quinta-feira, junho 30, 2005

A NOSSA FALA XII - MARIGADA

A Marigada (ou marigueda)

Nome comum para toda a variedade de fruta, mais ainda se se trata de a ir a gamar , é MAROUVA.
Gabava-se o velho peidorreiro que a ele ninguém lhe gamava a marouva e montou uma choça de pastor debaixo da cerejeira. Ouvia-se a ressonar no cimo dos cabeços a partir da lameira da pinta.
Bardinas por excelência, coiote pete, tôcojoão com seu cão favorito toniche e bruto amola tesouras,filho do ferreiro que aguçava a pedra das agulhas ao maralhal que ia da tasca do fatela até acima com um calhau embrulhado num jornal e vinha com outro estrada abaixo já com a pedra aguçada, eles os três, decidiram gamar as cerejas ao peidorreiro. Era assim que se calejava a malta.
Escaldado também eu fui um dia, não com a pedra das agulhas, mas com uma mata bicho às seis e meia. O meu destino era levar uma bilha de gás ao chicharro, detrás do cemitério. Chovia como um corno, mas a vida tem que se gramar como vem. Quando com o meu carrinho de duas rodas , mas de caixa aberta, a aparar a água, o mouraria me chama de dentro da tasca do fatela: anda cá! então não vês que nos enganámos a contar! Mandei vir cinco copos e só éramos quatro. O fatela diz que o que se manda vir tem que se pagar. Aproveita tu!Anda.
Entrei, mamei o copo da jeropiga e virei-me para ir levar a bilha quando me deparo com um semicírculo: Querias beber e não pagar? Agora mandas vir seis que há-de cair outro! E foi assim.
Escusado será dizer que quando regressei já o mouraria, o marrafa, o bites, o prim e puta maluca, estavam com uma bácora na cabeçorra que mal se tinham. O bites já cantava o fado e o mouraria acompanhava com palmas…
Bom… mas as vedetas da história são outras: coite pete, toco João e amola tesouras,bruto, principalmente se encorpava uns brandes.
Por volta da meia noite, já o café do adro fechara eles aí vão. Ouvem o peidorreiro e avançam…trepam à cerejeira, enchem bem os bolsos e, caladinhamente desceram .O toco, no entanto, volta atrás e enche o peito do peidorreiro ressonante com as cerejas. Abalaram e foram comer as cerejas para o batorel do peidorreiro, onde cuspiram os caroços.
Naquele tempo as ruas de aldeia não atordoavam com os barulhos das moto4 e começam a ouvir uns gritos. Aguçam os ouvidos e conferem que se trata do peidorreiro a berrar que nem um capado acusando tudo e todos em linguagem não reproduzível.
Riram a bandeiras dspregadas e lá se foram a dormir com o papinho bem feito com as cerejas do peidorreiro.
Mal amanheceu ele aí vem, nariz adunco, olho remelado e cara por lavar, camisa com nódoas de cereja e tamancos de pau que se ouviam a calcorrear as poucas pedras entretanto existentes ali ao pé do cruzeiro do cavacal. E vociferava: cabrões dum corno, roubaram-me as cerejas e ainda por cima vestiram-me com elas. Se eu sei quem foi parto-lhe a puta da fronha…, filhos duma grande…gatunos dum cabrão, gandulos dum filho do diabo, não houvesse um raio que lhes partisse as patas àqueles bandidos dum corno, galegos, se os caço…
Anda que às MARIGADAS já não mas mamam: vou lá a pôr um chocalho reboleiro em cada parnada, e deixo o trabuco carregado com zagalos e chapo-lhes a alma. Limpo-hes o sebo ali mesmo. Raios me partam se não lhes afundo o bandulho com um tiro.
Toda a rua se levanta a ver o que passa e o peidorrreiro lá contou e recontou a história vezes sem conta…Acabava sempre d mesma maneira: “anda que às MARIGADAS, já não mas mamam”.

sexta-feira, junho 24, 2005

A NOSSA FALA XI - NO SEI CÁ DELAS

Eram mais do que as mães, uma alegria. Eles num lado, elas no outro. Daí a 10 anos haviam de ir todos juntos - eles - às sortes a Coimbra, aprumadinhos para a vistoria, para lhes verem o peito e um pouco mais ao fundo, cada qual na sua vez, e tal como vieram ao mundo. E também haviam de andar 3 dias a arrancar o madeiro para no dia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição se exibirem no cortejo de tractores e ratataus, a tocar o búzio, e a atirar medronhos e laranjas roubadas, às mocinhas. Mas só daí a 10 anos, já Abril florido.

O Senhor Professor seguia a pedagogia recomendada para aquele tempo, rudimentar mas, parece, eficaz, basicamente assente num instrumento absolutamente essencial na arte de bem ensinar a ler, escrever e contar: uma vara de marmeleiro de metro e meio que tanto servia para apontar no quadro de ardósia o divisor, como para descer velozmente sobre a orelha do garoto que lhe chamava quociente. A aplicação do método pedagógico esgotava-se quando o Senhor Professor acrescentasse, bem alto:
- Cavalgadura! Que és uma cavalgadura…
Acontecia muitas vezes ao Zé Tronchudo.
Conformado que não havia nada a fazer pela instrução do garoto, o Senhor Professor tinha-o posto na carteira do Amândio Caga e Tosse, com autorização para dele copiar os ditados. Houve um dia em que o Zé, a copiar pelo Amândio, conseguiu apresentar um ditado limpinho de erros, e este tinha um traço vermelho debaixo de uma palavra. A partir desse dia, sempre que podia, o Tronchudo fazia questão de alardear que tinha sido mais esperto que o esperto do Caga e Tosse.
30 anos mais tarde, ainda lho havia de lembrar numa patuscada de achigãs fritos que fizeram no palheiro do Chico Picha d’Aço.

O Senhor Professor fumava muito, perto de 50 cigarros diários, marca Sagres. Os alunos já estavam habituados à sua tosse cavernosa e àquele som característico que ele fazia a puxar o catarro que se acumulava na garganta. Depois de bem puxadinho, o Senhor Professor apontava ao canto da sala mesmo por baixo do quadro ardósico e, da sua boca saía disparada uma gelatinosa massa esverdeada. O tiro certeiro alojava o dejecto numa mancha cor de breu já velha no velho soalho, tendo sempre o Senhor Professor o cuidado de a esfregar com a sola da sua sempre impecavelmente engraxada e de lustro bem puxado bota preta.

Os meninos não estranhavam. Afinal, era o Senhor Professor, cujo estatuto ombreava com o Senhor Regedor e com o Senhor Prior e com o Senhor Presidente da Junta, autoridades máximas da freguesia.

Assim não pensava a Ti Encarnação, solteirona, beata de profissão, que não tinha qualquer pejo em classificar o Senhor Professor de javardo. Isto porque ele, e a canalha, tinham a maldita balda de, nos intervalos, irem mijar à parede da sua casa.

- Não se pode lá estar com o cheiro, havia de lh’apodrecer a gaita, Nosso Senhor me perdoe.

A garotada alheava-se do debate matinal sobre o cheiro do mijo, preferindo dedicar-se aos joguinhos e às brincadeiras habituais.

O Albano Caipila e o João Mamanaburra jogavam ao espeta, com uma lima de afiar os serrotes.
Uns quantos jogavam ao burro - os que amochavam perdiam se alancavam e tinham de voltar a amochar.
Outros tantos jogavam ao eixo – a habilidade estava em dar toque no cu do saltado e em cantar a ladainha:

eixo rebaldeixo, escaramela o pau do eixo, um por um, dois bois, três inglês, quatro arroz no prato, cinco no cú to finto, seis maria do reis, sete dá cá o canivete, oito biscoito, nove vai dar a esmola ao pobre, dez burro és, onze os sinos de Mafora são de bronze.

O Zé Estroncabrochas, o Tó Espanta Mulas, o Quim Batemuma e o Manel Espantado competiam ao quem mija mai longe. Com a mão a apertar a gaita – cada um a sua – tomavam uma espécie de balanço com um movimento do cu de trás para a frente, aliviando os dedos na posição mais dianteira, por forma a conseguirem esguichar a água uretral o mais longe possível. A cada esguichadela iam todos conferir, mas sem nunca largarem o pirilau, para não se desperdiçarem munições.

O Chico Esfolagaitas, garoto franzino e rodas baixas como o pai, tentava safar-se do garrote que o matulão birepetente Zé Maria Traitouras lhe estava a fazer, a cobrar uma dívida antiga de 2 tostões:
- Ou me pagas o que deves cabrão ou arrebento-te a alma.
- A minha mãe deu-me quatro tostões para comprar açúcar, se tos dou, ela dá-me uma malha.
- NO SEI CÁ DELAS. Ensinei-te o ninho da cotovia, agora pagas.
- Dou-tos para a semana, eu seja ceguinho.

O Senhor Professor assoma à porta da escola e fez soar a sua autoritária voz grossa:
- Ó Esfolagaitas, toma lá um cruzado e vai lá abaixo ao povo a comprar-me um maço de cigarros Sagres. Vá! Vais num pé e vens no outro.

quinta-feira, junho 23, 2005

De Woodstock à Benquerença

36 Years After Woodstock, os 10 Years After na Benquerença.

Quase que me dá ganas de lá ir ver os velhotes, mas se calhar não vou ter tempo.

domingo, junho 19, 2005

A NOSSA FALA X - O ALBOROQUE

O negócio fechou-se ali mesmo debaixo da figueira maranhoa da ti Natividade, quase a chegar à casa queimada que ficava na esquina da ribeira com o chão que o patanisca fazia e do qual invariavelmente eu recebia um saquinho de nozes já sequinhas. Lembro-me bem: figo em cima de brasa ardente a torrar e uma noz inteirinha no meio. Era de lamber, mais ainda se lhe escorropichava um copo de alumínio de jeropiga amornada. Até o sono era outro : àparte algum ronco derivado dos etílicos era toda a noite a falar para dentro. Já não há disto. Nem disto nem daquelas outras histórias do toucinho assado e do pão pingado e da senhora que ia de aldeia à vila e cada momento mais marcante: alto do valente, taliscas, curvas da cardosa, lagar da corredoura e jardim ao fim da subida da íngreme calçada, assim ia dando um peidinho, um peido, um peidão, uma peidorrela e uma valente peidorra. Só aí se lembrou de olhar para trás e conferir que alguém ia atrás de si e pergunta: «ó meu senhor, há muito tempo que vem a seguir a mim? E ele:” desde o peidinho à peidorra que venho a acompanhar a senhora”. Quantas vezes ouvi esta história, quantas?! Eram aqueles serões familiares em que se liam as folhas do jornal que já se sabiam de cor e que serviam de tampão , coladas às ripas, entre a cozinha e o quarto de dormir dos velhotes. Ainda me lembro: O Manuel de Oliveira a ficar em quarto nos três mil metros obstáculos nos Olímpicos de Tóquio. Ali estava ele já fusco do fumo do borralho. Mas era ele.
“Não mexas nas cadeias que mijas a cama”! gritava a minha mãe quando para matar o tempo me punha a baloiçar as ditas empurrando-as para lá e para cá a ver se as horas chegavam. Tempos! Até me fez lembrar o meu avô comandante que a cada tempo dizia:«AH! Tempo!». Ainda um dia aqui trago algumas histórias deste guerreiro impagável.
Ah!, pois, a história era um negócio que se tinha fechado .
-Pronto diz o tamancas, dou-te 15 notas pela burranca e tu pagas o ALBOROQUE.
-Mas só a levas para a semana, diz o pite e vinte. Ainda me falta lavrar a bajanca e o bezerro ainda não atina direito com o rego: a ver se o adomo e depois levas a burra!
- Assim não vale
- É contigo
- Bom, atão dou-te só 14 notas e pago eu o ALBOROQUE!
-Nem penses!
A coisa não andava nem desandava e quando eles estavam nisto, calha a passar o zé labouxa que descobriu o ninho à mouxa e, jaqueta a meio ombro mete conversa.
E o tamancas: quem está está quem passa vai andando!
E o labouxa:fiz-te algum mal ó quê?
Andamento !diz o tamancas
O labouxa era mau filho do diabo e com um copinho na asa, pior!
Vai o pite: bom, isto não dá nada , a minha já está à espera de mim , passa lá por casa e acertamos o trato.
Aí o labouxa que era danado para o negócio mete ferro: « não me digas que estás com a ideia de vender a burra: aquilo é bicho para 18 notas das grandes! Por esse dinheiro é minha!
O tamancas: alguém o cá chamou?
Ó pite, diz o labouxa, toma já 5 de sinal e vamos já àquilo do cavalheiro a beber o alboroque!
Calma ,tzé! Eu só vendo a burra para a semana.
É o mesmo. O mercado de monsanto é daqui a 15 dias e eu levo-a lá com o modas.
O tamancas arranca um calhau da parede do chão do olho de lata e já a ia a espetar nas ventas do labouxa!
Cum filha da puta vinha da Quinta no seu tractor fiat azul de motor à vista e dá de caras com o espectáculo: Hei, hei!Mansos! então?
O pite e vinte puxa o labouxa, emponta-o pela ribeira acima direitinho ao chão da igreja que dá para a lameira e ala! Casa, que se faz tarde.
Cum filha da puta desce-se , acalma o tamancas e diz-lhe: deixa lá o caralho do homem. Monta-te aqui atrás que eu apago-te o fogo com um cagão da pipa. Vamos!
Ao saber da história diz ele para o tamancas com aceno concordante do pite e vinte: Compra mas é um burro destes que não come feno!
Vai o tamancas: pois é, mas também não caga e o esterco faz-me falta!
Iam chegando ali à curva do furdas e a rela trocava um taleigo naquilo do zé júlio e tinha atado à ferradura um burro inteiro, pequenino mas verguio como a puta que o pariu! Cum filha da puta apita a buzina do tractor fiat azul de motor à vista e o cabrão do burro assusta-se: dá três escritos para o ar arrebenta com a rédea, atira com os aparelhos e aí vai ele cavacal acima com a albarda a azorrar segura nas tiras dos atafais, cabresto fora da testeira e a zurrar que parecia que o mundo tinha já acabado. Foi o cabo dos trabalhos para o agarrar. O rela até prometeu que lhe metia um machado nos cornos àquele cabrão!
Tinha sido a este burro que um dia o cachiço a troco de 5 coroas pagas pelo isidorico puxou a gaita quando quase limpava o chão por debaixo da cilha. Valente burro e valente gaita.
Bom , mas o melhor é não perdermos o ALBOROQUE naquilo do cavalheiro que tinha uma videira branca que sozinha dava vinho para todo o ano. Tenho uma pôla dela !

quarta-feira, junho 15, 2005

A NOSSA FALA IX - MOLÍDIA

Tonho Félix e sua mãe Velha Lorpa moravam ali para o caminho das aranhas na rua que ia dar à fontinha. Quantas vezes lá parei: tapava a água com o dedo, assobiava, não houvesse alguma cobra no cano, e, assim acudia ao silvo, e, enquanto a água enchia o tubo, porque de cócoras é que se tinha que beber e coucho não havia, não raro um sonoro resultado de uma flatulência feijoal ecoava até ao milharal do domingos catrino onde uma vez confundi (era eu garoto) a mordedura de uma formiga cavalal com a ferroada de um alacrário e pus toda a gente à minha procura entre o verde das canas. Ali fiquei eu encaralhado com as minha partes fracas, ou pudibundas, como agora Se diz, face aos olhos inspectrizes (ou inspectores?) da minha mãe e outras que foram chegando e me deitaram ali mesmo no chão à procura do sítio da picadela. Quem ganhou foi o milho que mamou mais água do que o normal porque entretanto o pateado fez um lapacheiro e a rapaziada tirou a limpo que o grito lancinante que eu dera fora consequência de uma tenazadela de uma formiga das grandes e nunca de um lacrau.
Voltemos à fontinha, ao tonho Félix e velha lorpa, mais ainda à molídia. Para onde um homem vai quando recua à infância! Será isto freudiano? Não é altura para estas indagações.
Duma vez me lembro eu que o menino Fernando me deu um bolso cheio de bocadinhos de bolacha Maria daquela que vinha nas latas e que se vendia a peso num cartucho dos finos, contrariamente aos pregos e até mesmo ao açúcar que se vendiam em cartuchos de papel cinzento colado no fundo com farinha em massa igual à que vedava as alguitarras quando vinte e quatro sobre vinte e quatro a aguardente se destilava naqueles recantos mais abrigados e debaixo de telha para o lume não se apagar. Consegui ir de aldeia até à sorte da ribeira a chupar bolacha com intervalo na fontinha para desempapar…
Bem! os pés da mãe do filho eram, quer dum quer doutro um joanete perfeito. Se pateassem um alfobre não havia semente que nascesse que a área pisada em redondo extravazava do aproveitamento solarengo e bem estrumado com os cagalhões de burro apanhados à mão na estrada de alcatrão para caldeirinho de lata .
A água para consumo doméstico ia-se buscar ao chafariz da lameira, ao poço do ribeiro cimeiro, à fonte perto lagar ou trazia-se em angarelas em cântaros de lata, tapados com tampa justa com borla soldada no cimo como as boinas dos emigrantes de verdade.
As ruas tinham espaços empedrados mas a maior parte era terra batida mantida no sítio pelo acalcamento das bestas e, claro, suas respectivas bostas.
Encarregado do abastecimento caseiro em matéria de líquidos era o tonho Félix. Nunca se tinha visto na aldeia homem como aquele: pata larga, (nenhum sapateiro ousaria orçamentar umas sandálias que fosse para aquela patorra, nem lucho, nem vinagre, nem guerrilhas, nem maneta, nem camião nem calça defuntos, nenhum!), calça a meia canela presa por atilho de baraço em laçada corredia e camisa sem colarinho, de três botões a apertar assim como as sobrepelizes dos padres quando vão da igreja para o espírito santo a buscar o S. Bartolomeu que fica lá uns tempos depois do ramo dos pitos e das travessas dos bolos de leite com garrafa de vinho empinada ao meio enquadrada por chouriça em azeite e, pasme-se! conseguia levar um cântaro de lata à cabeça assente numa molídia mais encardida que o desperdício de um mecânico por conta própria.
Quando a água chegou, proveniente do campo frio, alguns puseram torneira dentro de casa mas muitos, e velha lorpa e Félix estavam nestes, iam abastecer-se ao chafariz. Agora mais perto. Félix vinha do caminho das aranhas ao batoco, àquele chafariz de duas pias e torneira de pressão, ali junto ao tribunal dos três pernas (pedros, estanqueiros, freitas, baratas, chicórrelas,…) enchia a cântara e ajudava-se a ele mesmo e ligeirinho arrancava ,rua das aranhas acima e não tardava aí estava ele a buscar outra.

segunda-feira, junho 13, 2005

A NOSSA FALA VIII - MANGAÇÃO


Naquele tempo, havia bailarico todos os domingos. A par da missa, o bailarico era o evento social mais importante na vida da aldeia. A diferença estava nos protagonistas e nos propósitos: a missa servia (também) para algumas senhoras e alguns senhores exibirem os seu estatuto e posição; o bailarico funcionava como o espaço, por excelência, para a juventude desenvolver as suas estratégias de escolha do cônjuge, eufemismo para significar ritual de acasalamento aplicado aos humanos num contexto social rico em moral católica, logo, em valores repressivos e em tabús .

Era no espaço público do bailarico que era permitido aos jovens casadoiros fazer aquilo que lhes estava absolutamente vedado noutro espaço público qualquer e que hoje são banalidades: roçar o seu corpo no de uma rapariga. Eram momentos únicos. Ali, e só ali, a sensualidade podia rondar os limites do socialmente aceitável. Ali, e só ali, o garboso mancebo podia abraçar a sua formosa donzela, encostar o seu peito ao dela, sentir o toque suave do seu cabelo, cheirar o seu perfume e, sublime, esfregar leve, muito levemente, a sua cara na dela e até, ousadia plena, roubar-lhe um beijo. Tudo sob as barbas da progenitora. Tudo a pretexto de uns rodopios em conjunto.

O espaço da sala estava dividido em três sectores bem distintos.

O do meio era destinado à dança propriamente dita, durante a qual machos e fêmeas evoluíam agarrados um ao outro em movimentos mais ou menos padronizados e sincopados, ao ritmo da música que era posta a tocar num pequeno gira-discos de vinil, saindo o som por duas cornetas dependuradas no tecto.

Um segundo sector, localizado ao longo de uma das paredes laterais, era ocupado pelas fêmeas, sentadas em bancos de pau corridos ou individuais. As mais novas estavam habitualmente acompanhadas pelas progenitoras. Todavia, as investidas dos machos dirigiam-se exclusivamente às fêmeas não acasaladas, no respeito escrupuloso pelo princípio monogâmico. As progenitoras, neste quadro, cumpririam essencialmente uma função específica de protecção e de vigilância de eventuais comportamentos desviantes, face aos padrões socialmente reconhecidos.

Um terceiro sector, localizado mais próximo do bar, era ocupado pelos machos, aglomerados, em pé – era muito raro ver um macho sentado -, habitualmente munidos de um copo, garrafa ou cigarro. Provavelmente porque estes acessórios estavam associados a uma postura masculina, não era comum observá-los nas fêmeas. A ingestão de álcool e o travo do fumo do tabaco, publicamente, seria até factor de estigma quando praticado pelas fêmeas.

Logo que o velho gira-discos começava a debitar a música que saía roufenha nos altifalantes de corneta, algumas das fêmeas juntavam-se aos pares a dançar, outras permaneciam sentadas. Todas aguardavam a investida dos machos. De notar que esta exposição aos pares não era, nunca, utilizada pelos machos. Aliás, é de crer que o rótulo estigmatizante seria mais penoso para dois machos a dançar juntos do que para uma fémea a fumar.

Se a escolhida estava sentada, o macho tinha de se sujeitar ao olhar grave da progenitora quando se lhe dirigia e perguntava:

- A menina dança?

À inquirida assistia a faculdade de aceitar ou recusar. No primeiro caso, ela entregava-se então ao macho que a enlaçava pela cintura com o braço direito. Nunca com o braço esquerdo. Se a fêmea entendia recusar o convite, o que poderia querer significar que aquele não seria o seu desejado para eventual cônjuge, o macho estava obrigado a aceitar a sua vontade sem ripostar. Tecnicamente, classificava-se a situação como uma tampa. O macho deveria então retirar-se obedientemente, podendo ir apagar o sorriso amarelo no bar, deixando espaço livre para outro macho tentar a sua sorte junto da mesma fêmea.

Outra situação possível era se a fêmea desejada já evoluía no sector central acompanhada por outra fêmea, o que levava o macho interessado à necessidade de concertar a abordagem com outro macho:

- Ó Tonho, vamos ali a tirar a Rita e a Celestre? Eu fico com a Celestre – desafiava o Manel.

- Está bem.

O Manel ficava sempre com a Celestre. Há muito tempo que toda a gente sabia que o Manel queria a Celestre. Talvez por isso, ninguém ia tirar a Celestre.

Mas os tempos, eles estavam a mudar.

Naquele domingo de Junho, por conta dos feriados, o salão estava a abarrotar com gente da terra, e gente de fora, o bar esgotava o stock de vinho, gasosa e cerveja. Tinha acabado de tocar uma música nova, com um ritmo forte, diferente das batidas habituais, trazida pelo Paulo que estudava em Lisboa, em que o cantor repetia aos gritos “I can’t get no”. Virado o novo single o cantor, mais calmo, parecia agora gemer: “Angie”.

- Ó Strudes, qu’arrai de modas eles põem pr’ali. No gosto nada destas modas. Só sabem berrar e bater c'os testos das panelas.

- Tamém no gosto nada. As modas do nosso tempo parece qu’eram mai alegres.

O Manel, rapaz rude e conservador também não apreciava estas novas modas, nem ele as sabia dançar. Ainda por cima, estava de olho no russo de cabelo penteadinho que já por duas vezes se tinha adiantado e roubado a sua Celestre.

A música que agora tocava era um slow, um estilo relativamente novo mas bastante apreciado porque macho e fémea podiam dançar muito juntinhos um ao outro quase sem sair do mesmo sítio. O penteadinho adiantou-se mais uma vez e foi pedir a Celestre para dançar. Ela hesitou mas acedeu. O Manel, que chupava vigorosamente o quarto cigarro seguido apagando-os todos a meio, sentia a sua reputação em perigo. Até ali, tinha aguentado com dificuldade os olhares inquisidores dos seus companheiros habituais. Não podia permitir aquilo, muito menos de um penteadinho que nem sequer era da terra. Incentivado pelos companheiros que tacitamente lhe guardavam as costas, dirigiu-se decidido ao par e enfrentou a “sua” Celestre:

- Olha lá, mas tu andas a fazer MANGAÇÃO de mim?

O penteadinho franziu o sobrolho, olhou para ele e atirou altivo:

- Olha-me este Chaval! desampara-me lá a loja ó bimbo.

O outro não teve tempo de se suster porque o Manel foi lesto a agarrar-lhe o pescoço com a mão esquerda e a tombá-lo para trás por cima da perna direita, caindo com ele no chão de cimento.

- Ê tchapo-te já a alma mê cabrão.

Dois companheiros do penteadinho aprontaram-se para o ajudar, mas foram travados pelo Tonho e por mais 4 patrícios. Cegamente, tombaram-nos e pontapearam-nos, revelando-se inúteis os gritinhos e estranhos gestos que um deles fazia com as mãos hirtas e a cruzar repetidamente os braços. Num ápice vinham já a correr mais 3 amigos do penteadinho que estavam encostados ao bar, barrados dois pelos irmãos do Manel, rasteirado o outro pelo primo. Generalizou-se entretanto a distribuição de murros e pontapés. Alguém pegou num banco de pau e arremessou contra alguém. De imediato se viram mais bancos no ar. As fémeas fugiam apressadas no meio de gritinhos histéricos. Os machos soltavam livremente impropérios e imprecações.

Das cornetas dependuradas no tecto continuava a sair uma espécie de gemido:
“Angie”.

terça-feira, junho 07, 2005

A NOSSA FALA VII - PANÊLO

Tempos idos canalha e velhos jogavam ao panêlo no largo do batôco e frente à casa da Tonha Costa.
Esclarece-se que o panêlo é assim a modos que um cântaro ou um pote em forma de pucheiro grande onde ainda hoje muitas matronas guardam o enchido no azeite para todo o ano. Não esquecer que mulher bem governada era aquela que no dia da matança do ano apresentava ainda naquela soberba sopa de feijão encarnado e couve mal esfarrapada com gota de azeite novo cru por cima, a bexiga ou o palaio do porco do ano anterior. Não raro chamam-lhe escoureiro, que um arrevezamento de açucareiro, que era também em barro mas, claro, significativamente mais pequeno.
Vai daí voltamos ao panêlo: queríamos jogar ao panêlo e não tínhamos.
Vou eu e digo para o filho do Chico mais novo: se tivéssemos um fio de coco depressa arranjávamos um…. O caipila que tal nunca ouvira diz: fio de coco?! Isso que é. E vou eu: é um fio invisível muito forte que custa mais a rebentar do que um nagalho de saca. E o caipa: vai gozar outro. Invisível, Invisível é o homem do filme da televisão, Nisto chega o capa grilos que se mete e alinha: eu sei quem tem fio de coco: é o velho pote! E o filho do Chico mais novo: mas ele é um fuinhas do catano! Segura azeite nas mãos. Mal dá um fio de algodão para uma farinheira a quem lhe der um porco.
A malta estava-se a juntar e o montes hermínios sai-se: a minha prima, a filha do arrebenta com elas, é afilhada de batizo do pote. Se ela lá for e lho pedir ele dá-lhe. E logo o bebágua atira: vai lá ter com ela e que lhe peça aí obra duns 10 metros. 10 metros? diz o coiote pete que entretanto se juntara ao maralhal e que era bardina bastante para não se passar nada na aldeia sem que ele desse conta… E vou eu e digo: ó coiote , se calhar até é pouco. Viro-me para o montes: vê lá se a tua prima crava o pote e depressa.
Ó malta, brada o capa grilos, temos que nos organizar e o melhor é não estarmos aqui no meio da estrada que qualquer desconfia! Boas palavras ó capa, disse eu. Então é assim, continuei: Se o coco vier, o capa põe-se aos ombros do montes e ata uma ponta ali à tangerineira do geadas com um laçada corredia. O lambisgóia do caipila vai além para cima do pátio do filho do Chico mais novo e o cachiço atira um calhau lá para cima com a outra ponta. Eu já pus uma escada ali por detrás no olival do cabeçadas e tranquei a porta por dento com a cravelha para as velhas lá não irem a aviar a vida. O caipila desce por lá e tira a cravelha,pronto.
De repente aparece o montes todo contente e inchado com um carrinho de fio de coco..E foi um instante…
Ao cimo já assomava com o cantarinho lavadinho e deitadinho na molídia a Ritinha do fanegas.Tudo de repente se sumiu e aparte o aspirante que apanhava os cagalhões dos burros na estrada para fortalecer os alfobres da couve de corte, ninguém na estrada.A Ritinha passou e o cântaro ficou. Incrédula olhou e olhou, praguejava, remirava mas nada do fio invisível como o homem do filme da televisão. O caipila já o tinha puxado.
O capa grilos mete conversa com a Ritinha e o coiote vindima o cântaro num ai. A pobre da ritinha argumentava que o cântaro não tinha rebolado sozinho da molídia e que tinha empancado em qualquer coisa. Qual coisa, dizia o capa.Não vês que não há nada?
E agora a minha mãe? Levo uma malha. Um cantarinho novo… E remirava remirava mas o fio invisível é que ela nunca viu.
Não tardou estávamos todos a jogar ao panêlo O chicharro tinha lá uma puta duma cola que ao fim de cinco minutos secava e soldava as ranhuras: fazia-se assim uma mistura de dois tubos. Era mesmo uma cola dum filho de puta. Nunca vi!
Quem deixasse cair o panêlo pagava uma rodada e não havia ordem de amandação: cada um mandava para onde podia e o que estava mais perto tinha que evitar que ele caísse no chão.
Ainda durou uns bons cinco minutos este panêlo. E lá vamos todos para a tasca do filho do Chico a papar um misturinha de cerveja, vinho tinto, ovo cru, açúcar amarelo, canada dry, gasosa da cristalina, tudo batido e o pobre do coiote pete a arrotar a pepino.
E viva o panêlo!

segunda-feira, junho 06, 2005

O monstro

O assunto é actual
a foto é excelente
o texto é soberbo
não podemos ignorar
é nosso dever é nossa salvação
contribuir para que isto se não repita.


(Há mesmo um monstro naquela fumarada. Conseguem vê-lo?)

sexta-feira, junho 03, 2005

O que é que tu és?


Aldeia de João Pires - Cucos

Aldeia do Bispo - Xendros

Aranhas - Aranhiços

Bemposta - ?

Benquerença - Cágados

Águas - ?

Meimoa - Barrigudos

Meimão - Trepa Serras

Penamacor - Gravatinhas

Pedrógão - Garranos

Salvador - Barrentos

Vale - Altaricos