sábado, setembro 01, 2007

A NOSSA FALA - XCV- CO(U)RRI(t)CHAS/CARRICHAS

Contra a corrente empirista que se limita a asseverar que o hábito mais não é do que a repetição continuada de uma mesma experiência, já o velho(!) Georges Washington, rebatia ao afirmar que "o hábito não é uma segunda natureza, ... ,ele vale mais que dez vezes a natureza! "
Vem isto a propósito de que, muitas vezes,nos ”avezamos” a pronunciar, não importa o quê, de determinada maneira e, se ouvimos esse termo de modo diferente, depressa acusamos o emissor, dizendo que não se deixe embarcar nas formas de dizer comuns e diga as coisas comédado. Por exemplo: na nossa aldeia todos chamam ao Domingos, filho do Lavra Miúdo, fai nica, mas a verdade é, que, quando ele andava com os Tiagos, ali para as portelas, já a dar vistas para as minas do Pinheiro, nas traseiras do João Rela e do Tonho Sarrabeco, o cachopo, irmão do actual coveiro - O Tonho Zéi - quando, miúdo ainda, vizinho que era dos Tiagos, malinos dum corno, estes lhe atiravam lascas a zunir às orelhas para o atentarem de grande. O fai nica não sabia de onde vinha o zaranzum, e, acagaçado com o medo - afinal era um petiz - começava a gritar :«PAI A MICA,PAI A MICA..., o que, pura e simplesmente, apenas queria dizer «ó pai vem aqui ao pé de mim!».
Joaquim, lavra miúdo,com quem reparti muitas manhãs de dar água ao lagar, ouvia o bramir do MINGA e lá ia a ver o que se passava...: FAINICA, OU, PAI A MICA, pedia então corrichas, currichas ou carrichas ao LAVRA MIÚDO e ele lá acedia ao pedido, montando o filho às costas (às cavalitas) até sítio onde as pedradas dos filhos dos Tiagos ou do Sarrabeco já não alcançassem...
Outros tempos... em que as crenças no diabo e seus apaniguados era outra...
A mãe logo dizia que "aquilo era a diabólica" e acendia o toco de uma vela à imagem da SS. Sagrada Família, que recebia cada três semanas e à qual, obrigatoriamente, mantinha aceso um pavio feito de encastramento de ervas que se colocava num triângulo de lata, cujos bicos, espetados em nacos de cortiça, permitiam a flutuação em azeite virgem, que servia de combustível.
É meu crer que muitos dos que me lêem tenham tido em casa o pequeno tabernáculo da Sagrada Família, que, como é sabido, transitava de casa em casa, sabendo nós de quem o recebíamos e a quem o passaríamos... Muitas vezes fiz essa transição ...
A vez em que na aldeia, que eu me lembre, vi mais garotos às currichas dos pais foi nas festas da Desfolhada (por questões com o prior já aqui narradas) por alturas do ”Sr S. Bartolomeu” - faz agora anos - quando o velho professor Leitão, em combinação com o saudoso Tarzan Taborda, traz à terra dos Xendros, Francisco Xavier (mister músculo do ano - já não sei qual) para fazerem uma demonstração de CATCH AS CATH CAN, em tradução livre: AGARRA COMO PUDERES, E O QUE PUDERES, não importa como, ou numa tradução mais inteligível: LUTA LIVRE, especialidade onde o nosso Albano Taborda Curto, ou Albano Taborda Curtis, ou simplesmente TARZAN, era especialista, tendo sido por mais que uma vez Campeão mundial.
Famosas ficaram as lutas com o algarvio Zé Luís de quem se dizia que tinha uma marrada, digo, uma cabeçada, mais forte que um carneiro. Conta- se até que de tanto marrar, digo, cabecear, contra um sobreiro este, dorido com tanta marrada, deixou de se vestir de cortiça e secou.
Bem..., naquele ano então houve espectáculo de luta livre: Tarzan contra Xico Xavier!
Talvez a maioria dos que me lêem, Xendros que sejam, não saiba o porquê daquele quadrado de cimento existente a meio da lameira... Ora, aqui fica a explicação: aquele "ringue" foi propositadamente feito para a luta entre Tarzan e Xavier...
Depois foi aproveitado para pista de dança, nas festas.
Foi então dessa vez que a canalha exigiu corrichas aos pais para conseguir ver o famoso golpe de tesoura que Tarzan aplicava, fazendo uma espécie de mortal à rectaguarga, apoiando as mãos no chão e engarranchando os pés cruzados (daí o nome de tesoura) no pescoço do adversário.
Lembro-me do Domingos Patanisca que estava comigo na linha da frente:"o filho da puta, mal lhe botou as patas ao cachaço, ardulhou-o logo". E foi mesmo assim: Xico Xavier caíu redondo chão, entalado entre as pernas de Albano Curtis. Foi o delírio na aldeia. Toda a canalha às corrichas batia palmas freneticamente, os PsYcadelic Set, com Tó Nô, Pedro Veiga, Xico Milheiro e o velho Cisne arrancam com Rolling Stones e camarada Licas, sozinho, entoava no seu inconfundível estilo aicanaguetanou. Inesquecível! Só mesmo quem viveu...
Agora nem que vos ponha às corritchas... Tarzan já partiu e do Xico Xavier nada sei. Do Licas todos sabemos e dos Psycadelic Set sei de alguns.
Se há coisa onde a nossa aldeia não tem grande nomeada é em matéria de artistas musicais... Aldeia de João Pires tem banda, Aranhas tem Rancho, Penamacor tem o Telmo e Rancho, Pedrógão tem banda, ... a aldeia não tem coisa de jeito a não ser agora o coro da igreja, mas só para esse efeito.
Àparte o Chquim Ventaneira e o seu pífaro, o Domingos Poças com a sua concertina, o Tonho Bondito com o seu Armonho, que o Tonho Fatela também arranhava numa desgarrada, não há memória de grandes executantes do que quer que fosse.
Foi numa destas desgarradas em que Manel Manata, o bisga, também apareceu com o seu acordeão, que apareceu um visitante do Meimão que desafiou o Manata:" Cala-te aí, ó boca aberta,/Meu goelas de peru/Os teus dentes são navalhas/Faz-me aqui a barba ao cu... O Manata afinou logo: "Tu num estás a ver bem/ o barbeiro com quem te metes/tenho cinquenta navalhas/ e duzentos canivetes/.... A coisa foi crescendo, mas, ao fim, tudo acabava em bem. Pergunta o bisga do velho Manata ao cantador do Meimão:«Como é a sua graça?» -" Porfírio Branco... e o Manata: pois eu profírio tinto.
Ah tempo! como diria o velho Comandante às corrichas de quem me passeei muitas vezes....
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