sexta-feira, fevereiro 11, 2011

A NOSSA FALADURA - CLXIII - POSTELA

Definitivamente a verdade é algo que sempre se almeja mas nunca se possui. Não fora assim e não haveria progresso. É por se constatar que a verdade que temos é insuficiente, que continuamos em busca dela. Quer isto dizer que vamos sempre eliminando erros e que dessa eliminação resulta uma aproximação maior à verdade, mas nunca nos possibilita a sua posse. Podemos então cair em contrasenso: a verdade é que a verdade é um desejo e não a sua posse. Significa então que afinal há algo de verdade: que a verdade não é uma aquisição mas uma procura. Quase parece que imitamos o galo Cartesius que estrategicamente se supunha ignorante para depois emergir cantante com a pujança do PENSO!
Olhemos em volta e confiramos: aquela que podia e devia ser uma actividade nobre, interessante e participada por todos - a Política - vive de camuflagens, de sucessivas (in)correcções, de promessas mais que muitas, que ficam na sacola do esquecimento, de mandingas, trapaças, compadrios e o mais que todos sabemos, cada um pregando a sua verdade, que, afinal, é a sua mentira. Saem sempre incólumes e nem uma postela fica para recordar a cicatriz da aldrabice que ontem espetaram ao povo, que, néscio, continua a crer que desta é que é e este é que vai ser.
Dispenso-me de enumerar exemplos, tantos são eles. Até acho piada quando em vez de chamarem aldrabice ou mentira a uma afirmação, dizem que é uma inverdade, neologismo sem sentido e perfeitamente inútil, subterfúgio airoso para tapar o sol com a peneira.
Se nos virarmos para o mundo da ciência e da tecnologia, a evidência de que a verdade não é uma posse, transparece: aquilo que hoje é topo de gama, perfeição máxima conseguida, maravilha insuperável, amanhã, é pré-histórico, obsoleto, ultrapassado, ridículo. Olhai só para vertigem que todos os dias nos apresentam as empresas de telemóveis. Lembro-me de ser um luxo, uma raridade, alguém trazer um telemóvel no carro! Era um mastodonte, era preciso ir para o cimo de um monte, orientar a viatura, eu sei lá!...Hoje sabemos da comodidade! E podíamos citar muitos outros exemplos.
Não posso, todavia, deixar de evocar aqui o crime que estão a cometer contra a língua portuguesa. Não que eu seja avesso às novidades e que não alinhe, em muitos casos pela doutrina do útil e simplificado: afinal os portugueses primeiro começam a ligar os aparelhos e depois, se não funciona, vão ler o livro de instruções.
Se tivéssemos que nos levantar do sofá para mudar os canais de televisão, deixávamo-la ficar onde estava. Assim, com o comando na mão, farejamos tudo quanto há... bem, mas adiante que a história espera e não era isto que vos tinha anunciado.
Vamos lá ao crime: como estamos num tempo em que já nem há tempo para ter tempo, tal a efemeridade de tudo: situações,objectos, vivências, e, mais que tudo, pessoas - tudo é descartável. Atentemos só no que acontece aos nossos velhinhos: o que se espera é que não dêem chatices e que morram antes de se acabar o dinheiro que têm, a ver se sobra alguma coisa para nós. Afinal, eles são uma postela que, mal se possa tirar , lançamos ao vento... Foi o mesmo que fizeram com a nossa língua: agora deixa de ser uma língua novilatina e passa a ser uma novimultiforme. Sangraram de tal forma o seu mais típico , a sua vernaculidade e a matriz que, daqui a poucos anos, ninguém vai perceber que a sua mãe foi o latim.
Perdoe-se-me a delação mas eu tenho para mim que os intelectuais que elaboraram este acordo ortográfico, também são adeptos do rápido e pronto: tiraram letras às palavras para não terem que as escrever completamente e assim ganharem tempo. O tal tempo para o qual já não temos tempo!
Consideraram a língua como uma postela. Não a respeitaram. O Baságueda continuará a respeitá-la. Mainada!
Faz-me lembrar a história que o Tonho Labouxa - acho que anda por terras da Suiça - protagonizou:
Dizia o professor Tanganho que às vezes os examinadores, no antigo exame da quarta classe, não perguntavam só o que vinha nos livros. Perguntavam também coisas que desafiavam a criatividade e imaginação criadora dos alunos e que, por isso, era preciso saber pensar e não nos deixarmos encavacar por perguntas que não fossem as habituais. Por exemplo, dizia o Tanganho: Qual é a coisa mais velha do mundo? E nós ficamos todos calados. E o Tanganho: a coisa mais velha do mundo é o tempo! É por isso que Deus não tem tempo. O tempo só começou a contar depois do primeiro dia da criação. Até aí não havia tempo. Deus precisou de sete dias para criar o mundo e foi aí que começou o antes e o depois. Antes não havia tempo. É por isso que Deus é eterno, porque não nasceu com o tempo. Já existia antes do tempo. O Labouxa que não era muito virado para lucubrações filosóficas arranca: OH! Senhor professor, isso num há-de ser bem assim, cossenão eu também sou parecido com Deus, porque a mnha mãe diz a toda a gente que eu nasci antes do tempo e num me lembro de ter criado nada. Uma tanganhada zuniu os ares e raspou a orelha do Labouxa: " oh! minha besta quadrada ponha-se já de joelhos! És como o teu pai que só sabe dizer: aqui está o Zé Labouxa que descobriu o ninho à moucha. Eu não estou a falar desse tempo. É dum tempo muito antes do teu teu tempo e do tempo do teu pai e do teu avô. Ouviste?" O Labouxa disse que sim com a mão nas orelhas, mas continuou a não perceber. Nós também não, mas como ficamos calados não nos caíu a tanganhada nas orelhas. Felizes , foi o que nós fomos. Como Santo Agostinho: Se ninguém me perguntar o que é o tempo, eu sei o que o tempo é, mas se alguém me pergunta o que é, já não sei o que o tempo é.
Bem, é tempo de ficar por aqui, senão também me considerais uma postela e, mal possais deitais-me ao vento e desapareço no tempo.
XXIIIGGGGRAAAAAAAAAAAANNNNNDDDDDDDDDDDDEEEEEEEEEE!