sábado, junho 28, 2008

A NOSSA FALA - CVIII - CHARRONCO/A

O nosso já muitas vezes referenciado coiote pete era um especialista na "catalogação" das figuras de aldeia, sobretudo das VIP, para a época, que mais não eram que os comerciantes e outras personagens que, por atitudes circunstanciais, as mais incríveis e, às vezes, irrepetíveis ficavam com o estigma da alcunha para todo o sempre. A ele se devem muitas das mais famosas e que já aqui foram ecoadas. Dispenso-me de as identificar.
Ainda assim, porque o homem não é só o que quer, é também o que pode e nunca se solucionará se querer é poder ou se poder é querer, vejo-me constrangido a deixar-vos aqui alguma história. Também não é por acaso que um livro, bem pobre em termos de discurso, é best seller mundial. Claro que não cito o título para não contribuir para mais uma eventual venda.
Marketing é também isto, e também não é por acaso que a televisão que piores programas transmite é a mais vista. Mais vale cair em graça do que ser engraçado.
Um dia, ali no largo do Batoco, ainda por lá estavam dois bancos de pedra onde eu ferrei umas boas sestas, debaixo daquele frondoso plátano que, com as suas raízes, rebentou com tudo à volta, canalização incluída, bem, num certo dia, melhor, numa noite cálida de Verão por ali estavam, já a Rosa tinha fechado há muito, uma cambada de se lhe tirar o chapéu: Coiote Pete, Toco Jabão, Abraço de Basuca, Nosso Sargento,Teixeirinha, Cabeças, e eu, está bem de ver - não sei se me passou algum -.
No seu SIMCA 1100 em segunda a fundo passa acelerado, num cagaçal medonho CHINCHAS REFILÂO que acumulou logo o de CHARRONCO por causa do estrilho que fazia. Era verdade: onde ele estava, mais ninguém falava. Sozinho era uma rua a falar. Tinha a mania que só ele é que sabia e, vai daí, Coiote não perdou: CHARRONCO. E atira: Vamos baptizar aqui os comerciantes... E foi: João Robalo Elvas- O CAGÃO, Domingos Cunha - O AVARENTO , António Robalo Elvas - O PANASCA- Chico Vaz (Miguel) O BASÓFIAS, António Centúrio - manteve O FATELA, Zé do Café -PANELEIRO, Joaquim Faustino, O ESCRAVO, Zé Júlio, O TROCA-TINTAS, Zé Rolo, O FARELOS. E, tal como diz o padrão implantado a meio do adro, tirando de Camões:" se mais mundos houvera, lá chegara.
Já agora: paroquiava a aldeia o inefável padre Zé Pedro, que convivia com seu pai o velho Jerónimo e a mãe, D. Júlia, cozinheira de excepção, o irmão Tonho Maluco, e mais tarde o Dr Augusto e seus sobrinhos. Uma confraria, a bem dizer.
O Presidente da Junta era o sr. Domingos Campos e o regedor, esse guardião da ordem, que era Chico Sarapião. Servia na casa de Domingos de Campos a filha mais velha de Manuel Freitas, hoje mulher de Manquinho que, aos Domingos à tarde, lhe mandava uns olhos de derreter, a partir do batoco, quando ela assomava à janela das traseiras. Um dia destes trago-vos aqui alguns namoros famosos...
Bem, mas volvamos ao adro, ao padrão, ao Manuel Freitas e ao padre Zé Pedro. Homem de muita vida, movia-se relativamente bem em quadrantes não muito acessíveis e consegue trazer à aldeia, para inaugurar o dito padrão, o Secretário de Estado do Interior (hoje administração interna).
Nunca Penamacor tinha visto um membro do governo e a inveja até queimava.
Não foi por acaso que Zé Labouxa quis trazer o castelo para a aldeia porque "a vila sem o castelo era uma merda" e a nossa aldeia com o castelo até "arrebentava com Castelo Branco ".
A inauguração do padrão deu-se aí pelo meio dia e meia hora. Cedo, muito cedo, Manuel Freitas, que também, tal como a filha, a bem dizer, só trabalhava para o sr. Domingos Campos, amassava serradura, que o Rui marceneiro tinha juntado para o efeito, com água e anilinas de diferentes cores, para fazer um tapete que fosse da curva, em frente à antiga tasca do Fatela, depois, do Licas, por onde o supradito secretário de estado do ministro Gonçalves Rapazote, passaria até ao também já citado padrão.
Os carros reluzentes chegaram, canalha da escola com bandeira nacional, tal como agora nos carros e varandas por causa da bola, a canalha, dizia, convocada para o efeito, Tonho Bondito no tambor a marcar o passo e os professores, à ordem de Zé Tanganho, cada um com seu rebanho, quais maestros marcavam o compasso do hino nacional. Toda a gente o sabia de cor e salteado. Olarilolela!
A marcha, de cada um dos lados da estrada iniciou-se na chamada estrada nova - vulgo, estrada das Águas, e veio até ao adro com o secretário de estado no meio todo babado e mais os respectivos acompanhantes e os senhores da civilidade lá de aldeia com o padre Zé Pedro como coriféu.
Manuel Freitas tinha já concluído a sua tarefa e, qual galo em capoeira, guardava a sua galinha, não permitindo que alguém pisasse o tapete de serradura que ele tinha estendido no chão e que ia regando com um regador, por mor de não secar e as cores ficarem sempre vivas. Lá chegou toda a comitiva, dizem-se palavras de circunstância e, ala que se faz tarde!
Digo eu para Manuel Freitas.«Ó ti Mnel, que lhe pareceu isto?» e ele:" O gajo é mesmo um CHARRONCO, chegou e disse, tirou o chapéu e foi-se". e continuou: "peneirento de merda! nem bom dia, nem bo tarde! nada, CHARRONCO DUM F.D.P."
Este vernáculo linguístico de Mnauel Freitas acompanhá-lo-ia até ao resto dos seus dias, que terminaram ainda não há muito e, pior ainda, ou melhor se quiserdes, quando se juntava com o seu companheiro dilecto Zé Luís Barata. Até as pedras coravam com a verborreia e língua afiada destes comparsas.
Foi nessa noite dos baptizos com que Coiote Pete galardoou todos os comerciantes de aldeia que Toco Jabão se alterou porque lhe chamaram também de CHARRONCO: contou que na tropa, tinha feito activar, à hora exacta, um detonador à distância, sem telecomando, por meio de uma lata com feijão grande de molho que, ao inchar, estabeleceu o contacto entre os fios fazendo explodir a bomba. Logo Coiote: "arregaça a calça! és mesmo CHARRONCO!". Toco Jabão não gostou da mangação e as coisas iam-se estragando. Não fora eu e abraço de basuca e, naquela noite, Coiote tinha levado uns apalpões nas ventas.
Aqui vos deixei mais umas historietas da mais bela aldeia do mundo, só comparável à dos indomáveis gauleses no norte da Gália que sempre resistiu aos Romanos.
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