sexta-feira, junho 13, 2014

A NOSSA FALADURA - CCXXV - I (N)DENBANÃO

O velho comandante, por mais de uma vez me disse:« olha que tu tens duas orelhas e só uma língua, portanto, isso quer dizer que deves ouvir o dobro e falar metade». E continuava (com toda a carga de machismo que isto possa ter):« num sejas como as mulheres que, mesmo que lhe cortem metade da língua, inda falam o dobro do que devem».
Foi por um acaso que justifiquei esta aglutinação popular. Dito de outro modo: soube ouvir. Afinal este fonema que parece não ter sentido, resulta da aglutinação de três palavras: ainda bem não. Agora já fica claro o seu significado.
Talvez que a figura mais misteriosa que pisou solo xêndrico  tivesse sido Tonha Freira. Muito se ouvia a seu propósito, mas tudo era tão controverso que nada fazia sentido e fundo de verdade não se vislumbrava nas diferentes versões do que teria sido a vida daquela mulher. Certo era que não era muito benquista por ninguém, nem mesmo por aquelas que andavam sempre a bater com a mão no peito e a defender que nos devemos "amar uns aos outros como irmãos". Não a aceitavam nos enfeites da igreja nos dias festivos, não lhe permitiram que fosse catequista, nuca foi ela que deu início aos cânticos litúrgicos. Todavia, nunca se ouviu daquela boca um resquício de desejos de vingança.
Muitas vezes me pus a questão do que viveria aquela mulher. É verdade que, de vez em quando, me aparecia com uma cesta de queijos curados e me pedia para lhos pesar um a um e lhe fazer a conta individualmente. Mas, mesmo assim, algum dinheiro que ganhasse na venda de queijos, que ela própria já tinha comprado e apenas tratava, nunca daria para a sua sobrevivência. Eu que era invasor de grande maioria das casas nunca entrei na dela. Mesmo na visita pascal, circunstância em que eu, como portador da cruz para o beijo comum, era sempre o primeiro a entrar, alguma vez passei o limiar da porta daquela casa.
O que se dizia é que ela teria feito o noviciado e os votos de uma qualquer ordem de freiras, teria pertencido à congregação, mas a sua velhacaria era tal que foi expulsa do convento com uma pequena reforma. Nunca a vi receber uma carta sequer, nem nunca soube o seu verdadeiro nome. A verdade é que apenas tinha o trajecto de casa para a igreja - não faltava a um único acto litúrgico - e da igreja para casa. Só ia por outros lados quando andava na venda dos queijos. Nem família , alguma vez alguém lhe conheceu. Apareceu por lá e por lá ficou até morrer.Nessa altura já eu andava por outras paragens e ainda não foi dessa que entrei com a caldeira da água benta e respectivo hissope.
Quando a Menina Irene ou a Clara Violas iniciavam os cantos logo o trinado da voz de Tonha Freira se fazia ouvir. Distinguia-se perfeitamente já que tremia a voz como nunca ouvi fazer a ninguém. O mais parecido com aquela forma de cantar era o assobio de Mnel Cara Velha. Indenbanão, Mnel  arrancava a assobiar e tudo se calava para ouvir. Aquilo não era um homem a assobiar, eram três: ninguém sabe como fazia mas o assobio vinha harmónico: parecia três. Era mesmo um encanto de ouvir. Nunca ninguém me encantou tanto com um simples assobio . Faz lembrar o saudoso Dr. Luís Goes: quem tiver mãos livres ou  um assobio, nem é preciso que saiba cantar»
Tonha Freira ensaiava-se em casa. Ia eu a levar uma bilha de gás no já mais que famoso carrinho quadrado de duas rodas ao professor Tanganho quando dembanão, ao passar à porta da casa de Tonha Freira, oiço a sua voz tremelicada. Espequei e fiquei a ouvir enquanto durou.
O mundo é mesmo assim: tem sempre segredos por e para desvendar..
Hoje a crónica fica curtinha senão dabanão fico sem leitores.
XXIIIIIIIGGGGGGGGGGGGGRRRAAAAAAANNNNNNNNDDDDDDDDDEEEEEEEEEEEE!