quinta-feira, março 06, 2008

A NOSSA FALA - CV - BÔ(T)CHA / 0

Ao princípio homem e animal não tinham estabelecido relações muito cordiais.
A ideia da domesticação e, mais tarde, a sua consecução surgiu quando o homem e alguns animais do topo na hierarquia dos predadores - o lobo, por exemplo - se encontravam a disputar uma mesma presa. Repare-se que tanto o lobo como o homem conviviam em sociedades hierárquicas com tarefas definidas e ordens comportamentais sempre obedecidas, sob pena de castigos pesados. Veja-se o lobo alfa e o chefe da tribo...
O que valeu ao homem foi a sua inteligência superior que, ao mesmo tempo que lhe permitia resolver problemas novos e adaptar-se mais rapidamente a novas situações, lhe proporcionou a ideia de aproveitar as capacidades do lobo em seu próprio proveito... Sem nunca ter estudado psicologia animal o macaco já cada vez menos peludo de quem nós descendemos, depressa aprendeu que a cativação do animal só se poderia fazer através da simpatia e do afecto. Breve, o decisivo era comprar a capacidade do outro e pô-la ao seu serviço: decidiu alimentar o lobo dando-lhe carne sempre que com ele se encontrava ganhando assim a sua confiança. Aos poucos, o lobo deixou de ver naquela figura algo de ameaçador e passou a ver um amigo. Lentamente o homem foi criando os filhos dos lobos, foi-lhes dando guarida, alimento e carícias. O lobo passou a cão e, logo, a companheiro do homem nas tarefas de caça. Ainda hoje assim é.
Não é raro ouvirmos caçadores a dizer que antes queriam perder uma pipa de massa do que um cachorro e sabemos da utilidade dos cães na descoberta de sobreviventes a catástrofes e no acompanhamento de cegos e de pessoas solitárias, ou na guarda do gado junto de pastores, e por aí fora. Há também aqueles outros que mantêm as suas primitivas características de agressividade e que chegam a matar nas suas investidas. Aí a culpa não pode ser imputada ao cão mas ao seu dono que não tomou as devidas precauções para evitar acontecimentos de que todos temos notícia.
Toco Jabão tinha um cão - o Toniche- e uma cachorrinha - a Loc - de quem gostava mais que da família, podia dizer-se sem receio de errar. Caçador como era, odiava gatos. Passou essa sua aversão aos felinos aos dois bôtchos. Loc era, a bem falar, uma amostra de cachorro. Não sei se pesaria dois quilos e a sua agilidade a saltar para o colo de toco jabão era impressionante: bastava ver ou cheirar um gato e, de imediato, dava sinal com um latir especial. Toco entendia a mensagem, logo descobria o gato, chamava Toniche, poisava Loc na bifurcação da árvore, se fosse o caso, a cachorra subia, o gato era acossado, Toco ajudava à pedrada, o gato via-se na emergência de saltar e aí arrancava Toniche que lhe agarrava pela espinha e vindimava o gato num instante, regressando para as festas. Como se vê nada de comportamento exemplar. Havia de ser hoje...
Sem dúvida o cão mais famoso que percorreu as ruas de aldeia foi o NERO: resultado de cruzamento de uma cadela Serra de Estrela com outro qualquer cão, ele era a paz em pessoa, digo, em cão. Qualquer garoto lhe fazia festas e até alguns iam às cavalitas do Nero que parecia entender e andava mais devagarinho. Está bem de ver que nada faltava ao Nero. Sendo ele pertença da casa mais rica, ao tempo, a casa Campos, não era necessário preocuparem-se com a alimentação do cão porque nós, os garotos, lhe arranjávamos a comida que ele precisasse. De Verão, era vê-lo espojado à sombra da casa do Pirolas onde a ti Esperança tinha uma espécie de goteira que humedecia o solo. Era aí que o Nero dormia as sestas. Vida de cão, era o que era: comer e dormir...
Foi este cão durante anos guarda do rebanho da casa Campos ali para os lados das portela, batcharel, frade e minas mas a idade tudo traz de mau e o cão para além de custar a alimentar ao Chquim da Senhora, já não via o que devia e então veio para a aldeia.
Contava o filho do Chquim da senhora que o via engolir sem quase mastigar quando a comida não exigisse moagem dentária. Espantado dizia para o pai:«Ó senhor, meu pai, porra, o Nero nem mastiga, parece que só engole!» e o Chquim:« tu num vês, mê tonto que o cão só mastiga até que olhe para o olho do cu... ele só escarcha os ossos porque arrepara no tamanho do osso e na roda do olho cego e pensa assim: se engulo o osso de uma vez, apoi, ao sair, num me cabe no bureco e pior é se lá chega de travesso. É só por isso que o Nero quase num mastiga. Se pudesse engolia tudo inteiro com aquela bocarra.»
Para que conste: aqui fica a razão de os cães terem que mastigar um pouco os ossos.
Já estava com saudades vossas. Não sejais como o Nero: bebei a comida e mastigai a bebida. Tudo devagarinho que o estômago não tem dentes e o intestino não é nenhuma malhadeira.
AH! E, DE CAMINHO, NÃO SEDE VELHACOS PARA COM OS ANIMAIS. JÁ BASTA QUE OS CRIEIS EM CAPOEIRAS E COELHEIRAS E FURDAS E BARDOS E ESTREBARIAS E CAVALIÇAS E... PARA DEPOIS OS COMERDES. a PÁSCOA VEM JÁ PERTO E ALGUNS GALOS E OUTROS TANTOS COELHOS, BORREGOS E CABRITOS TÊM O DIA DE JURAMENTO DE BANDEIRA MARCADO. BOM PROVEITO!
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