domingo, maio 27, 2007

A NOSSA FALA- LXXXV- PASPALHO ou PASPALHÃO

Vou começar com uma estória que não pertence aos xendros, mas podia pertencer porque lá também há paspalhões que se deixam embasbacar por dois dedos de conversa, quatro sacos de plástico, um embrulho de guardanapos e uma caneta que depressa deixa de escrever... Enfim, paspalhões, mesmo.
Volvamos à estória:
No seu descapotável, um novo rico, daqueles que dizem que têm um MêGuêbêguêtê, com volante de pau, conta voltinhas e rádio de FME(leia-se mesmo fme), com a sua donzela de cabelos desfraldados, qual Isadora, parou ao deparar com um letreiro junto da ponte de um rio, ali para os lados de Odiáxere, que apenas tinha escrito: XPTO. Armado em Chico esperto pergunta ao meio alentalgarvio:« Então XPTO quer dizer o quê?- o senhor sabe ler? num parece!, sei ler sim senhor - então se sabe leia!- mas isto não faz sentido! ai não?! quanto vale o X em numeração romana? - vale dez - poi, e que letra tem a seguir? um pê -, poi, e a outra qual éi? é um tê, - poi, e quanto vale o zero que está na ponta? - então um zero vale nada: poi! ... Então agora é só ajuntar tudo e já sabe o que isto quer dizer. Aqui todos sabemos! Não alcançando onde o alentalgarvio queria chegar pediu mais explicações:« então, é só ler mê home : Despe-te e nada!» , até parece um paspalhão!
Tempos outros, estes e aqueles em que a nossa Aldeia, por artes e ofícios do inefável padre Zé Pedro, esse javarino de tanta vida, que nunca sabemos qual aquela que agora assume ou se sequer ainda respira o poluído oxigénio que nos dá vida aos neurónios..., tempos outros os da nossa Aldeia, dizia, quando, por impossibilidade de funcionamento de um colégio, já que existia o Externato de Nossa Senhora do Incenso (E.N.S.I.) e era proibido que existissem dois privados no mesmo concelho, é criado o colégio de Nosso Senhor do Calvário, em Medelim, já no concelho de Idanha a Nova. A rivalidade entre os dois sempre foi manifesta, mas a amizade entre os estudantes de um e outro nunca esteve em causa. Felicito daqui o pequeno /grande Honorato que o ano passado juntou os antigos alunos do colégio de Medelim...
Famoso foi o Penha Garciense Mário, alto e espigado, meio desengonçado, mais parecendo uma empa de feijoeiro, a quem nós, por graça, perguntávamos se a temperatura lá por cima (teria para aí 1,90m) era a mesma que nas bases. Mário vinha ter aulas de Matemática junto com outros na casa de Xquim Pardalim, homem de um só testículo, que não o impediu de gerar três filhos (um, mais duas) no ventre de uma espanhola,ganhadora que fora de um concurso de beleza em Coria, a D. REMA, que ainda encontro amiúde, se bem que Pardalim já faça tijolo para lá de 25 ou 30 anos. Companheiros de Mário, foram Mesquita, professor aposentado, xquim Rolo, ortopedista, Fernando Elvas, professor aposentado, José Vaz, bancário aposentado, Tero Caturra, oficial da GNR, aposentado,e por aí fora.
Ora aconteceu que no exame de aptidão à faculdade Mário chumbou. Enviou então um telegrama ao irmão: "Eu preparado. prepara pai", ao que o irmão respondeu: « Pai preparado, prepara-te tu».
Naquele tempo a Aldeia era um ponto de confluência de importância significativa e o pai de Mário que trocava taleigos de semente por farinha e tinha uma Hanomag veio esperar o filho : « Anda cá mê paspalhão dum corno, anda cá... Mário nem teve tempo de aceitar a mala que o ti Martinho oferecia na escada da camioneta: já duas vergastadas com o guarda chuva de pano azul lhe assentavam no lombo, ali mesmo em frente ao Batoco: « Paspalhão de merda, que és um paspalhão! És a vergonha da minha cara! como é que eu agora chego à Aldeia e digo que ficaste no tinteiro, meu paspalhão?» Num fujas que lá inda comes mais!»
Mário, lá do alto do seu pescoço de cegonha, envergonhado até ao sete estrelo, ainda por cima ali mesmo à frente de tanta gente que nem o conhecia, em terra estranha..., Mário, só dizia: Ó senhor meu pai, num fui só eu, em Setembro torno lá e passo. Agora estar a malhar-me não resolve o problema... Mnel Beringuilho lá acalmou os ânimos, ferrou dois tintos no Chico Miguel, montou-se com Mário na Hanomag e lá foram os dois...
Nessa noite havia cinema na Aldeia: o ecran era a parede da Igreja, do lado esquerdo a dar para o caminho das águas em frente ao Faustino e à antiga casa do pároco, a imagem era difusa e repartida. Reproduzia-se, nos documentários, a chegada do homem à lua... Eu era garoto e ia ver o SHALAKO, com a Brigitte Bardot, estava ao pé do meu avô Comandante: «Inda há paspalhões que acreditam que o homem foi à lua! São mesmo uns paspalhões! Se fosse à lua, caía! aquilo é uma pantominice. São todos uns pantomineiros e quem neles acredita é um paspalhão!» - Tu num acredites; o homem esteve tanto na lua como eu agora estou na vinha dos pinheiros a tirar água do poço!» São todos uns paspalhões, é o que eles são.»

domingo, maio 13, 2007

A NOSSA FALA - LXXXIV - ESCOUREIRO ou scorêro

Andei muito tempo para perceber donde raio vinha esta palavra... Isto porque o tal SCOREIRO tanto servia e serve para guardar as azeitonas de conserva, desde que não sejam muitas, pois aí usa-se a talha, como, e principalmente, para conservar o enchido (chouriços/as, morcelas, buchanhas - que saudades de uma boa buchanha! chamada pelos mais afoitos de ptchanha- (palavra esta que até custa a pronunciar mas que era mesmo assim!-) ) no azeite.
Acabei por concluir que esta pronúncia meio esquisita era uma adaptação sonora do significante AÇUCAREIRO, isto porque antigamente, nalgumas casas,- ainda vi- , o açúcar que era utilizado era a água da cozedura dos figos secos num caldeiro de lata e que depois serviam para aviandar o porco, de mistura com umas beldroegas, ou coisa assim, por môr de não lhes provocar alguma borreira, em tempo quente, e já meio cevado para a matança.
Coisa admirável sempre foram as técnicas de conservação: o sal, desde logo o mais barato, portanto o mais utilizado, - lá estava o belo presunto que se tirava agora em Maio, se punha de molho, se untava (barrava) de azeite com um molho de colorau, por mor da mosca, se encafuava numa saca branca de linho - não raro, aquelas mesmas onde vinha antigamente o enxofre em flor, a qual era lavada vezes sem conta, se virava do avesso, se colocava na boca uma fita de nastro e depois se pendurava, com o presunto, no forro da casa para secar) . Quando descia fazia-se a prova: um bom naco era cortado da peça, que voltava para a salgadeira - espécie de arcaz cheio de sal grosso onde o presunto coabitava com aquele excelente toucinho rosado, que até mesmo pessoas com fastio roíam, e também umas tiras de entremeada que eram o consolo do azeitoneiro em tempo da colheita da dita (azeitona)-. Ainda hoje me lembro desses raros paladares. E o mais é que a rapaziada não era gorda por aí além. ...Isto porque suavam assim comédado!. Reparemos que nos desertos o essencial continua a ser o sal. O sal é o oiro do deserto. A questão é que nós hoje queremos só ar condicionado. Não suamos. Bem me lembro eu de à noite tirar a camisa e se passado algum tempo a quisesse vestir outra vez tinha que partir o tecido, porque o salitre era tanto que ficava tesa. Assim mesmo: tesa: sustentava-se de pé sem qualquer apoio tal a quantidade de suor nela impregnado. Não é, portanto, por acaso, que os nossos mais idosos tenham o gosto salgado e que o grande defeito dos nossos enchidos seja o de ficarem salgados. Eles precisavam de sal. O seu equilíbrio homeostático requeria iodo e por isso salgavam a comida. Como não se poluíam com as bebidas que hoje nos invadem... ou bebiam água, ou vinho, ou aguardente, e trabalhavam de sol a sol, o sal era queimado pelo organismo. Hoje temos ar condicionado em todo o lado e vamos de carro para toda a parte, - não suamos e, portanto, não perdemos sal - em consequência, temos tensões elevadas, obesidade e outras coisas que tais. Remédio portanto é:SUAR! Só que para suar é preciso esforço...
Bom... mas o assunto era o SCORÊRO:
Dia de Sexta -Feira Santa à tardinha... Vinha eu todo suado, vou-me ao cântaro da água e emborco três copázios de esmalte do precioso líquido! Vou ao chafariz do batoco, trago dois caldeiros valentes de água, desço o balde adaptado a chuveiro feito pelo ti Zé Latas, encho-o, subo-o, abro a torneira e um banho/duche é, sem dúvida, um prazer inenarrável, mais a mais numa altura destas, em que eu vinha de tirar esterco dos currais a quarenta e três porcos- uma enormidade!
Quando desci, minha mãe:
«não tenho nada feito... não sabia a que horas vinhas!
" Não se rale! eu já me trato!
« olha que hoje é Sexta-Feira Santa... Não se pode comer carne... Abre ali uma lata de atum e coze uns ovos!»
" Isso tem muita mão de obra, eu estou com a galguéria e não me apetece atum nem esperar que os ovos cozam"!
« Vai ver ali à Rosa se lá há alguma coisa...»
"Vou mas é ao ESCOUREIRO e pesco um chouriço"..
« Olha, calha bem, boa ideia!»
Estava eu já refastelado a comer prazeiteiramente o meu chouriço, quando ela, assarapantada, entra por ali dentro:
«atão tu no vês que o chouriço é carne?»
" Este não, mãe! não vê que o PESQUEI com o anzol do garfo ali no escoureiro!"
«Rais ta partissem, damonho! Já está, já está!»
Lá me lambi com o chouricinho macio e se tinha sal não dei conta.Eram chouriços divinais aqueles: o unto escorria por entre os dedos e a gente lambia-se tal qual os gatos na sua higiene POST PRANDIUM! Já são raros chouriços com estes paladares. Ainda se encontram e se provam, mas só nas aldeias. VIVAM AS ALDEIAS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Acabava eu de sair de casa, consoladinho, vinha o Tonho Arplano, já um pouco corcunda - os anos não perdoam - a resmungar. Não percebi o que dizia e meto-me:
- Ó ti Tonho, Karraio vai práí a ruminar?
- Então num queres lá saber que fui onte ao doutormédico e que ele me disse que eu tinha uma nascido aqui à entrada do meu cu?!
Eu sei do que foi... eu senti a picada...Fui a aviar a vida ali ao restolho do Cavalheiro, por baixo da figueira maranhoa e espetou-se-me aqui uma palha... Num liguei...Fiz uma torcida com a palha, alimpei as nalgas e ala! Passados uns tempos isto começou-me a doer e a minha lá me aqueceu um caldeirinho de água, lavei-me com sabão da borra do azeite, e fui-me a ver o que se passava porque eu bem apalpei alguma coisa que dantes lá num estava! Nem disse nada à minha... Quando cheguei à vila já ia desacorçoadinho de todo.
-E foi aí que ele lhe disse que tinha uma fístula à entrada do ânus!?
-Foi isso mesmo que ele me disse, mas eu num te vi lá! Como é que sabes?
-Olhe ! Eu cá se fosse a si tinha-lhe dito:" Vossa mercê, senhor doutor, há-de desculpar! Esse nascido num está à entrada do mê cu! está mas é à saída! Aqui num entra nada! só sai!
Rais ta partissem, garoto do diabo! Lá abalei, todo contente e o velho Arplano ficou-se a praguejar e a amaldiçoar a sua má sina!

sexta-feira, maio 11, 2007

OUTRAS FALAS

A abelha zune, ou zumbe; a águia grita; a andorinha chilreia, gorgeia, trinfa, ou trissa; o bezerro muge; o bode bodeja; o burro zurra, orneia, ou orneja; a cabra berra; o cachorro gane, ganiza, ou late; o camelo blatera; o canário canta, gorgeia, trina, ou trila; a cegonha grita, ou glotera; a cigarra canta, ou fretene; o cisne canta, ou arensa; o coelho chia, ou guincha; o corvo crocita, ou grasna; o crocodilo chora; o cuco cuca, ou cucula; o elefante brame, ou urra; o gaio grasna; o galo canta, cucurita, ou cucurica; a lebra chia, ou berra; o leitão cuincha, ou cuinca; o lobo uiva, ou ulula; a mosca zoa; o mosquito zumbe; a ovelha bale; o pardal chilreia, chilra, ou chia; o pato grasna, ou grassita; o pavão grita, ou pupila; a pega palra, tagarela, galreja, ou galra; o peru gruguleja, ou grulha; a raposa regouga; a rola geme; o rouxinol canta, gorjeia, trina, ou chilreia; a serpente assobia, ou silva; o urso brame, ronca, ou ruge; o veado brame.
E o homo sapiens sapiens? Esse fala. E quantas falas ele fala…

quinta-feira, maio 03, 2007

A NOSSA FALA - LXXXIII - MOINA ou MOINICE

Por natureza o homem é um animal mamífero. Só que alguns mais propriamente deviam ser chamados de mamões. Só estão bem à coca ou à mama. São esses que andam sempre na moinice. Faz-me isto lembrar uma cantiga que aqui não posso reproduzir em música mas deixo a letra:

O Senhor Hitler mais o Senhor Mussolini
Inventaram uma guerra de extermínio
Uma guerra de espantar!
Os alemães inventaram um submarino
Que é uma espécie de pepino
Que anda no fundo do mar...

Na minha terra deu-se um caso espantoso
Que espantou todo o povo
Que fez toda a gente espantar...
Na minha terra era o galo
Que punha o ovo
Para a galinha descansar

Minha vizinha
Tinha lá na capoeira
Uma galinha poedeira
Com uma frigideira ao lado
Minha vizinha
Queria que a galinha
Lhe pusesse um ovo estrelado

Na minha terra nasceu um crianço
Que estava sempre no mamanço
Só mamando estava bem
Mas um dia de tanto mamar
Podem acreditar
O crianço engole a mãe

Havia um refrão que se intercalava entre cada estribilho:

D. Chica,D. Zefa, D. Amélia
Fecha a porta catramela
para a bicha não entrar

Foi por cusa do último estribilho e dos versos assinalados que esta cantiga me veio à memória e "por se acaso"... deixo-a para a posteridade.
Pronto está bem...
Eu sei que também quereis um bocadinho de mama, às vezes. Quem não gosta de chupar numa boa mama?

"Salgueirinho da ribeira
cortado à mão canhota
não há coisa mais macia
do que as mamas de uma cachopa!"

Eu dou-vos maminha hoje: duas receitas de entrada para um engate assim comédado:

1-

Pera abacate com molho vinagrete

Escolhei peras abacates que não estejam muito rijas - sinal que estão muito verdes e o paladar não é o melhor - mas que não estejam muito apalpadas pois ficam com nódulos e estraga a aparência/aspecto da comezaina e pode-se perder o engate! E isso é que não pode ser.
Parti-as ao meio no sentido longitudinal, tirai o enorme caroço e com uma colher macia retirai de cada uma das metades a massa com o devido cuidado para não estragardes a casca, que deveis guardar, pois vai servir de covilhete, para o frente a frente degustativo...
Com um garfo esmagai essa massa até não ficar com grânulos. deixai repousar. Entretanto descacai umas gambas previamente cozidas, deixai de fora a cabeça e parti em bocadinhos o corpo do crustáceo tendo o cuidado de lhe retirar aquela horrorosa tripa preta que lhe percorre todo o dorso. A quantidade de gambas fica ao vosso critério, sabendo que não podem ser muitas pois, podia dar-se o caso de depois não se poderem meter na casca da pera juntamente com a massa esmagada e o molho que agora ides preparar: Um bom Ketchup (Heinz,Calvé,Hellmans)
Mostarda (Savora, Calvé) Mayonnaise (a caseira é a melhor, mas dá muito trabalho pelo que vos podeis ficar pela Heinz ou Hellmans). Numa malga deitai em partes quase iguais estes três condimentos e mexei até ficar com cor de tijolo. Podeis provar e constatar se o vinagre da mostarda contrasta bem com o doce do Ketchup. Fazei as correcções que entenderdes até que fique do vosso paladar. Deitai a massa esmagada para esta combinação de molhos e envolvei juntamente com os bocadinhos de gambas entretanto descacadas e partidas, enchei as cascas das peras, enfeitai a gosto deixando um arco de gambas espetado na pasta obtida. Apagai as luzes, acendei uma vela flutuante, convidai o objecto do engate e saboreai esta maravilha...
A resposta dela vai ser: «que bom!» e vós: "tu queres é mama!" Nada pior para estragar um engate.

2

gratinado de couve naba com delícias do mar

Cozei em água pouco salgada e já a ferver as folhas de couve naba que considerardes necessárias para os convidados. A fervura é rápida e a panela não pode ser tapada para que a cor natural da couve naba não escureça, retirai para uma coador deixai escorrer mas de modo a que não perca toda a humidade. Com a varinha mágica triturai ligeiramente de forma a que não fique uma papada, distribuí umas delícias do mar por toda a massa, deitai para um tabuleiro de ir ao forno, batei os ovos necessários para a cobertura, levai ao forno a gratinar e servi quentinho e muito aconchegadinhos ao parzinho.

Agora que já vos dei a mama não vos dediqueis à moinice. É pôr ao trabalho e mainada!
Bom proveito, ou como se diz em espanhol: Que vos aproveche!
Para fim de conversa ponde-vos a enumerar os mamões que andam à vossa volta e constatareis que é pelo menos um terço dos que conheceis! Palavra de Francesco Alberoni!