sexta-feira, agosto 12, 2005

A NOSSA FALA - XX - PANGALUM

O mundo é redondo e, talvez por isso, não tem ponta por onde se lhe pegue. As antíteses e os paradoxos, os aforismos e as regras, os nãos e os sins, tudo coexiste numa amálgama sem percentagens regulamentares, o que era deixou de ser e o que é deixa-nos perplexos a cada instante. Quando era garoto e ia para a escola, pedrinha na bolsa e ponteiro embrulhado em farrapinho por mor de não se partir, às vezes com um calhau bem aquecido para preparar as mãos para as reguadas que inevitavelmente aconteciam, sobretudo de inverno, nesse tempo, era contar com molho desde Outubro a fins de Janeiro. Lá havia uns intervalos para o sol nos beijar, mas a regra era molho com fartura e a canalha ia para a ponte ver a altura da água e a contar os ralos. Ainda se lá vêem algumas marcas gravadas na parede por debaixo da ponte. Tempos... (Deixem-me dizer que aquela envolvência que agora ali arranjaram é de um mau gosto e duma insensatez que envergonha qualquer racional de olhar menos obediente às circunstâncias. Não sei quem pariu aquilo, mas mais lhe valia ter ido fazer o monte atrás do lagar.)
Já agora espante-se quem quiser: então este povo não é tontinho de todo? Já há mais de 30 anos que constata, com toda a evidência, que nem os do punho fechado, agora rosas, nem os das três setas com curva em baixo e viradas para cima, lhe resolvem os problemas, e, ainda assim, persiste em votar neles – nem sei por e para que se queixam – ainda se admira do que lhe fazem. Se pedem, comam. Já nos restaurantes é assim.
Bem ... mas o que nos traz aqui é o PANGALUM.
Comecemos pelo Domingos Perdido, ciclista maniento, só comparável a António Branquinho, esse mesmo, trepador de fama só batido pelo saudoso Tó Ema e pelo Pantalita, que começou a trabalhar antes de nascer: o que fazem os coeficientes de contagem de tempo para efeitos de reforma.... Com 39 anos de idade é aposentado com 44 de serviço.. Por isso começou a trabalhar antes de nascer, 5 anos.
Domingos perdido não nasceu na aldeia mas o nome advém-lhe de ter casado com uma cachopa que em garota andou perdida e daí a alcunha. Mesmo a passear a pé, Perdido, nunca tirava as molas de bicicleta do fundo das calças. Chegava de bicicleta ao fim de missa e , depois de encostar a bicicleta por trás da rua da Conceição do Trem, aí estava ele bamboleando a cabeça cerca de meio metro para cada um dos lados a partir de um eixo vertical imaginário que lhe percorresse a coluna vertebral. Admirava como aquela espinha não partia com aquele bamboleio. Deitou o olho à Perdida, gostou dela e, ala, bicicleta entre as pernas aí subia ele a lagariça e mostrava por que era o Van Impe português. Claro que deu nas vistas e a mãe da Perdida apercebe-se da maningância e: «Ó Maria, Deus te a ti livre que namores com este Pangalum! Pelo jeito de abanar o corpo ele há-de Ter algum defeito. Deus te a ti livre. Teu pai alevanta-se do cemitério e mói-te o corpo com um arrocho. Deus te livre!" Mas Maria também se encantou com o Domingos, o casamento fez-se, emigraram, foram felizes enquanto um deles não abalou primeiro para a tapada dos calados.
Fui muita vez aos pássaros, à noite, com o Perdido. Duma vez, longe, lá para a lomba, noite feia, sem lua, demos com um bando de estorninhos a dormir perto da ribeira nuns pinhos mansos. O Perdido orientava as operações. Tinha uma Flaubert, diana 50, ex-libris das armas de pressão de ar, com mira telescópica, pintou-lhe a cabeça do ponto de mira com tinta dourada, tinha uma pilha ligada a uma bateria de televisão e só queria um que lhe apanhasse os pássaros porque ele com um elástico à volta da cabeça se alumiava a si mesmo. Era terrível o equipamento do Perdido. Nem parecia um Pangalum. Vínhamos já embora, aqui saltávamos parede, ali encarreirávamos por vereda, além calcorreávamos um cabeço, e, logo, apanhávamos o caminho do carregal às endireituras da ponte das taliscas, subíamos à tapada do nabarro, descíamos atrás do cemitério e entrávamos na aldeia sem pisar alcatrão, não fosse a guarda estar por ali à espera, quando, nas amendoeiras do lagar, Perdido alumia e dá de caras com uma rola:”XXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIUUUUUUUUUUU.” Tudo se calou e Perdido, sozinho, solene, carrega a arma, alumia, aponta, dispara,a rola cai, apanha-a, e diz: «Esta não vai para o monte. A minha Maria, amanhã, papa-a » E vou eu: «está certo, é assim mesmo, assim nunca fica a rola perdida no meio dos estorninhos». E contramestre que, por acaso, naquele dia também fazia parte da faena:” MAINADA.”
Na lagariça morava também o comandante, figura incontornável deste espaço, que, um dia, ao subir do povo para casa, se depara com o seu filho mais velho à porta de casa, fralda de fora, lábios roxos, barriga à mostra, palito na boca, encostado ao batorel: “rais ta partam,Tonho, és a vergonha da minha cara; não te envergonhas... em vez de ires à missa, emborrachas-te. Pareces um pangalum.” E o troco:« sabe com o que é que eu me embebedei? Foi com os cinco litros de vinho que me mandou cá a casa» E o velho: « Olha! Sabes porque é que te mandei os cinco litros? É que andei a ler no livro e não encontrei o teu nome nem na cava, nem na escavacha, nem na esborralha, nem na vindima. Foi por isso que te mandei cá os cinco litros. És mesmo um Pangalum.»

6 comentários:

Anónimo disse...

"M'acaio, M'alevanto, Não tchego lá c'uma Bota, tchego lá c'um Tamanco!". Tandes c'uma produção imparável. Hei-des ir longe senhor. Só espero que a aposentação dos 39 a valer 44, não seja nenhuma boca foleira prá tropa. Hoje tou mal disposto e muito susceptível! "Empalarem" a tropa com a Reforma e a Saúde. Já tamos habituados. Já nem é preciso VASELINA. Nos últimos 20 anos é sempre a baixar a calcinha.

Anónimo disse...

Pangalum...
Quando li isto estive mais de dez minutos a puxar pla cabeça pra descobrir em que contexto já tinha ouvido esta expressão.
E lá cheguei:
"Pangaluns" era o adjectivo que o Nicas das motorizadas e motores de rega lá d'aldeia usava pra classificar quem chegava com mais um remendo pra fazer à hora que ele decidia ir à tasca da Ti Rosa...

Anónimo disse...

O Almadodiabo tem a solidariedade, do pratitamem. Àlias até vi a palavra num dicionário de LP de Eduardo Pinheiro, de harmonia com o Decreto nº 35228, de 8 Dezembro de 1945. ( 6ª Edição )

Anónimo disse...

O Mundo devia ser, como o meu avô Poéta dizia, dizia. Ou seja não mudar ao ponto de se admitir que o homem foi á Lua, fazia a pergunta pra ver, se algum já lá tinha ido. somos seis. Depois ficava com a impressão dele, e ia cantar o Fado.
Como sou um neto orgulhoso, acho que o meu avô queria dizer, que o mundo muda na nossa prespectiva, mas continua á mesma distância da Lua. Mas ele também não sabia que o seu neto fadista ia falar sobre a lua, através de fios, numa Aldeia que é agora virtual, nunca foi da Historia mas agora, já não tem ribeira. Eu vou dizer juro! aos meus netos que a evolução da expecie não começou no peixinho vermelho.

Anónimo disse...

Porventura este Post sente-se infeliz, digo eu, ou então os ecologistas ainda não chegaram de férias da Patagónia. 4 com. revela ou racismo em relação aos peixes vermelhos, ou preconceito em relação aos pescadores de bass. eu estou no preconceito, nunca foi minha idéia, ser virgilio, mas ver correr a agua éra. Pontes giras, vou a Lisboa, pontes, pontes já não temos, praia fluvial, nunca teremos, aquário gosto, mas faço em casa. Meu deus como é possivel tranformar a nossa Granja tão linda, numa cidade em miniatura. E isto já vem de trás. Não sou arquiteto, mas por favor não estraguem o espaço social, não estraguem a natureza, ao contrário lembrem-se do prof. Landeiro, e da vida a correr tranquilamente na Ribeira. Mesmo que não ouvesse achigã.

pratitamem disse...

EMENDA do soneto do pratitamem: Onde se lê netos, deve ler-se Afilhado e os filhos desse!! Seus netos-sobrinhos!!!