sábado, agosto 03, 2019

CCLVII - A NOSSA FALADURA - ESPARJAS / ESPARGAS / ESPÁRIAS

O acto de nascer não é o que se possa chamar um momento de grande beleza. Um parto, para além de doloroso para a parturiente, não prima pela estética do momento... As mães, mal os filhos nascem, lambem-nos, limpando-os e comem as esparjas para não deixar vestígios e, está bem de ver, evitar que o cheiro se propague e atraia predadores indesejáveis. São, em regra, também muito cuidadosas na escolha de um local o mais reservado possível com a mesma finalidade.

O nascimento leva-nos à questão, desde longa data, de qual será a origem do próprio universo. No mundo ocidental, mormente a partir do momento em que a Igreja se tornou preponderante no domínio cultural, e não só, a solução remetia para um criacionismo indiscutível. À medida que a ciência evoluiu e o saber saiu da quase exclusiva alçada dos mosteiros e conventos, reforçada com a invenção da imprensa que permitiu a difusão de livros discordantes da matriz eclesial.

Fique claro que as causas das divergências não são assim tão simplistas ...Muitas outras variáveis contribuíram para a progressiva alteração das mentalidades.

Uma das argumentações mais clássicas e conhecidas para justificar a existência de um criador é a conhecida tese da regressão ao infinito: antes do que quer que seja, não havia nada. Então, o que é que tornou possível essa qualquer coisa? Somos levados a pensar que necessariamente devia haver uma outra qualquer coisa, antes dessa coisa. E claro, uma antepenúltima e...assim até ao infinito, porque se houvesse uma finitude, esbarraríamos inevitavelmente numa causa encausada, num primeiro motor imóvel.

Surge o recurso à divindade...

A questão que parecia solucionada, afinal não o fica porque se volta a legitimar que a existência de Deus (seja ele qual for) também há-de ser justificada por uma causa que o possibilitou... Não vem aqui ao caso as tentativas de demonstração da existência de Deus, nem sequer a saída airosa de Pascal que, ao concluir que Deus não podia ser demonstrado como existente, também não podia ser demonstrado como não existente, pelo que o melhor era acreditar que ele, de facto existia... Kant de algum modo apontava este caminho. Deus é numénico e não fenoménico, logo, permanecerá incognoscível, portanto, é necessário «substituir a razão pela crença».

Claro que muitas outras teses foram surgindo...Limito-me a Feuerbach para quem Deus mais não é do que a projecção exterior do desejo de perfeição do homem. Em última análise não é o homem que é criado à imagem e semelhança de Deus, mas é este que é feito à imagem do homem, ou seja, só existe Deus porque existe o homem e não o contrário. Muito antes já Xenófanes alumiava este caminho: "Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo o que de pior têm os homens: roubar, matar, cometer adultério, vingança... Os Etíopes acreditam que os deuses têm o nariz achatado e são negros; já os Trácios acham que são loiros e têm olhos azuis ...e se os bois, os cavalos e os leõee tivessem mãos e soubessem desenhar... os cavalos fá-los iam iguais a eles e os bois semelhantes a bois..."

Hoje por hoje é conhecida a disputa entre o criacionismo  (que pouco ou nada alterou na sua maneira de pensar, limitando-se a aceitar que Deus pode não ter criado directamente o homem, mas foi ele que possibilitou a vida e, portanto, que o homem exista...) e o evolucionismo com Darwin, Lamarck, Spencer e os mais contemporâneos que levaram à teoria do Big Bang inicial...

São muitas espárias para limpar e não deixar restos... Vai lá vai...

Passou há poucos dias o cinquentenário da chegada(?) do homem à lua. Meu avô nunca "comeu" essa: "isso é uma pantomina. Os americanos são uns pantomineiros...Aquilo tudo que apresentaram é como os bonecos animados...parecem reais mas não são." E rematava com esta máxima: "Atão  tu não vês que se fossem à lua, caíam de lá?!" Mainada.

Há muita gente, que tal como do aparecimento do mundo, põe em dúvida que o homem tenha chegado à lua, tal como duvidam da existência de qualquer divindade. A questão complexifica-se pois que os próprios crentes não são unânimes na tentativa de explicação, seja da sua existência, seja da sua função e relação com a (hipotética) obra criada. Uns defendem o Teísmo, acreditando na providência divina, coisa que os Deístas já não aceitam, os Fideístas acham incrível que deus alguma vez possa caber no âmbito de uma justificação racional, já que isso levaria ao absurdo de a ideia de deus ser maior que o próprio deus porque o continente é sempre maior que o conteúdo, pelo que nem devemos tentar provar a sua existência, limitando-nos à Fé...,os ateístas negam em definitivo a sua existência e os agnósticos ficam-se na indefinição...

Efectivamente é muita esparja para se poder fazer desaparecer de repente.

Hoje fico-me por aqui. Prometo voltar dentro de pouco tempo...Sem espargas...
XXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIII  GGGGGGGGGGRRRRRAAAAANNNNNNNNDDDEEE