domingo, outubro 24, 2010

A NOSSA FALADURA - CLX - BOIEIRA

Não sendo muitos, sempre foram alguns de que me lembre, os chamados "negociantes", por terras xêndricas. Nenhum se sobressaía aos outros e, muitas vezes, até faziam sociedade. Lembremos uns quantos: Zé Labouxa (o tal que descobriu o ninho à mouxa =mocha - fêmea do mocho), ti Chquim Vaz, pai de Alberto, autêntica esponja vinícola, que todos os anos moía com a sua mansa junta a azeitona no lagar da Lameira.
Que pena ter-se ido esse lagar!
Tenho visto muito lagar de varas mas nenhum como esse: nem em localização, nem em espaço, nem em lagareiros, nem em qualidade do azeite espremido, nem em convívio, nem em robustez e perfeição de construção. Uma beleza na arte e técnica de fazer azeite.
Já por mais de uma vez me fiz aqui eco dessa riqueza de aldeia que vai desaparecendo aos pouco por debaixo de bosta de galinha, peru e afins... assim se estraga o nosso passado histórico.
Mas voltemos ao tema da BOIEIRA e dos "negociantes": Ainda havia o Ti joão Valente, pai do amigo Zé Cadete que visitou Nova Iorque a bordo da Sagres, o Tonho Augusto, pai de Zé Augusto, marido da Rosa do Café, o Zé Branco e mais uns quantos que esporadicamente também se dedicavam a esta vida, mas não com a frequência dos que citei: Manel Guerra, o Geba e seu irmão Domingos, o Vigura, às vezes Miguelito e, mais tarde a dupla de sucesso nestas andanças, meu tio Tonho Cunha e Zé Cigano.
Corriam os mercados e feiras da raia e viviam dos negócios que iam fazendo. Era vê-los de jaqueta ao ombro e a indispensável boieira, bem presa com alfinete de dama, no bolso interior.
Burros, machos, vacas e vitelos, rebanhos inteiros, tudo negociavam e pagavam a pronto: sacavam da boieira e de lá retiravam as "notas". Um burro valente, manso de dente são, alto de joelhos, crina reluzente, bem arreado era animal para umas quinze notas, o equivalente nos tempos de hoje a sete euros e meio. Exacto: um conto e quinhentos ou quinze notas que era a unidade de negócio e valia cem escudos cada uma. Tinham a efígie de D. Afonso de Albuquerque e pareciam um lençol.
A contagem das notas e a consequente passagem de uma mão para a outra tinha um ritual: Sacada a boieira, essa enorme carteira em cabedal, bordada e com dois rasgos protegidos por duas películas de casquinha onde estavam a mulher e os filhos em fotografia, as notas começavam a ser puxadas uma a uma, esfregadas entre o indicador e o polegar, confirmando se não iam duas de uma vez a troco de uma cuspidela nos ditos dedos e: "Promeira","Sgunda", três, quatro, cinco... "Conte lá a ver se lá tem cinco que ele fez-se para se contar". Conferida a mais que revista enumeração, voltava-se ao ritual: Promeira, Sgunda,... até terem passado as quinze notas de uma boieira a outra.
Ao fim, é claro, havia sempre o alboroque. Todos os negócios eram feitos com alboroque, ao fim. Era o fechamento do contrato.
Duma vez Chquim Vaz viu-se negro com um cigano: vendeu-lhe uma burra já quase cega, bem tratada sem dúvida, mas de aparência desleixada. Passados quinze dias, na feira da Zebreira volta a encontrar o cigano e negoceia com ele uma burra. O cigano bem dizia: "é um belo animal embora num tenha vista, mansinha como a terra, sabe lavrar, andar para trás com a carroça e chega-se ao batorel para as mulheres se poderem montar...mas num tem vista" Chegam a acordo por oito notas, Vaz traz a burra na camioneta do Balhau e mal a descarrega na Lameira a burra mete-se a caminho direitinha ao palheiro. A ti Ana mal a viu: "Olha a Boneca". Chquim Vaz nem estava nele, praguejou, amaldiçoou o cigano e volta à Zebreira, mas cigano viste-o! Lá tirou inculcas e consegue saber que vivia em Segura... Lá vem com Balhau e Boneca, acaba por encontrar o cigano e ia-se a ele... O cigano:"calma... Eu num o enganei... Sempre lhe disse que era um belo animal mas que num tinha vista. " Chama-se a guarda, confirma-se a versão do cigano e o veredicto foi que não foi o cigano que o enganou, mas ele que se deixou enganar pela beleza do animal. Vaz roía uma travisca de giesta e diz para o cigano:"Torno-te a burra por cinco notas" O cigano agarrou nas cinco notas e tornou a ficar com a burra. Vaz andou uma semana sem dormir: a pensar que tinha ganho na venda da burrica acabou por perder três notas na torna e mais duas e meia que teve que dar ao Balhau pelo frete, fora os copos que bebeu para abafar a mágoa.... Vidas!
Tardou a ter outra vez a boieira cheia.
XXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGGGGGRRRRRRRRRRRRRAAAAAAAANNNNNNDDEE

sexta-feira, outubro 08, 2010

A NOSSA FALADURA - CLIX - CHÓ OU CHOCHE

Que me lembre foram dois os burros mais famosos da Aldeia dos XENDROS: por encima de todos a burra do vellho Freitas, a quem só faltava escever e falar, o resto sabia tudo, dizia ele, que tinha o palheiro para a besta , ali na rua do Outeiro a dar para os Cabeços, quase pegado com o Chquim Gonito. Segundo o velho Freitas, a quem já conheci de bengala, mais para lá do que para cá, era a burra que o despertava, manhã cedo, para acender o lume para a ti Emília pôr os feijões a cozer, para a bucha da manhã.
O outro burro, este, mesmo burro, inteiro, ruço, orelha afitada, alto, macho assim mesmo comédado, possante, emparelhava com novilha no carro de Zé Luís Barata.
Foram muitas as vezes que lidei com ele, mormente quando ia apanhar caruma para os lados da serra, a dar vistas para a Bemposta, nos pinhais do professor Tanganho e do Silva da Santa Marta, ou, se preferirmos, Cum filhode puta, senhor que era do mais que famoso tractor fiat azul de motor à vista. ... Grande máquina... Este animal de nome 'Estudante', tirando o mês de Março em que a reprodução burreira impedia função que não fosse a do acasalamento, era duma mansidão e trato incríveis. Em Março, todavia, Zé Luís via-se aflito para o conseguir suster no palheiro. Foram muias as vezes que rebentou com a corda que o prendia à manjedoura e que com as patas escavacou a porta de entrada . Mesmo Zé Luís, nessas alturas, só conseguia pegar-lhe à noite, até que decidiu prendê-lo com corrente de ferro e freio justo no dente, cossenão o bicho deixava de conhecer o dono e tornava-se bravo que só visto.
O sexo e a reprodução , como dizia o meu querido amigo Lameiras, "tinha lá porras".
Ainda hoje habitam a aldeia netos do Estudante.
Havia outros asinos de qualidade, alguns de nomeada, fosse na jeira da lavra, no acomodar ao batorel para as donas se montarem de cernelha na albarda, na habilidade a andar para trás com a carroça, no ritmo cadenciado de tornar e tornar em volta da nora de olhos vendados, na força com que ferravam os cascos a puxar os carros com os moios da semente por alturas da acarreja,... Havia até alguns que serviam de guias a um par de cabras e umas quantas ovelhas conduzindo-as, sem o dono a acompanhar, até à Quelha Funda, ao Carregal, ao Ribeiro Cimeiro, à Lameira da Pinta, às Portelas, ao Batcharel e a mais sítios que não vem aqui ao caso. Podemos citar o burro do Rogante, imponente, que mais parecia um mulo, a junta do Júlio Aspirante, e , claro, a não menos famosa burra do Zé Borges, fidalga, que até tinha um papel de celofane verde a tapar a testeira durante o Verão, "por mor do Sol" , que nunca comia palha e chegou a trazer fraldas quando Borges queria os cagalhões para semear os alfobres. Era lavada e escovada por D. Isabel de 15 em 15 dias. Ficava a alumiar.
Estudante nunca se serviu desta donzela, que Borges guardava-a em bom recato por alturas do cio e se tinha que sair com ela, informava-se antes por onde Estudante vagueava...
Duma vez me lembro eu que o burrico do João Rela, por metade do Estudante, mas inteiro como ele, apesar de preso à ferradura do Ti Zé Júlio, enquanto a ti Isabel fazia a troca da semente pela farinha, mandou dois escritos, atirou com as angarelas ao ar, arreganhou os lábios, aferranhou os dentes e atacou a impecável burra de Borges, mostrando toda a sua membral pujança e espetando com Borges no chão no intuito de satisfazer apetências que não obedeciam a qualquer moral.
Fotografia não tenho mas imaginai o que foi um burrico de metro e dez a querer possuir uma burranca de metro e setenta.
Um fado foi o que foi e o povo a rir e a gozar à farta, Borges a praguejar e Isabel quando vem à porta e vê o estrago, deita as mãos à cabeça e « rais palira o burro e a mais o zé borges que tinha tanto caminho para passar e logo veio por aqui para me desaustinar o Mimoso. Pouca sorte a minha»
Bem que gritavam um e outro, "CHÓ BURRO, COCHE BURRA, CHÓ BURRO, CHOCHE BURRA. Nada.
Borges, que até tinha estribo na albarda, apreciava os estragos, sacudia o casaco que usava mesmo no pino do Estio, praguejava por ter sujos os sapatos reluzentes, apreciava as palhas no impecável chapéu verde garrafa, que tirava com esmero, mas não se metia no engate de Mimoso com a sua Felosa.
Lá fui eu, mais coiote pete e três dôques a ver se resolvíamos a contenda. Valeu que as rédeas eram compridas e, armados de cacetes jeitosos, lá puxamos o Mimoso que espumava e afastámos a Felosa que se tinha posto a jeito mas nunca se amagou a pontos de a cópula poder ter acontecido. Ficaram os dois mal e o mais satisfeito era Zé Borges que assim mantinha intacta a sua Felosa, lavadinha e perfumada por D. Isabel e com estribos na albarda.
Agoras sempre vos digo que burra sofrida era a de Teixeirinha que lhe metia silvas debaixo da albarda para andar sempre a galope e burra mansa como a terra e que fazia tudo o que eu lhe ordenasse era a da minha avó. Nunca lhe bati, bastava que lhe falasse e ela cumpria. Ia com ela para todo o lado, mas sempre a desaguava com umas águas ludras de vianda com farelo e , pronto, tinha o que queria dela. Se dissesse "CHÓ" estacava, Se dissesse "esquerda," parecia um soldado fiel.. Foram muitos os sonos que dormi a cavalo nela porque tinha absoluta certeza que, a partir do momento em que a virasse para o caminho para onde queria ir, ela lá me levava e parava só debaixo da figeira curiga que por lá estivesse...
Grandes animais...Estes sim, mereciam confiança...
Para bom entendedor...

XXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGGGGGGGGRAAAAAAAAAAAAAADDDDDEEEEE

sexta-feira, outubro 01, 2010

COLHEITA DOS GATCHOS 2010

Confira-se aqui como foi em 2008

Confira-se aqui como foi em 2009


Agora, deguste-se 2010:


CARDÁPIO


TRASEIRO DE CERDO BEM CURTIDO EM SALGADEIRA À MANEIRA
E APRESENTADO EM ALTAR MADEIREIRO, JUNTO COM AÇO CORTICEIRO

LASCAS REDONDAS DE ENCHIDO MAGRO CORTADAS A TODO O LARGO
BICAIS OLIVAS, A MERECER "VIVA"

ARREDONDADA ESTRELADELA DE PEIDOS ENCASCADOS BATIDOS
COM ACOMPANHAMENTO DE VÁRIOS TIPOS DE ENCHIDOS
PIMENTOS DE VÁRIAS CORES
E ERVAS DE TODOS OS SABORES

OUVIDOS DE TÓ COZIDOS, MIGADOS E TEMPERADOS A PRECEITO
COM COENTRADA, BOLBO CHOROSO E O MAIS QUE VIER A JEITO

CALDO BASTO LEGUMINOSO DE FEIJÃO ENCARNADO
COM MASSA MANGA DE CAPOTE E DE COUVE ENFEITADO

JAVARDA PEQUENA EM CAÇOLA ARGILOSA
DEIXADA DE MOLHO PARA SER MAIS GOSTOSA

CABRINHA FORRA DE MEIA IDADE, POR TAL SINAL,
QUE NEM A QUEM SOFRA DO ÚRICO FAZ MAL

CICLISTAS, LENTILHAS, GRAVANÇOS, FEIJÕES
E TUBÉRCULOS ASSADOS E ESMAGADOS AOS MURRÕES

CASQUEIRO FORNEIRO, LEITE ESPREMIDO E FERMENTADO,
TINTO, BRANCO E DEMAIS LÍQUIDOS, TUDO DO VERDADEIRO

QUEM QUISER FRUTA ENCHA A BLUSA AO COLHER
OU TREPE À FIGUEIRA E COMA OS FIGOS QUE QUISER
DIXIT ET SCRIPSIT

NIHIL OBSTAT

IMPRIMATUR



mainada!