decibéis a mais da batida techno que sai do voiture, comemos fois gras, bebemos ricard, ou adoptamos expressões de emigrantês. Não sabemos falar francês mas sabemos o que é “tombar em pane”, o que é a “pubela”, o que são “vacanças” e, claro, intuímos que um francês que exclama “ó didon ã!” será, seguramente, um francês espantado com alguma coisa.
Ao longo dos anos, Lucien tinha aprendido a conviver com os costumes dos portugueses. Um dos que mais o impressionou, no início, era o de eles passarem muito tempo no café e a mania que eles tinham de fazer “rodadas”. Acompanhando os seus primos portugueses, via-se no café logo de manhã onde iam beber café e bagaço. Lembra-se que no primeiro ano em que veio ao Portugal com a família da sua Celine, sentiu-se muito mal à conta dos sete cafés seguidos que as rodadas lhe fizeram beber. No dia seguinte, corrigiu para ginginha, como os seus primos, e já se sentiu melhor. Antes de almoço, havia nova visita ao café e ele aprendeu a aguentar meia dúzia de ricards. Foi em Portugal que aprendeu também a dar valor à sesta, período absolutamente fundamental para voltar retemperado para o café e reintegrar as rodadas de cerveja, intervaladas para jantar, e retomadas por volta das 10 da noite até às 2 ou 3 da madrugada. Era um costume interessante dos portugueses que não era visto na sua região, onde as pessoas vão muito pouco ao café, e ele lembra-se de ter pensado “putan, os portugueses passam mais tempo no café a beber do que em casa!”.
Nesses primeiros anos, os portugueses achavam muita piada cada vez que ele repetia “ah! oui, hein!” (deve ler-se “ã”) e “ oh! dit donc, hein!” (continua a dever ler-se “ã”) sem se aperceberem que ele dizia aquilo mecanicamente porque não queria dar-lhes a entender que estava borracho e não percebia nada do que eles lhe queriam dizer. Também se riam muito quando o faziam repetir algumas palavras. A sua futura sogra, quando as ouviu, fez má cara e disse “oh! dit donc, hein! Mas isso são conarias, hein!” (insisto: “hein” lê-se “ã”) e quando contou aos seus amigos portugueses o que ela tinha dito, eles ainda se riram mais. Outra expressão que os portugueses apreciavam era “talha-me um pipo” mas essa, só pelo som, ele sabia bem o que queria dizer em francês.
Uma das histórias engraçadas que os seus amigos portugueses nunca esqueceram, nem ele próprio, aconteceu logo no primeiro ano em que ele veio ao Portugal. Já tinham batido duas na torre, a Ti Rosa tinha facilitado uma grade fresquinha antes de fechar, e o grupo estacionou logo ali no adro. A dada altura, os seus amigos portugueses fizeram-lhe sinal para os seguir. Iam roubar melancias, conseguiu perceber. Nado e criado numa cidade e numa região onde tal fruto nem se cultivava, Lucien achou "super" aquela ideia de ir roubar melancias durante a noite. O luar cheio de Agosto alumiava o suficiente para não tropeçarem nas pedras e se desviarem dos poços. Chegados ao local, apontaram-lhe em silêncio um fruto arredondado, e ele para si mesmo: “oh! dit donc, hein! C’est enorme!” Pensou que tinha de ser colaborante com os seus amigos portugueses que simpaticamente o tinham levado naquela aventura, uma nova experiência para ele, e não queria de modo algum dar parte de fraco. Sentiu algumas dificuldades em separar o fruto do pé, tendo chegado até a roê-lo com os dentes, mas lá conseguiu arrancá-lo e colocá-lo ao ombro. Quando chegaram novamente ao adro ia bastante cansado por via do peso, mas orgulhoso por apresentar o maior fruto de todos, maior ainda que o de um outro português de olhar altivo que morava em Lisboa. Estenderam-lhe uma navalha e ele cortou o fruto longitudinalmente como via fazer aos outros. Os seus amigos portugueses olhavam sorridentes para ele quando exibiu orgulhoso uma enorme talhada e lhe espetou os dentes. “Putan!, mas esta melancia não é igual às de pai de Céline…” Os seus amigos portugueses riam agora à gargalhada, alguns que comiam as suas melancias até se engasgaram de tanto rir e cuspiam pevides para cima uns dos outros. Foi Michel, um emigrante, que lhe fez ver a razão da hilaridade:
- Tu me fais chier, merde! Çá c’est pas une pastèque, c’est une citrouille.
- Ah! oui, hein? Oh! dit donc hein!
sexta-feira, agosto 12, 2005
A NOSSA FALA - XX - PANGALUM
Já agora espante-se quem quiser: então este povo não é tontinho de todo? Já há mais de 30 anos que constata, com toda a evidência, que nem os do punho fechado, agora rosas, nem os das três setas com curva em baixo e viradas para cima, lhe resolvem os problemas, e, ainda assim, persiste em votar neles – nem sei por e para que se queixam – ainda se admira do que lhe fazem. Se pedem, comam. Já nos restaurantes é assim.
Bem ... mas o que nos traz aqui é o PANGALUM.
Comecemos pelo Domingos Perdido, ciclista maniento, só comparável a António Branquinho, esse mesmo, trepador de fama só batido pelo saudoso Tó Ema e pelo Pantalita, que começou a trabalhar antes de nascer: o que fazem os coeficientes de contagem de tempo para efeitos de reforma.... Com 39 anos de idade é aposentado com 44 de serviço.. Por isso começou a trabalhar antes de nascer, 5 anos.
Domingos perdido não nasceu na aldeia mas o nome advém-lhe de ter casado com uma cachopa que em garota andou perdida e daí a alcunha. Mesmo a passear a pé, Perdido, nunca tirava as molas de bicicleta do fundo das calças. Chegava de bicicleta ao fim de missa e , depois de encostar a bicicleta por trás da rua da Conceição do Trem, aí estava ele bamboleando a cabeça cerca de meio metro para cada um dos lados a partir de um eixo vertical imaginário que lhe percorresse a coluna vertebral. Admirava como aquela espinha não partia com aquele bamboleio. Deitou o olho à Perdida, gostou dela e, ala, bicicleta entre as pernas aí subia ele a lagariça e mostrava por que era o Van Impe português. Claro que deu nas vistas e a mãe da Perdida apercebe-se da maningância e: «Ó Maria, Deus te a ti livre que namores com este Pangalum! Pelo jeito de abanar o corpo ele há-de Ter algum defeito. Deus te a ti livre. Teu pai alevanta-se do cemitério e mói-te o corpo com um arrocho. Deus te livre!" Mas Maria também se encantou com o Domingos, o casamento fez-se, emigraram, foram felizes enquanto um deles não abalou primeiro para a tapada dos calados.
Fui muita vez aos pássaros, à noite, com o Perdido. Duma vez, longe, lá para a lomba, noite feia, sem lua, demos com um bando de estorninhos a dormir perto da ribeira nuns pinhos mansos. O Perdido orientava as operações. Tinha uma Flaubert, diana 50, ex-libris das armas de pressão de ar, com mira telescópica, pintou-lhe a cabeça do ponto de mira com tinta dourada, tinha uma pilha ligada a uma bateria de televisão e só queria um que lhe apanhasse os pássaros porque ele com um elástico à volta da cabeça se alumiava a si mesmo. Era terrível o equipamento do Perdido. Nem parecia um Pangalum. Vínhamos já embora, aqui saltávamos parede, ali encarreirávamos por vereda, além calcorreávamos um cabeço, e, logo, apanhávamos o caminho do carregal às endireituras da ponte das taliscas, subíamos à tapada do nabarro, descíamos atrás do cemitério e entrávamos na aldeia sem pisar alcatrão, não fosse a guarda estar por ali à espera, quando, nas amendoeiras do lagar, Perdido alumia e dá de caras com uma rola:”XXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIUUUUUUUUUUU.” Tudo se calou e Perdido, sozinho, solene, carrega a arma, alumia, aponta, dispara,a rola cai, apanha-a, e diz: «Esta não vai para o monte. A minha Maria, amanhã, papa-a » E vou eu: «está certo, é assim mesmo, assim nunca fica a rola perdida no meio dos estorninhos». E contramestre que, por acaso, naquele dia também fazia parte da faena:” MAINADA.”
Na lagariça morava também o comandante, figura incontornável deste espaço, que, um dia, ao subir do povo para casa, se depara com o seu filho mais velho à porta de casa, fralda de fora, lábios roxos, barriga à mostra, palito na boca, encostado ao batorel: “rais ta partam,Tonho, és a vergonha da minha cara; não te envergonhas... em vez de ires à missa, emborrachas-te. Pareces um pangalum.” E o troco:« sabe com o que é que eu me embebedei? Foi com os cinco litros de vinho que me mandou cá a casa» E o velho: « Olha! Sabes porque é que te mandei os cinco litros? É que andei a ler no livro e não encontrei o teu nome nem na cava, nem na escavacha, nem na esborralha, nem na vindima. Foi por isso que te mandei cá os cinco litros. És mesmo um Pangalum.»