quarta-feira, novembro 23, 2016

A NOSSA FALADURA - CCXLVII - (T)CHASQUEIRO

Vão já longe os tempos em que este vosso amigo, pelas seis da manhã, em pleno inverno, ia das terras xêndricas até às portelas com uma escada de pinho aos ombros, pesada quanto bastasse, com 18 degraus, feita por Tonho Sarrabeco, para se chegar ao cimo das oliveiras mais altas. Era o tempo da azeitona... O caminho nada tinha de fácil e, como era completamente de noite, não raro, o que parecia caminho direito, era um charco em caramelo que afundava ao peso ou proporcionava escorregadelas para as quais era preciso equilíbrio mais que de patinador emérito...Não penseis que "era logo ali"...não; era bem longe: para lá das minas do pinheiro. Acontecia muitas vezes enterrar as botas de borracha  num (t)chasqueiro e ter que aguentar todo o dia com os pés molhados, ou quando muito, pôr as meias espanholas de uma lã grossa e rudimentar a secar, na ponta de um pequeno varal, no lume, que logo cedo se acendia, antes que os trabalhadores chegassem ao olival. Era ver a evaporação a processar-se e meu pai a gritar que era preciso estender o fato (panais ou toldos) debaixo das oliveiras e encostar as escadas  prontas para as mudas quando os homens chegassem. Era preciso saber encostar a escada, sempre a tombar para dentro e ao sol, pela manhã, que luvas não havia e as mãos facilmente arreganhavam, o que obrigava a ir aquecê-las ao lume. Para o patrão, isso era tempo perdido ...Viam-se os restos das minas cujos detritos ainda hoje por lá estão... Extraía-se para além do volfrâmio - o mais valioso - ou não estivesse o mundo em guerra  e as armas exigissem esse mineral na sua composição, a galena, para os rádios, várias pirites, hematite, magnetite e limonite, entre outros minerais. 
Era o chamado "tempo do minério" (vg. volframite). Muitos eram os que, malucos com meia dúzia de tostões, chegavam a fazer cigarros enrolados em mortalhas com notas de vinte escudos. Cheguei a vê-los a comer rapé, tal a força do vício. Se o não comiam, pelo menos mascavam-no. Muitos tinham as ventas (narinas) tão largas que os polegares eram mindinhos...
Estamos a falar do final dos anos 50, princípios de 60 do século passado em que um homem, a trabalhar de sol a sol, ganhava à volta de dez escudos . Quem não conhece o valor do dinheiro estranhará estes 'jornais' ou jornas, mas até eu, mais novo que essa gente, em rapazote, comprava um par de sapatos de sola e calfe, por quinze escudos. Aos tempos que correm seriam sete cêntimos e meio. Impensável para os tempos de hoje... Comprava-se um andar na cidade por setenta contos e um carro por quarenta... Pronto, vamos lá traduzir: um andar custava 350 euros e um carro duzentos. Pois... Conheci mineiros que vinham de táxi a Castelo Branco, todos inchados, só para cortar o cabelo.
Era a loucura absurda dos tempos do minério, como já acima vos referi.
Foram muitos os xendros que trabalharam nessas minas, não só, nas referidas minas do pinheiro como nas chamadas minas do Palão, geograficamente identificadas como minas da ribeira da ceife, cuja produção principal era a galena.  Outros tempos... mas não menos (t)chasqueiros.
Histórias muitas ouvi, passadas nessas minas, que dado o seu conteúdo tristonho e horrendo, me dispenso de aqui vos trazer. ..
Há uma, porém que, tendo sido vivida por um mineiro, melhor dito, por um filho, que entendo deixar-vos aqui. 
João Espeta-Figos chegava a passar um mês sem vir a casa, sempre a trabalhar nos túneis das minas do palão em condições mais que desumanas mas, como muitos dos xendros, queria que o seu filho de sete anos, fosse à escola e à doutrina (catequese). A Menina Irene, a Tonha Freira, a Clara Violas  e até eu, um pouco mais tarde, eram as catequistas de serviço e foi de menina Irene que a ouvi um dia que lhe fui levar uma bilha de gás, naquele mais que famoso carrinho quadrado de duas rodas que eu conduzia como ninguém por aqueles empedrados do outeiro, cavacal ou lagariça.
Contou, então, menina Irene, que o filho do Espeta-Figos, creio que ainda hoje anda pela França a fazer pela vida, chegou um dia a casa depois de um dia de catecismo, em que se ensinaram algumas das orações mais comuns do catolicismo - sirva de exemplo o Pai-Nosso - aflito a dizer à mãe que era preciso ter muito cuidado com o bicho malamén... (É preciso lembrar que, em muitos casos, só os homens emigravam, enquanto as mulheres ficavam por cá. Algumas foram depois ter com os respectivos maridos mas muitas esperaram por cá até que eles "viessem de todo").
A mãe não entendeu o que era o bicho malamén...
O cachopo, então, explicou que tinha estado sempre a rezar o pai-nosso que acabava, tal como sempre acabou e acaba," e livrai-nos do mal. Amén" Tantas vezes ele foi obrigado a dizer a oração que lhe ficou a recência do final.. Como não entendia o que era o Amén, juntou o MALÀMEN, julgando tratar-se de algum bicho perigoso...
Por isso dizia para a mãe: " Deus nos livre do malamén, que deve ser um bicho mau como o diabo.
XXXXXXXXXXXIIIIIIIGGGGGGGGGRRRRRRRAAAAANNNNNNNNNNDDDDDDDDEEEE