Sempre as aldeias tiveram e têm um tontinho, ou mais, e espalha brasas que, em menos que leva a apagar um fósforo em dia de vendaval, difundem uma qualquer notícia, não raro, distorcida.
Mesmo que não sejam tontos (tarantas), algumas mulheres há que, em menos de uma ave-maria põem uma notícia do beco da ribeira ao cimo do ribeiro cimeiro e do bairro da padaria ao alto da lagariça. Exemplos mores dessa arte de espaventosa capacidade de comunicação foram Tecla e Pieres, por exemplo, ou Paca, velha Raposa ou Ilda do Vinagre. Eram bichas de rabiar em fogueira de S. João. O comandante bem dizia: " isto é má gado: às mulheres inda que lhe cortem metade da língua falam o dobro... deus deu-nos uma língua e duas orelhas, é para ouvir o dobro e falar metade". Filosofia de trazer por casa, mas funcional. Exemplos de tarantas lá temos o inefável Tonho, entretanto desaparecido, o Tramoço, Fainica, Feijão que não sendo espalha-brasas também aldeagavam quanto bastasse. Rosnavam ameaças, inventavam atoardas, ameaçavam-se fazendo o gesto mais revelador de pré-início de luta a sério: punho fechado por debaixo do queixo, ao mesmo tempo que, depois de traçarem um risco no chão:" se pisas o risco arrebento-te a alma!".
A Vontade de Poder, essa força que nos move a partir do mais básico de nós mesmos, em que o cérebro reptiliano avassala e subjuga todas as aprendizagens, sejam elas tradicionais ou pessoais, permitindo acções que até nos fazem, por vezes, gritar: "esta nem parece minha", a Vontade de Poder, queria eu dizer, impõe que fiquemos sempre por cima, que sejamos os vencedores, que ninguém nos ponha os pés no pescoço. Muito simples, como dizia um dos maiores vultos do pensamento ocidental, castrado na sua mensagem, só porque ousou ser diferente e não alinhar na NOMENKLATUR e no STABLISMENT, Nietzsche de seu apelido, é tempo, dizia ele, de sermos heróis e não humildes a ponto de nos confundirmos com cobardes. A moral tem que mudar, e essa, de aceitar, resignado, que o que se sofre neste mundo será corrigido no outro, é balela "com que o povo néscio se engana" no dizer do nosso inimitável zarolho.
A figura que hoje aqui vos trago era também zarolha, mas não por ter sido atingido por bala traiçoeira, antes porque um horrível cancro lhe foi comendo aos poucos o olho direito que ele trazia sempre tapado com uma lata. Por isso lhe chamavam o "olho de lata". Era o Mnel, da família dos alfáceas. Bom trabalhador com uma pronúncia muito "sui generis". Dele se conta que duma vez foi a Lisboa ao hospital de Oncologia, ali pertinho de Sete Rios a dar para Palhavã, a fim de fazer umas análises circuntanciais e relativas à sua moléstia: era triste e arrepiante ver a carne a desfazer-se, o que mais não seria sentir como Mnel sentia!!!; quando chega a sua vez de ser atendido as coisas passam-se mais ou menos assim:
- Onde foste ,Mnel?
-Fui às Lisboas, catapum, catapum, catapum, rio abaixo, ao hospital.
- O que foste fazer?
- Lá no Hospital disseram para eu mijar para um garrafo, mas eu enchi três, três garrafos; havia lá umas enfermeiras muita boas, tinham as mamas como as ratas pecarrichas, eram muita boas, anda cá ela!
enquanto foi e veio, logo as pombas correio da aldeia fizeram correr a notícia de que o Mnel se tinha apagado. E pior: inventaram a herança que ele havia de deixar.
A sobrinha que sempre o tratara e, por direito próprio, se tornaria a única herdeira é que não gostou da conversa e faz valer a sua Vontade de Poder:
-Ò varinas dum corno, o que andandendes praí a aldeagar? Invejosas de merda! se vós passásseis o que eu passo a tirar aquela trampa do olho do homem todos os dias até as tripas vos saíam por essa boca! Putas! Metei-vos na vossa vida! Se tivésseis tanto que fazer como eu, não andáveis para aí a dar ao lambarão, feitas bácoras dum corno. Sempre a aldeagar, sempre a aldeagar!O dia que mordêreis a língua haveis de morrer com o vosso próprio veneno!
Linguinha de trapos é que a alfácea não era. O certo é que o Mnel voltou e ainda durou um bom par de anos até que o mal lhe apanhou partes vitais do cérebro e acabou por o levar. Dores que o homem passou não se desejam nem ao pior dos inimigos.
O tempo é como a água: aquele tudo apaga e esta tudo lava, (menos a má língua), ambos correm, fluem e, embora fisicamente, ao contrário do que o velho SKOTEINÒS, Heraclito de Éfeso, dizia - que tu não te podes banhar duas vezes na mesma água dum rio - ou o que dá na mesma, - a história não se repete - verdade é que o eterno retorno anda aí e que que cada ano há uma Primavera, nova e diferente da anterior, é verdade, mas sempre Primavera, a deixar compreender Chatelêt:" em tudo o que permanece, algo está em mudança, e em tudo o que se altera algo há que sempre fica" Eu sou sempre eu mas sempre diferente de mim "- basta ver as fotos do B.I. .
Mas agora reparo eu!, Que diabo estou eu para aqui a aldeagar!?
Ficai-vos com um
XI GGGGGRRRRRRRRAAAAAAANNNNNNNNNNDDDDDDDDDDDDEEEEEEEEE!