Já andáveis com saudades! Todos temos na vida momentos em que o lazer e/ou o prazer tem que ficar adiado. Foi o caso.
Em tempos num encontro com Fernando Namora a que tive a oportunidade de assistir, explicou ele que já tinha todo o livro escrito, faltando-lhe apenas a primeira frase e o título. A estória passava-se no Alentejo, mais concretamente em Pavia, e ele resolveu deslocar-se à vila para ver se se inspirava. Contou que não demorou mais de um minuto a arranjar a primeira frase e título: O livro é "O Trigo e o Joio" e a primeira frase:" a vila é uma rua". Nem mais. Podeis confirmar.
De repente, também me transpus para a curva do adro da nossa Igreja (que bem precisa de umas obras e, pelo menos, das paredes limpas e dos vidros substituídos, e....).
Olhei para cima na direcção de Aldeia de João Pires, e que vi eu? A aldeia como era quando eu era garoto.
Não havia café da Rosa, a casa estava a cair e o Zé Augusto é que a reconstruiu, ao lado onde é agora a casa do Chinchas, era a casa da velha Mona, cuja loja estava arrendada ao Fatela e era onde ele tinha o sal para as salgadeiras e outras drogas que não podia ter na tasca. Lá dentro tinha um poço onde eu ainda refresquei muita laranjada Cristalina e alguma cerveja, para além de uns garrafõezitos de vinho bem arrolhados. O largo, em frente, era terra batida com o talho do ti Zé Rolo e a tasca, na perpendicular a casa de alferes Rei, o homem das festas populares, ao lado da casa do Clube Fernão Lopes que tinha no r/c a barbearia, primeiro do sr. Joaquim Vicente e depois do Domingos Patanisca e Zé Maroco e, à ponta, a tasca do Zé Júlio.
Regressando à estrada -afinal a aldeia é uma rua, como dizia o Namora - passei pela casa da Conceição do Trem que vendia desde chita da tabela até bacalhau corrente e do graúdo, a tasca do fatela, o quintal do chquim pardalinho e menina aguércia onde se comia arroz de manjerico, e logo o do Zé Geadas hoje do Antonino. Em frente a tasca do Chico Miguel que tinha, pasme-se, quatro furdas de porcos coladinhas às escadas que dão, ainda hoje, acesso ao primeiro andar da casa e ao pátio, lá por cima. Logo após, o Tó Robalo e o largo do batoco com a paragem das camionetas. A casa do Carradas, hoje café, era da ti Antónia Costa e tinha por baixo o porco e a burra. Assim mesmo. A da esquina, da Pragana, tinha também um burro e na escadaria de acesso havia um buraco onde estavam as galinhas que andavam livremente pela rua. De vez em quando um carro passava e depenava logo metade da pita. Essa casa do Carradas tinha um balcão alto com laje no cima onde se fazia a descamisa do milho até às tantas. À esquerda ia-se para o cavacal e à direita para o outeiro. O largo do Batoco, onde agora está a sede do tribunal da má língua, tinha uma poça de água ao canto, por detrás da casa, onde o povo embacelava vides. A história deste baldio e da sua "requisição popular" ainda um dia aqui há-de ser contada. As galinhas = pitas andavam livremente por ali e nós jogávamos o pião, a bilharda, o pinoco, o malhão = burro, a esconder e a achar, ao fito, à raioula, ao espeta,... Duma vez ao filho do Zé Pantelhão, o Zé Inácio, que está em França, furei eu a bota com o ferro aguçado pelo ti Mné ferreiro, que lhe deixei o pé pregado. Levei uma malha.
À tarde, era ver as Gornhatas, a Espeta Figos, a Surreição, a mulher do Calça Defuntos, a Tonha Costa, a Nicas e as mais que por moravam por perto, vindas da rega da horta, ali chegavam e«gacha, gacha, gacha, gacha, !pnina, pnina, pnina, pipipipipi...Não sei como, mas as galinhas lá acudiam ao chamamento e estendiam uma passadeira da boca do poleiro até ao chão e as galinhas lá seguiam atrás delas, para o descanso nocturno. Era a ACADEJA.
Quando a semente proveniente das eiras era lançada para os arcazes era a Acadeja. Se te pediam para chegares para perto de quem pedia um objecto distante, do tipo: "ACADEJA-ME aí o foição! era ainda a acadeja. Se te pediam para esconderes o sacho no segundo rego da leira do feijão verde era :"Não te esqueças de acadejar o sacho no rego".
Como ficais agora cientes, esta palavra era polissémica. Maináda!
Mas a estrada continuava: o fechamento do largo da paragem das camionetas era feito pela casa dos pais dos que aqui escrevem e, seguindo acima, vinha o João rela e o João robalo com capoeira e coelheira mesmo ao lado, chegadinhos à oliveira grande que já não o é e que tem a ver com o nosso pratitamem. Em frente, quintal e casa de Julho Casqueiro ou Aspirante, Chico Rolo, Maria Esteves, à esquerda, quintal do Ribeiro e casa do sr Brigadeiro, hoje de nosso Fernando, com a horta da madrinha Angelina e casa do velho Argentino, estrada das Águas, quintais do Carradas e do regedor primitivo, palácio do tenente Birra em frente ao Chico Sarapião e chquim Área..Galinhas por todo o lado e à tarde lá vinham as mulheres, Tecla incluída, mulher do ti Mnel Ferreiro, artista maior de relojoaria e ajuste de aros em rodas de carroças e carros de bois, e: "Pnina, pnina, pnina, gachagacha, gachagacha! Todas acadejavam as suas pitinhas, não raro sem lhes meterem o dedo a ver se o ovo do dia seguinte já vinha a caminho...
Chegamos à curva das antigas escolas, um enorme sobreiro, o forno colectivo, o quintal e casa do professor Tanganho e D. Carminda frente ao Ferro Velho ou Forelho, Zé Verniz, e grande Celestino, paredes meias com o ti João Toscano e Penajóia. Era assim a estrada da nossa aldeia.
Havia apenas duas pessoas que faziam desviar a malta da estrada: Padre Zé Pedro, no seu ânglia e Dr. Landeiro no seu Peugeot. Aí o grito não era ACADEJA, mas ARREDA!ARREDA!ARREDA!
Outro dia logo vos digo como era a estrada do adro para a vila!
Hoje ficamos com este jogo, mas não resisto a que, como estamos em tempo de pesca, vos dediqueis a comer, comédado, uns peixinhos de água doce:
primeiro pescá-los, não destripar nem escamar, acender um bom borralho de esteva ou giesta, queimar a grelha, arranjar uma plangana com água da ribeira onde o peixe se pescou, salgar essa água a gosto, depois um pratinho onde está um molho feito de alho esmagado à bruta, azeite e vinagre.
Eis a sucessão:
1 - aventa-se com o peixe para a grelha, se cair para o borralho não faz mal
2 - vira-se para assar dos dois lados
3 - tira-se com uma sovina
4 - atira-se para a água salgada
5 - recolhe-se e passa pelo prato do molho
6 - põe-se em cima da fatia do pão
7 - papa-se.
Se verificardes bem, aí ao quinto peixe, a água fica quente e o sabor do peixe melhorará substancialmente.
Vantagens: a carne do peixe solta-se das espinhas, toma-se convenientemente do sabor, saboreia-se como pertence, não se suja mais louça - a não ser um copo se não quiserdes beber da borracha ou directamente da garrafa - .
Experimentai!
Ensinamentos de velho, que comigo, acadejou muito peixe na barriguinha.
UM XXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!