terça-feira, dezembro 27, 2011

A NOSSA FALADURA - CLXXIV - GANAPO

Começo com Aleixo: " Não sou esperto, nem bruto/ Nem bem, nem mal educado/Sou apenas o produto/ Do meio onde fui criado". Não vamos discutir da asserção mas vamos servir-nos da sua mensagem.
A maior parte do que somos, fazemos e pensamos - sim que o fazer é sempre antes do pensar... - resulta das influências que vamos mamando desde ganapos.O pior, bem, o pior, é que, depois nos convencemos de que somos os únicos a ter formas correctas de ser, estar e pensar, esquecendo a evidência que nos rodeia: a maioria está em desacordo connosco. Costumo dizer, por graça, que o signo com mais gente é o de Caranguejo, que andando para trás, pensa que é o único a andar para a frente. Ilusões...
Por exemplo, quantos se questionam sobre a existência ou não da alma? Poucos... Como aprendemos que o corpo morre e a alma espera uma Ressurreição final, pronto, nada nem ninguém pode contrariar esta credulidade. Ou, menos polémico ainda, porquê o Natal nesta época do ano. Basta ler A Escritura e logo se depreende que O Menino não podia ter nascido neste tempo de caramelo. De facto, lá se diz que os pastores dormiam ao relento... Vai lá vai... Em Agosto pode ser, mas em Dezembro?!
Se olharmos bem esta época do ano, a entrada do Inverno, coincide com o Solstício, o que simplesmente quer dizer que o Sol  ESTÁ, ou seja, o Sol permanece por três/quatro dias mais ou menos fixo no mesmo local, no seu movimento aparente... Só depois é que os dias começam a crescer. Plutão começa a saber que a sua Psosérpina regressará no Equinócio para junto da mãe Ceres. Tudo cresce, tudo medra, o calor vai chegar e vencer a humidade e o frio como já o velho Anaximandro escreveu e a Natureza vai exultar de alegria com o desabrochar das plantas. Afinal a exuberância do cristianismo está aqui: o Menino vai trazer calor ao mundo e vencerá a tenebrosa morte, as trevas e o mal, para, numa Páscoa de Aleluia, refulgir em todo o esplendor . É a isto que os cristãos chamam o Mistério da Fé. O problema é que transformam o mistério (o que é oculto, complicado, intrincado) num Dogma, ou seja numa verdade indiscutível, na qual tem que se acreditar.
Como vemos, o que se aprende de ganapo é esta misteriosa teia de dogmas, quando afinal , tudo mais não é que um aproveitamento sábio das práticas antanhas dos antepassados, em muito, do cristianismo e é claro do Menino. A verdade é que o Natal é um festa  que aparece tarde na mitologia cristã. Muito depois do édito de Milão de Constantino em 313. Muito depois...Curiosamente aqueles que não aceitam ou ainda não conhecem o Menino são pagãos. Mainada!
Ganapo que ande na catequese é embebido nesta fabulosa história, que o é, sem dúvida: menino nascido em palhas, aquecido ao bafo de burro e vaca, cedo fugido para o Egipto às sevas mãos de Herodes, o seu desaparecimento e logo aparecimento em ganapo mais crescido já a discutir as Escrituras com os sábios do Templo, a pôr de lá a cabanir os vendilhões, a entrar de jumento em Jerusalém, a ser contraposto a Barrabás, sei lá com multidões sempre atrás dele.... Então ninguém trabalhava? quem sustentava aquelas movimentações de gente? Questões de ganapo arguto que não gosta que lhe comam as papas na cabeça.
Mas há um valor sem sofismas no meio de tudo isto: o Menino traz o Amor, a igualdade com o outro, a partilha, a solidariedade, a luta por ideais universais que, se fossem levados à prática, na sua grande maioria trariam, de facto a paz ao mundo. E bem precisamos dela!
Foi por causa de terem estragado esses valores que houve cisões e novas formas de reinterpretar o Menino, mas é para se aproveitarem dele, não para o respeitarem.
Impõe-se aprender com o Menino e não usar o Menino. Varram-se dogmas e deixemos de pensar que só há uma razão e que essa é a nossa.
Até para o Ano. Que o Menino vos acompanhe no seu bem fazer.
Xi GRRRRRRANNNNNNDDDDDDDDDDDE

quarta-feira, dezembro 14, 2011

A NOSSA FALADURA - CLXXIII - EMBISGA/EMBISGAR

Foram, que eu saiba, duas, as mulheres a quem se atribuiam poderes de bruxaria nas terras xêndricas: a velha Batorelhas e a velha Casaca. Batorelhas morava mesma à esquerda da igreja, primeira casa, com acesso por uma escadaria granítica a meio da qual havia um bureco do qual dependia, de manhã e à tarde, uma tábua com travessas, por onde duas pitas e um galo desciam e subiam, já que era ali a capoeira. Todos os dias Batorelhas tomava o cu para ver se tinham ovo e, a confirmar-se, subia a um baturel, metia a mão num caco colocado à entrada e tirava o ovo; a velha Casaca morava numa casa ao início da rua das aranhas, paredes meias com a velha tasca do estanqueiro, tinha uma loja que nunca vi aberta e ascendia-se ao primeiro andar, também por uma escadaria de pedra, só que, em vez de ser frontal como a de Batorelhas acompanhava a parede da casa e acabava num pequeno alpendre que tinha um telheiro suspenso por colunas de madeira. Diziam as más línguas que a casa não tinha sobrado e que Casaca, mesmo de noite, se passeava pelas traves e caibros e que, de vez em quando se ouvia um zunido que resultava da vassoura de giesta que ela montava. Não havia mobília a não ser uma pedra de lar onde, dependurada das cadeias , baloiçava uma panela de ferro, serventia constante da magra culinária. Como ninguém a via ir à lenha, diziam que, de noite, montada na amestrada vassoura, ia à serra da Carochinha, ordenava aos gravetos que se formassem em molho, metia a vassoura por baixo e aí vinham, ela e a lenha até casa. Chispava uma pinha com  um embisgar do olho direito e o lume acendia-se não sendo preciso meter lenha, já que bastava ela mostrar vontade e o gravato saltava para a fogueira. Famoso era o seu escarro. Puxava lá do fundo da garganta o muco, enrolava-o na cavidade bucal e expelia-o com trejeitos de arte a uma distância considerável. Com um tremoço no meio, pareceria um ovo estrelado. Saía pouco, sempre de preto e a olhar de lado, desconfiada. Garoto que a vislumbrasse ou adulto que por ela passasse punham as mão atrás das costas ou dentro do bolso e faziam figas com as mãos ambas e praguejavam: vade retro Satanas".
Batorelhas não era tão misteriosa: desde que o tempo o permitisse sentava-se na escada, chamava as pitas e o galo, esfarelava-lhes pão molhado ou restos de uma batata cozida e estimulava-os- pnina,pnina,pnina, gatcha,gatcha,gatcha...,tomava-lhes o cu e, toda escanchada, deixava ao léu tudo, sem qualquer pudor, e se lhe apetecia verter águas, abria as pernas por debaixo do bureco das pitas e ali mesmo se aliviava, limpando-se à combinação de flanela, cuspindo, também ela um valente escarro, mas não com a arte de Casaca. Sempre descalça, a sola dos pés podiam pisar um alacrário ou carapetos de silva, até mesmo um brocho que os cascos aguentavam, qual muralha inexpugnável às arremetidas dos picos. Uma vez a vi eu a esfregar ouriços para lhe sacar a castanha. Aquilo sim, era calçado!
Era raro ver-se Casaca na rua;  já Batorelhas corria as ruas sem qualquer problema, mas não se livrava que a canalha  a apupasse com o " olha a bruxa, olha a bruxa...! " Acompanhava-a sempre um pau, que lhe servia de bengala e com ele ameaçava qualquer garoto que dela se aproximasse. Já sabia que se o atirasse a algum nunca mais o via. A figura era de uma mulher esguia, de pescoço alto, seca de carnes, nariz um tanto adunco e um olhar mortal. Quando zangada, ora embisgava um olho, ora o outro e, ao ralhar, mostrava uma gengiva com três dentes apenas e fazia um esgar que a tornava numa figura cuja aparência não se afastava muito daqueles desenhos clássicos das fadas más das fabulosas histórias de então.
Curiosamente não era a elas que o povoléu recorria quando queria mezinhas, unguentos ou qualquer artifício para enfeitiçar alguém. Todos lhes tinham medo. Outras eram as benzilhoas que quebravam os quebrantos, deitavam a agulha ou tinham preparados para as maleitas, chás para as dores e sei lá que mais : Figo Seca, Espeta Figos, Rosa Manata, Julha do Toco, Olho de Lata, e outras.
Que conste nos anais xêndricos, nada aconteceu de mal que estas mulheres - repare-se que são sempre mulheres- alguma vez tivessem causado, fosse pelo embisgar dos olhos, fosse pelas curandices.
Outros que vós bem conheceis, de fato e gravata, bem montados e sempre acompanhados por acólitos de igual vestimenta e montada, loirinhos e de olhos azuis como os meninos bons das minhas histórias da minha meninice, esses sim, parecendo que não partem um prato, escavacam a cantareira toda.
É com esses que vos deveis pôr a pau porque sendo coelhos não comem couves, nem cenouras, mas subsídios de Natal e de férias.
Bom Natal para todos!
XXXXXXIIIIIIIIGGGGRRRRRRRRRRAAAAANNNNNDDDDDDDDDDDDDEEEEEEEEEEEEE