quinta-feira, novembro 23, 2006

A NOSSA FALA - LXXI - GANDULO

Muitas foram e continuarão a ser as definições de homem: desde o famoso animal racional de Aristóteles, até ao bípede de Platão que levou a que um cínico lhe apresentasse um galo depenado " aqui tens o animal bípede", e, depois, outras definições como o de animal emocional, como diz Goleman, mas de todas, se calhar, a mais repetida é a de que é um mamífero, da ordem dos primatas.
Tudo bem; mas o que hoje aqui vos quero trazer é mais que um mamífero: é o mamão. Aquele que anda sempre à mama, à babugem... Conhecei-lo? Há por aí muitos... olhai à vossa volta. Um terço dos que convosco lidam são roupa afinada desta. Verdadeiros mamões. Os Xendros metem nestes os gandulos: os que andam na gandulagem, não fazem nada, espreitam oportunidades, perdem toda a vergonha, vadiam quanto baste, mas, o certo é que não lhes falta nada. São uns artistas estes mamões.
Por natureza, os portugueses só trabalham um bocadinho hoje para ver se amanhã fazem menos ou, se possível, nada. É por isso que, proporcionalmente, de entre todos os países da Europa em que se aposta no euro-milhões, os portugueses ocupam a linha da frente.
Quando se pergunta a um apostador o que faria com tanta nota o que ouvimos? "Dava uma volta ao mundo, fazia uma casa com piscina e tudo, arranjava um bom bólide, arrumava as botas, dedicava-me ao remanso,..." Somos ou não uns madraços, uns mamões.O que queremos é andar na gandulagem.
Se eu fosse o bafejado - coisa improvável de todo porque, ao todo, participei apenas três vezes em listas de grande quantidade de apostadores num total de cinco euros, nem mais um cêntimo - se me saísse a mim, então podeis ter a certeza que eu continuaria a trabalhar normalmente - não sei não fazer nada -, havia de criar trabalho para muita gente, com salários dignos de seres humanos, e condições de trabalho em que daria prazer dar esforço. Podeis crer que seria assim...Gandulos é que não entrariam.
Só que não me sai e, portanto, o número de desempregados continua a aumentar assustadoramente. Se credes nalguma divindade, rezai-lhe para que interfira a favor dos números em que vou apostar dois euros para a semana e pode ser que sejais vós, leitores amigos, alguns dos que poderão vir a beneficiar destes meus sinceros intentos.
Vem-me à memória a história de dois amigos já encharcados de tinto e aguardente:« se eu fosse governo, dizia um, o litro do vinho só custava 5 cêntimos » e o outro «eu punha o copo de aguardente do tamanho dos do vinho e a 10 cêntimos»...Nisto caem e diz o primeiro:«ora porra, agora que o governo ia tão bem é que caíu». Riram os dois e melhor solução não haveria, digo eu.
Se agora vos deixasse aqui alguns nomes de mamões e gandulos, a lista seria tão grande que calejaria os dedos com que bato as teclas e vos cansaria com esse relambório. Assim deixo a lista à vossa completa liberdade de decisão e selecção.
Se me sair o euro milhões logo o sabereis, que eu, como pessoa educada e bem criada que sou, comprarei um minuto em cada uma das televisões de sinal aberto, e agradecerei o vosso gesto de terdes contribuído para o aumento do emprego em Portugal e para mais um pouco de menos dores de cabeça minhas, pois assim já não me irá sobrar mês e faltar dinheiro... Podeis ficar cientes disso...
Assim já ninguém tem o direito de me chamar gandulo.Isso nunca!
Deixo-vos o habitual XXXXXXXIIIIIIIIII GGGRRRRRRRAANNDDDEEEE.

quarta-feira, novembro 08, 2006

A NOSSA FALA LXX - JÁ HÁ CABONDE

Ainda não entendi muito bem porque é que a Páscoa é uma festa móvel... Parece que tem a ver com o aparecimento da lua cheia em Janeiro. Se esta aparece cedo nos céu do Januário - do deus Jano, deus com duas caras, uma virada para trás a olhar para o passado e outra para a frente a abrir as portas do futuro, que quando as portas do seu templo estavam fechadas significava que Roma estava em paz e quando abertas que Roma estava em guerra - (ao que parece só se fecharam por dois dias) - a matança do anho era também cedo; se o satélite tardasse a aparecer pleno, então, o borrego só era festejado mais tarde e as farinhas nas portas só se punham nessa data... Esta farinhas chamadas MOIOS, eram postas nas portas de entrada das casas e queriam desejar aos que nela vivessem a fartura para o ano que se iniciava. Convém dizer que um moio valia 60 alqueires e assim quem tivesse sete bolinhas de farinha amassada espalmadas na porta sabia que alguém desejava que ficasse com sete vezes a semente semeada.
Se a porta não fosse assinalada era porque nada de bom se augurava para aquela família e acontecer-lhe-iam as desgraças que aconteceram no Egipto com a morte dos primogénitos às famílias que não tivessem sido ungidas com o sangue do cordeiro imolado. Ainda hoje na liturgia sacra mais significativa do catolicismo se chama a Cristo o Cordeiro de Deus e se lhe pede a paz.
As interinfluências sagrado/profano, ou, no mundo ocidental, mais estritamente, as interinfluências paganismo/judaísmo-cristianismo, se bem que sejam de todo o tempo e ainda hoje seja fácil constatá-las, tiveram maior impacto na pré REFORMA, nos tempos dos Goliardos, esses minadores do stablishment que a Igreja Romana Católica Apostólica desde a sua fundação, e ainda hoje, sempre quis impôr.
Os sucessivos Concílios, com o estabelecimento de dogmas e mesmo as Encíclicas, essas famosas carta ecumémicas, normalmente documentadas com citações pouco menos que pré históricas - o que desde logo atesta da sua actualidade! - e, ao tempo, o aparecimento, como tortulhos em períodos de humidade, das famosas ordens religiosas, mendicantes ou não, tudo, completado por um altamente poderoso Santo Tribunal da Inquisisição, foram algumas das diferentes formas pelas quais o sacro quis vigiar, controlar, martirizar o profano. Aquele que ousar divergir do pré determinado pela hierarquia religiosa tinha que se haver com esses esbirros que tudo queriam subjugar... Os autos de Fé superabundaram...
Por outro lado não é menos verdade que o profano jamais abdica de muitas das suas crendices e a religião dominante, se quer penetrar nos hábitos tradicionais dos povos, tem que saber lidar com essas crenças e aceitá-las torneando-as depois. É assim que muitas das datas mais sagradas só se explicam com o conhecimento das anteriores práticas pagãs.
Costume que ainda hoje se vê nalgumas povoações - cada vez menos - é a chamada Visita Pascal. No Domingo de Páscoa, à tarde, depois do almoço, normalmente um pouco melhorado, juntava-se a malta junto à casa do Sr. Prior e começava-se a visita a cada um dos lares da povoação: o pároco de sobrepliz e estola, um rapazola com uma opa levava a cruz a qual era ladeada por duas lanternas também transportadas por rapazes com opa. Um outro levava a campainha com que se assinalava a passagem dos visitantes, sempre ladeado pela caldeirinha da água benta e respectivo hissope. Uma outra quantidade razoável de rapazes - nunca entravam raparigas nesta visita - ia armado com cestos, cabazes, açafates, caixotes, bolsas,..., destinados à recolha dos diferentes produtos com que os donos das casas presenteavam os visitantes: queijos frescos e/ou curados, enchido diverso, galos e galinhas, nozes, figos secos, vasilhas várias com azeite, vinho, jeropiga, ... Duma vez até deram um reco pequeno...
Um dos do séquito, ligeirinho, entrava na casa, via o que havia e dava a ordem para avançar o par a quem competisse a recolha. Assim, se fosse queijo avançava o caixote dos queijos, se fosse dinheiro arrancava a bolsa do mealheiro, se fosse galináceo logo surgiam os cestos de tampa para a recolha,...
O Sr. prior aparecia, pegava na cruz que lhe era cedida pelo seu portador, não sem antes ter aspergido a casa com o hissope da água benta, oferecia-a para que fosse beijada pelos moradores que de joelhos em círculo aguardavam a oportunidade. Não raro havia convite para um bolo de leite, um figo seco com noz, uma jeropiga ou um copinho e, nas casas mais abastadas, lá aparecia um pequeno petisco que a rapaziada devorava em menos que demora a dizer.
À noite, toda a malta estava estafada e era oferecido pelo sr. prior um jantar a que tinham acesso todos os participantes nesta visita.
É aqui que aparece o JÁ HÁ CABONDE: vinham as travessas para a mesa e o sr. prior fazia questão de nos ser ele a servir : a colher de pau enterrava-se no arroz de miúdos e despejava-se no prato de cada um. O pároco punha sempre os pratos de cogulo. O Chquim pardalim quando vê tanto arroz: chega! e o tonho bate-sacas: alto! e o fainica: já há cabonde. Ficou o grupo desse ano conhecido pelo alto!,bonda! já chega!. Houve risada geral e o tonho maregas, que já era assim mais crescidote e já tinha mamado uns púcaros durante a visita estava já meio entornado. Eu, sorrateiramente, desci à loja da casa da paróquia parti uma botelha porqueira das pequenas em talhada fina e levei para cima numa travessa a fingir que era melão casca de carvalho. Fingi que era uma maravilha e o maregas foi-se logo a ela como gato a bofe. Louvou a rijeza do pseudo melão e repetiu a façanha. Até o padre se riu e se não fosse o paz d'alma do santinho a dizer" já há cabonde", era certo e sabido que o Maregas enfardava ainda mais uns nacos de abóbora porqueira. Um gozo, foi o que foi.
Ainda agora eu que revivo esta situação sinto algum gozo. Mas não penseis que estou a gozar convosco. As coisas foram assim como vos contei...
Um XXXXIIIIGRRRANDDDEEE!