domingo, maio 14, 2017

A NOSSA FALADURA - CCLI - PINCHAVELHO

A necessidade de actualmente fecharmos todas as portas a quantas chaves for possível é hábito relativamente recente. Na verdade muitas das portas nos tempos idos, ou estavam apenas encostadas, ou fechadas ao trinco, facilmente acessíveis a quem quisesse entrar. Outras, sobretudo no campo, ou se fechavam com um baraço enrolado num prego espetado no batente e ligeiramente encurvado ou, às vezes era um arame em forma de argola fixo na porta e que depois se ajustava a uma presilha qualquer existente também no batente ou mesmo numa fresta lateral à ombreira da porta. Decididamente o importante era que algum animal que estivesse dentro não conseguisse sair... Nalgumas utilizava-se outro artefacto: o pinchavelho. Em regra era um pequeno pau, aguçado dum lado e que entrava justo numa argola onde metia um arame que assim não desandava do sítio mesmo que o vento abanasse a porta. A alternativa era um pequeno ferrolho em cuja extremidade estava um penduricalho que entrava na dita argola e lá ficava.
Não existia então o medo do roubo e nunca acontecia ter que voltar a casa buscar a chave que se esquecera. Ainda algumas vezes me abriguei em casebres destes quando alguma trovoada me apanhava desprevenido.
Mesmo nas povoações era raro que se esbarrasse numa porta fechada à chave. Premia-se o trinco ou puxava-se um baraço que arrastava a língua da fechadura, abria-se a porta e só depois é que se perguntava: Oh Rosa estás cá?
Mas o mais interessante era que as pessoas quando estavam em casa conversavam umas com as outras, sobre tudo e sobre nada. Simplesmente conversavam. Os novos iam aprendendo as histórias que os mais velhos vezes sem conta contavam, como por exemplo a do peidinho da senhora, que quando o avô dizia que desde o peidinho à peidorra que venho atrás do cu da senhora, provocava sempre cristalinas gargalhadas, ou aquela outra do conto das calcinhas vermelhas, ou a da morte da burranca,... O decisivo era que conversavam. Ide lá ver hoje! já não basta a porta da rua trancada, como ainda cada um com o seu telemóvel ou computador, entretém-se a jogar ou  a partilhar nas diferentes plataformas sociais, mas ninguém conversa com quem está com eles na sala. Mesmo quando riem, cada um ri de coisa diferente e em momento diferente à medida que encontra algo engraçado no desenrolar da sua busca.
E se queremos entrar no mundo deles, não penseis que basta desenculatrar o pinchavelho que aliás não existe.  É preciso que ele se disponha a rodar a chave com que se fechou no seu mundo.
Se se pretende, então, fazer algum debate sobre um tema que esteja na berra e que de algum modo podia animar uma boa conversação, ou desandam para o quarto, colocam auscultadores nas orelhas (agora chamam-se fones) e isolam-se de novo no seu mundo privado.
Por exemplo, algum dia vos perguntastes se em vez de termos os mandamentos em forma de imperativo negativo (não matar, não mentir, não levantar falso testemunho, não invejar...), os tivéssemos de forma afirmativa e, se em vez de serem aqueles que todos conhecemos fossem outros como (sirvo-me de Richard Dawkins em A Desilusão de Deus, casa das letras, pag 316): esforça-te por não fazeres o mal; vive a vida com alegria e admiração; procura sempre aprender algo novo; trata os teus semelhantes, os seres vivos e o mundo em geral com amor, lealdade, honestidade e respeito; interroga-te sobre tudo; forma opiniões independentes com base na tua própria razão e experiência.
A ideia dogmática da inalterabilidade é a morte da criatividade, da inovação. É preciso, se não ser subversivo, ser pelo menos ousado e provocador (aquele que PROVOCA DOR) ou seja, é proibido estagnar e ousar...
Seja-me ainda permitido trazer à baila um assunto candente: o dos direitos dos animais. De facto este assunto deixou de estar trancado e passou a estar acessível por um pinchavelho acerca do qual qualquer um opina. Deixando de lado esta questão sublime que é a de todos e cada um se julgar autoridade em assuntos acerca dos quais nada sabe e mandar para o ar uns bitaites de forma aberradamente aleatória. Já uma vez aqui tratei da famosa doença contemporânea:  a opinionite…Diferentemente do que se julga, a opinião não pode ser  emitida a eito. A opinião deve ser apenas dada por quem saiba de um assunto e não por um basbaque qualquer que se arvora em especialista fazendo "figura de crocodilo na classe dos mamíferos" na sublime leitura de Joaquim de Carvalho.
Volvamos, pois, ao assunto que aqui nos conduziu: o dos direitos dos animais. Talvez ninguém melhor que Peter Singer – este sim, pode falar do que sabe ...- E que defende o nosso especialista? Olhai só: «devemos avançar para uma condição 'pós especialista' em que o tratamento humano é alargado a todas as espécies que disponham de um cérebro suficientemente poderoso para dele desfrutar. Talvez  isto aponte já na direcção que o ZEITGEIST  moral deverá tomar nos próximos tempos. Tal não seria mais do que o prolongamento natural de reformas anteriores, como a abolição da escravatura e a emancipação das mulheres.. (esta problemática do Zeitgeist vai ter tratamento especial num dos próximos basas.).
Mas, já agora deixo-vos uma questão linear que não vamos, por agora, desenvolver: será que quem não tem deveres tem direito a ter direitos...?

O problema  é agora o de saber: quem dialectiza estes problemas comigo? Não tenho parceiro e por isso penso sozinho e, olha!, partilho convosco. Pode ser que algum de vós me desafie! O meu pinchavelho não tem segredo: é abrir e entrar.
XXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIII GGGGGGGGGGGGGGGRAAAAAAAAAAANNDDDDDDEEEEEEE.