domingo, outubro 23, 2005

A NOSSA FALA XXXIV - ENGONÇO

Agora namora-se às claras. Dantes, nem pensar! O arrastamento da asa era coisa, não raro, tumultuosa: ele era o recado ao ouvido no baile da garagem do Cavalheiro, o encontro furtivo no chafariz, a piscadela de olho à saída da missa do dia, aos domingos, as combinações em carta metida no meio de livros de uma amiga confidente e concordante, um piropo recatado, mas com alguma provocação, o fazer parte do mesmo rancho no tempo da colheita da azeitona, alguns bailes particulares na garagem ou loja de uma que tivesse os pais em França e assim não haver empanques, algum magusto na encosta da serra ali para os lados do João Ratão e da Carochinha, enfim...que sei eu?

A oficialização do namoro ocorria quando o senhor prior lia os banhos do alto do altar: " D. Maria Cândida Peixota, filha de uma burra e neta de uma porca, quer contrair matrimónio com o senhor João Feijão, filho dum burro e neto dum cão. Se alguém souber de algum impedimento contra este dois animais, um leva a albarda outro leva os atafais, e é para esses que eu falo, deve declará-lo com juramento" .

Os menos atingidos pela pobreza compravam os banhos (ou pregões) e esses só tinham os editais colados com farinha amassada na porta da igreja, antes do guarda-vento. Tempos!

As primeiras amostras públicas do par de namorados, ele com uma camisa branca TV, com os punhos virados e colarinho de palmo, em bico pronunciado, um colete justo onde brilhava uma corrente que segurava no bolso pequenino um relógio marca Comboio e ela de casaco e saia beges, camisa de lantejoulas, meias de vidro cor creme e sapato também ele pardo, só depois da benção paterna. Era vê-los - estrada abaixo, estrada acima, ela com os braços cruzados, um olhar de soslaio de vez em quando e ele, corta unhas marca Trim, made in USA, girando freneticamente em torno do indicador, preso como estava a uma pequenina corrente de bolinhas e a outra mão no bolso. O sapato reluzia - . De mão dada só quando iam a casa dos padrinhos a levar o arroz doce e uma bandeja com bolos de leite, esquecidos, borrachões e uns cascuréis (=coscorões), para além de umas cavacas e um bolo de buraco, de noz ou amêndoa, não raro ainda quentinho,já quase em vésperas de casamento. Nessa altura já iam ao lusco fusco sem guarda nupcial (irmã ou irmão mais novo da noiva) e, claro, ao virar da esquina ele puxava-a e, PIMBA! espetava-lhe uma beijoca na cara. «Vê se tens modos», dizia ela.

Antes deste ponto, porém, tinha havido o clássico pedido: "ao que venho, venho, oh! que digo, digo, venho dizer à menina, se quer casar comigo". Era assim. A mãe dela era a primeira a saber das intenções do magarefe e preparava o pai: "Ó Chico, olha ca nossa Rosa quer cá trazer o Tonho da sarmaga; parece que o cachopo lhe falou bem e ela não está fora. Vê lá tu quando é que ela to pode cá trazer". E o pai «já tiraste inculcas do moço? Ele não é filho além do Faz Nada?» E a mãe: "Faz nada, não, que tem oito filhos!" E o pai: «A modos que ainda comem lá em casa em mesa de engonço e se alumeiam a candeeiro de sessenta luzes! A ti Catrina, a mãe, coitada, nunca tem nada para pôr na mesa que o Faz Nada não lhe dá troco. Tira lá isso a limpo e depois diz que pode cá vir aí no sábado à noite.» (Esclareça-se desde já: a mesa de engonço eram os joelhos e o candeeiro de sessenta luzes era uma pinha acesa).

Lá apareceu o Tonho. Bateu à porta. "Entre quem é". Descobriu-se o Tonho,subiu para a soleira da porta, uma mão no peito e a outra a segurar o chapéu: «Vossemocê dá-me licença, ti Chico? Boa Noite nos dê Deus! « "Entra lá Tonho. Podes pôr o chapéu na cabeça que o telhado não tem cocas» "Com sua licença. " «Senta-te aí nesse trapesso enquanto eu vou por uma pchorra de vinho. Não me demoro nada»

Entretanto Ti Deolinda e a Rosa chegaram. 'Boa noite' ! disseram quase em uníssono.

Tonho olhava de soslaio a Rosa, a mãe interpôs-se entre ambos, o silêncio era cemiterial.

Ti Chico surge da loja com o vinho: «Parece que meto medo! Tudo tão calado. Eh! cachopa, chega aqui dois copos e põe aí uma azeitonas, ao menos.»

A Rosa adiantou-se: "sabe, pai eu e o Tonho"...; «És tu que o pedes a ele ou é ele a ti?» Aí o Tonho afoitou-se: «Pois é, ti Chico, eu gosto da sua Rosa e, a meu ver , ela gosta de mim. Se Vossemocê não vê mal nisso eu queria-a namorar!» " Toma tento no que te digo: só tenho esta filha. Quando ela nasceu eu já sabia que não podia ficar com ela. Se ela quer ir contigo que vá, mas se algum dia a tratares mal ou a enganares e eu souber, é melhor desapareceres pra sítio onde nem o diabo te encontre. Entendeste? " «Sim senhor, ti Chico. Fique vossemocê descansado. !» "Bom: namoras às quartas e aos sábados, aqui em casa, à noite, até serem horas de cama e aos Domingos podeis passear por sítios onde toda a gente vos veja, que eu não quero cá maledicências." « Sim senhor ti Chico!»

"Bebe o copo, anda! " Tonho tremia... deu um golo no copo.

«Eu sei que sou mais pobre, já acabei a tropa e vou outra vez pra marcenaria a ver se arranjo uns patacos...»

«Isso é bom! Com o tempo logo se vê. Eu ódepoi logo vejo se merece a pena ajudar-te. Primeiro tens que saber o que custa a vida. Eu vou-me à cama. A Deolinda quando entender que vá lá a ter!»

E foi assim.

A casa da Rosa já tinha luz eléctrica. Estavam a pensar comprar uma televisão. O Tonho já a tinha visto na tropa. A Rosa fora um dia à casa do Chico Sarapião, regedor ao tempo, e toda a noite sonhou com aquilo: os retratos mexiam-se, iam e vinham, falavam como as pessoas, até parecia que era verdade!

Aquilo sim , ruminava o Tonho! não há cinza e não é preciso estar sempre a mudar de pinha como lá na casa da mãe. Não era preciso atear a ala nem acender pavio com palito feito de esteva seca, quando, às vezes, se acendia a candeia de petróleo. E a mais, não cheirava! Dizia de si para si : «ele há coisas dum filho da puta!»

Mais espantado ficou ainda quando a Rosa se levantou e foi buscar um gravador de fita: um FIDELITY, rebobinou a fita com a patilha, pressionou a alavanca de início, e, baixinho, que o ti Chico já ressonava, começaram a ouvir Joselito em : el pequeño roxinol. O Tonho não queria crer! Levantou-se a remirar.

«Ó Rosa vê lá se o teu pai ao Domingo precisar de ajuda lá na fazenda, eu não sei muito, mas vou-o a ajudar.» " Eu precuro-lhe," disse a Rosa.

Pouco mais disseram. Ali estavam a ouvir a música, a ver o lume, essa companhia muda, a olharem-se, lá sorriam um para o outro, estalava-lhes o coração, a ti Deolinda escabeceava, mas um estalo da lenha de pinho acordou-a e pronto!

«Vá, por hoje chega! vamos à deita.»

O Tonho deu as boas noites, uma manzada à Rosa e aí vem: 'Até têm uma mesa de vidro com um pé ao meio! E cadeiras de encosto! Assim não é preciso a gente estar curvada de cabeça para baixo para levar a comida da mesa de engonço até à boca. Se calhar também não comem só caldo de couves como lá na casa da minha mãe. Bem se lembrava ele da história que o abrutalhado do pai quase sempre contava: "Ó Arnaldo, queres caldo? Não que me escaldo! Eu antes queria pão, mas como o como se não mo dão?"

Eu não sabia que era assim a casa da Rosa!

O amor não aumentou, porque já não podia ser mais.

Nessa noite o Tonho, quando se espojou na enxerga de palha de milho, jurou:' Quando eu me casar com a Rosa já hei-de ter uma mesa de castanho com quatro patas e seis cadeiras de encosto e um espelho para pôr na parede! Rais ma partam se não hei-de. Não hadem fazer mangação de mim. E a canalha que eu tiver nunca há-de comer só caldo e menos ainda na mesa de engonço. Se não tiver luz eléctrica hei-de arranjar um petromax que até de noite se hadem ver as espinhas ao peixe miúdo. Olarila!

Dormiu-se assim !

sexta-feira, outubro 21, 2005

A NOSSA FALA XXXIII - CÔTCHE

A RTP andava já há uns dias a anunciar o documentário que iria passar no domingo à noite sobre Aldeia do Bispo, naquele final de Outubro de 1966. Marquei na agenda e reservei, à cautela, um canto do frigorífico para duas garrafinhas de Alvarinho, mobilizadas para acompanhar uma buchana retirada do pote do azeite, umas raspinhas de presunto da salgadeira, cortadas fininho com faca longa apropriada, umas tapas de queijo bem curado e convoquei o Changoto para se juntar a degustar os acepipes e a apreciar o dito documentário.

Quase uma hora depois da hora anunciada, de que resultou a necessidade de abrir uma terceira garrafinha, aparece o genérico do programa "Viagem à minha terra" com banda sonora dos Chieftains: flauta, violino, gaita de foles, harpa, primeiro à vez, depois todos ao mesmo tempo, a induzir a ambiência do campo e dos grandes espaços. A câmara começa por focar um cenário idílico, de campos que se pressentiam verdejantes, árvores frondosas, um pintassilgo a cruzar-se no ar com uma poupa, a harpa soava sozinha a pedir silêncio e atenção, e uma voz por cima, bem colocada e musical, começou a narrar:

“Falar da nossa aldeia, a irrequieta terra ribeirinha, menina gaiata, saltitando à borda da sua ribeira que lhe fertiliza os campos, e que outrora era muito mais larga e de corrente de água permanente, onde se pescavam saborosos barbos e bogas…”

O monitor albinegro mostrava agora uma pequena corrente de águas cristalinas a escorrer por entre os seixos, percorridas por peixinhos a “picar”. A cena passava depois sucessivamente por focar o Tzé Pragana a lavrar com a sua junta de vacas e a mulher à frente a espalhar semente, e pelo Tonho Estroncabrochas no caminho da saramaga, no seu característico andar desengonçado atrás das suas cabras, ao mesmo tempo que a voz continuava:

“Os habitantes de Aldeia do Bispo (…) vivem da agricultura e ainda, mas, em menor escala, da criação de gado. A agricultura exige trabalho, um esforço titânico para lavrar e cavar a terra, para depois lhe lançarem a semente e, mais tarde, cuidarem da nova planta que lhes há-de dar o fruto. Tudo isto, todo este trabalho ele faz com alegria. Ele sabe que é do seu trabalho, a maior parte das vezes, de rosto borbulhudo de suor, que lhe há-de vir o pão, o vestuário para si e para os seus.(…)

Aqui, obviamente, a câmara fazia um grande plano da cara do Tzé Pragana que escorria suor e que ele limpava com o lenço vermelho e pintas amarelas que trazia à volta do pescoço. O plano alargava para mostrar novamente a cena da lavra, debaixo de um sol escaldante. A câmara virou-se de seguida, lentamente, para a sombra do freixo junto do poço para mostrar a filha Etelvina que lia Os Maias, sentada na relva e o filhote, Carlos Miguel, metido dentro do tanque de granito, segurando nas mãos a pedra e o ponteiro, enquanto a voz debitava:

“Além do pão e do vestuário, é da terra, por intermédio da agricultura, que ele há-de tirar o dinheiro para a matrícula, para os livros e para a mensalidade do filho que anda nos estudos do liceu, do colégio, seminário e da Universidade”

Os herdeiros apareciam a rir. Os pais a cantar.

“Por consequência, trabalha com prazer e alegria, chegando até a cantar, atrás dos bois, ao desafio com os passarinhos.”

O plano não incluiu nenhum passarinho, mas era bonito, na mesma.

“O que dizemos do homem, podemos dizê-lo da mulher quando, nas lidas da casa ou do campo auxilia o marido no amanho da terra que lhe há-de compensar todos os seus enormes esforços. Aqui a vida de um casal e os seus filhos, é uma vida sã e patriarcal. Comem todos à mesma mesa, do mesmo pão, do mesmo caldo, do mesmo naco de chouriço, toucinho, farinheira ou morcela. (…)”

O documentário apresentava agora a cena da ceia da família Pragana. A Ti Maria estava de pé, sorridente, a entornar uma concha de caldo no prato de esmalte do Tzé, igualmente sorridente, enquanto os dois filhos brincavam com as mãos, sentados à volta de uma mesa coberta por uma toalha de linho, em banquinhos de tripé. Em cima da mesa podia ver-se um grande pão redondo, um chouriço, um naco de toucinho entremeado, uma farinheira e uma morcela, tudo ainda por estrear.

“Numa palavra, a gente da Aldeia é trabalhadora e no seu trabalho e nas suas festas encontra o bálsamo que lhe é necessário. É devota aos santos da sua devoção. Todos se estimam, mutuamente, como se fossem de uma só família, à semelhança de uma grande família patriarcal como a da antiga Lei.”

A cena mostrava agora uma festa de S. João na Lameira, rapazes e raparigas, velhos e novos, de mão dada a fazer uma roda à volta do pau com a boneca, alegremente cantando:

Indo eu, indo eu, a caminho de Viseu
Encontrei o meu amor, ai Jesus que lá vou eu
Vai de ruz truz truz, vai de ráz traz traz
Ora chega, chega, chega, ora arreda lá p'a trás

Nesta altura, deu-me para opinar:
- Que maravilha! Já viste? Aquilo é que eram tempos. O povo trabalha, o povo canta, o povo dança. Deviam ser felizes as pessoas naquele tempo...

O Changoto preparava-se para voltar a encher o copo mas interrompeu, e quando acabou de engulir, apressado, a lasca de presunto que acabara de meter à boca, olhou-me severo e disparou:

- Tás parvo ou quê? Então tu não vês que isto é um documentário de propaganda do regime? Olha bem para o vocabulário utilizado: aldeia irrequieta, menina gaiata, saltitando à borda da ribeira, trabalho e cantares ao desafio com os passarinhos, borbulhudo de suor,familia patriarcal, devoção...Está lá tudo, só falta aparecer o padre a agradecer ao Salazar por tanta felicidade. Isto é pseudo romantismo barato. Não vês que está ali a mão do António Ferro? Alguma vez aquela ribeira pode correr todo o ano e ainda por cima com peixes, saborosos barbos e bogas, diziam eles... vai lá vai! Com o clima mediterrânico que nós temos e a bacia hidrográfica da ribeira... só se fosse no período jurássico mas aí não havia barbos e bogas, se calhar havia era proto-crocodilos. E o povo? desgraçado povo, que trabalhava que nem galego, achas que ainda tinha vontade para rir e para cantorias enquanto trabalhava? Miséria e fome era o que eles tinham. E tu acreditas que naquele contexto havia tanta felicidade? Bom, se acreditas então deixa-te lá estar.

Desconcertado, tive de responder:

- CÔTCHE!

Logo a seguir, a televisão ficou só com a remanescência do Big Bang e a fazer um barulho irritante mas que me soava familiar. Levantei-me para o calar, estranhando que estivesse tudo escuro e o Changoto e as garrafinhas e o queijo e o presunto, tudo tivesse desaparecido de repente. Assarapantado, constatei que o despertador marcava 7 da manhã do dia 21 de Outubro de 2005.


Sugestão:
Clicar em Chieftains com o botão direito do rato, abrir noutra janela, voltar a esta página para uma segunda leitura com som.

Nota:
citações (em itálico) extraídas de
LANDEIRO, José Manuel (1966), Aldeia do Bispo (breve resenha monográfica).

terça-feira, outubro 18, 2005

A NOSSA FALA XXXII - IMBURRENTE

Entrávamos por trás. Nós os da primeira classe íamos a dar a volta à escola. As meninas, essas entravam pela frente: subiam as escadas,viravam à direita,subiam mais uns degraus,atingiam o alpendre e entravam na sala. A escola tinha sido mandada construir pelo pai da própria professora que assim tinha o lugar garantido. Ela e o marido. Este recebia os mais velhos.Tinha uma nespereira que dava sombra ao alpendre. Ai de quem tocasse numa nêspera! Até me lembro aqui do exponencialmente belo poema de Mário Henrique Leiria: "Uma nêspera estava numa cama. A velha chegou, viu a nêspera e comeu-a. É o que acontece às nêsperas que ficam na cama à espera do que acontece."
Bem, ... mas nós entrávamos por trás. Ficávamos na sala do meio. O professor era ele também novo: tirava o tirocínio connosco. Novos, mesmo novos, éramos vinte e oito. Depois, havia alguns repetentes:Lembro-me de dois: o tonho maregas e chquim passarinho. O maregas ainda por aí anda e ,cantoneiro, dá as curvas na mota sem virar o volante inclinando apenas o corpo. São mais que muitas as quedas do Spínola, nome por que também é conhecido. Passarinho, deixei de o ver. A avó dele era quem ia buscar os meninos ao Fundão. Lembro-me bem de quando, sempre queixosa, junto com a Rosa Rei, iam comungar e a língua dela era uma perfeita almofada de carimbo. Sempre tingida por mor das aftas, dizia. Havia ainda o Jolim da pata branca, tinha-me esquecido,vizinho do passarinho e do comandante. O pai era alfaiate. Está bem. É inspector do ministério do trabalho. Especialista em Finanças.
O professor entrou, colocou-nos nas carteiras, mas pôs logo Passarinho à frente, em frente da secretária e maregas, mesmo ao fundo, na última carteira, encostado à parede. Maregas já tinha o livro usado.O nosso até reluzia. Tinha as vogais na primeira folha: uma águia para o A, uma égua para o E, uma igreja para o I, um ovo para o O e uma uva para o U. Mascarilha repetia naquela voz grossa: A E I Ô U. Nunca lia um Ó aberto. Era sempre fechado: Ô. Jolim dizia: ó tonho, porque é que tu és sempre IMBURRENTE?. É Ó porra!, não é Ô! Mascarilha lá retornava: A E I Ô U. . . Sempre na mesma marcha. Duma vez dei-lhe uma malha junto à mimosa das escolas novas que agora já não são porque está lá a junta, tal como nas velhas parece que vai estar o centro de saúde. Se não fosse a irmã que casou com o Espeto, escarchava-lhe as ventas.
Passarinho ficou encarregado de arranjar uma vara para o senhor professor: foi roubar uma cana da Índia. O professor perguntou-lhe onda a tinha arranjado e arranjou logo sítio onde a estrear. Coitado do Passarinho: trouxe uma vara impecável e logo a provou na hora.
Eu- Rapa a unha -, coiote pete, sapo, baboso, contramestre, bolas, pito encouro, pinga, portas, filho do chico mai novo ou chiquinho, césaro, chamiço, varinha, jota na bata, planeta, zé pcanino, montes hermínios, mija a parede, domingos da portela, alguitarra, modas, mó, bugalha, cachiço, pote, barrigana, zé A, velho jonja, - julgo que os citei todos - caladinhamente dissemos: Bem feita! Não tiveras arranjado a vara.
Contramestre era também IMBURRENTE. Mais até que IMBURRENTE era ACUSA CRISTOS. Nunca estava de acordo com o que queríamos jogar no intervalo. Havia de ser sempre a ovelha ranhosa. Valia o Modas que se chegava a ele, olhava-o de frente, fechava o punho por debaixo do queixo e: ou jogas ou parto-te os cornos, meu IMBURRENTE de merda! Pronto! O modas dava no focinho a todos e o contrameste nem que fosse CONTRA riado, lá alinhava.
O alinhamento dos lugares foi sofrendo alterações sucessivas: utilizava-se a técnica dos postos militares. Cada um de nós tirava à sorte o posto: sargento, capitão, general,... A seguir começava a guerra : o do posto mais baixo desafiava o de posto mais alto e trocavam no caso de o david vencer o golias. Se quem desafiava, perdia, o ganhador tinha que lhe dar umas valentes reguadas. E não podia ser a fingir, senão o professor chegava-lhe a ele comédado. Se o desafiante ganhava, assumia o posto mais elevado e o perdedor para além de umas reguadas valentes, ainda aturava o chá da verborreia professoral. O problema era quando se tinha que bater no Modas. A ameaça estava sempre presente: "lá fora já as comes".
Também eu hoje quis ser imburrente (esclareça-se que esta forma de falar é uma degenerescência da palavra embirrante) sobretudo por causa de umas amostras de alcunhas que alguns textos atrás alguns comentadores se entretiveram a enumerar. Aqui, de repente lhes dei trinta e uma. Para além de nenhuma ser repetida, não cobro cachet, nem vou chamar o modas para vos arrear na incompetência. Reduzo-vos a soldado fachina, varredor da parada. Sou ou não IMBURRENTE?

domingo, outubro 16, 2005

O Senhor Prior

A partir de hoje, a casa paroquial de Aldeia do Bispo tem, oficialmente, novo inquilino. Com jurisdição alargada a Aldeia de João Pires, Aranhas e Salvador.

Um novo homem. Um homem novo. Um homem grande. Um homem de coragem.

Votos do Baságueda: que apascente o rebanho comédado.

terça-feira, outubro 11, 2005

A NOSSA FALA XXXI - CABANIR

Se nalguma afirmação Sto Agostinho tinha razão era no que ao tempo diz respeito: " se não me perguntam o que é o tempo, eu sei o que é o tempo, mas se me perguntam o que é o tempo ,eu já não sei o que o tempo é." Afinal é assim mesmo. O que é, está sempre a deixar de ser e o que ainda está para ser, ainda não é, pelo que, o que é, é a efemeridade. Tudo é efémero. Por isso mesmo tudo é eterno. É neste sortilégio daquilo que o velho Heraclito deixou lapidarmente escrito no seu mais que famoso: «PANTA REI», (tudo flui) que se se busca o instante do que é, e que o não menos velho Parménides deixou para a posteridade :« o ser é e o não ser não é e é necessário que não seja». Platão tentou a conciliação destas antinomias aporéticas introduzindo a verdadeira noção do relativo: o que é , é, enquanto é o que é, e o que não é não é enquanto não é o que os outros são. F. Chatelêt, mais perto, sumarizou: em tudo o que muda algo permanece, e, em tudo o que permanece, algo se altera.O tempo é mesmo assim : está sempre a mudar e nós com ele, mas cada uma das nossas fotografias seguram o tempo reduzindo-o ao instante: este sou eu. Afinal certo seria: este era eu.Verdade é que tendo-me eu alterado, nunca deixei de ser eu: sempre o mesmo e a cada instante sempre diferente.
O mesmo se pode dizer da arte: ela é sempre contemporânea do seu criador que por longa vida que viva é sempre efémero, mas a sua perenidade eterniza o autor fazendo ecoar o seu nome por todo o sempre.
Pensáveis vós que o blogue era só bizantinice chocarreira? Tirai daí o sentido e ide já roendo esta como aperitivo, que mais se avizinham para vos acordar da letargia hibernal a que vos projectais. ARRIBA!
Talvez não seja falso asseverar que aqui há trinta anos atrás cerca de 40% da população portuguesa era maioritariamente agrícola. Bem me lembro eu das searas que ondulavam ao vento até à marvana e serra da raposa e tudo à volta da aldeia era semeado.Ranchos formavam-se e tomavam hectares de quinto, ceifando tudo à mão ou mesmo já com ceifeiras debulhadoras . A verdade é que se cultivava. Os beirões, e não é por acaso que a canção da Eugénia Lima os eternizou como rijos e morenos como o granito, se bem que pequenos, não se confinavam à sua região. Trabalhadores como eram , partiam em demanda do Sul e por lá andavam, na peneplanície alentejana ceifando e malhando o grão. Eram os RATINHOS.
Miguel Arcanjo, de todos conhecido por CAIXA,- vá-se lá a saber porquê -tinha acabado de casar com a Miquelina do Pão Finto. Era esta uma cachopa com tudo no sítio. Faltava-lhe talvez um pouco mais de altura, mas isso era consequência das cântaras de leite que todos os dias acarrejava à cabeça, do Prado até à Aldeia em cima de molídia bordada. Algum desse leite ainda eu bebi e foi ela que me ofereceu o leite para o arroz doce do meu casamento.Tal pequeno atamancamento era compensado por umas mamas a quererem espreita da blusa justa, redondinhas, de encher o olho e a mão - não a minha, é claro - e por um traseiro que se arredondava por debaixo de uma cintura quase de vespa. A carinha era uma maça camoesa: sempre coradinha, cheia ser ser lorpa.Um encanto! O Caixa teve olho!.
De ofertas de casamento tinham tido 10 notas de 100 mil réis, 21 de 50 e uma boa mão cheia das de cinte escudos. Tudo somado pouco mais de dez contos. Coisa nenhuma a bem dizer.Mas se havia gente a quem o trabalho não metia medo era ao Caixa e à Miquelina.Lá conseguiram dois dias de descanso por mor de se aquecerem um ao outro e se avezarem a dormir juntos na mesma cama.Mas...« Este encanto de alma ledo e cego» nunca « a fortuna deixa durar muito».
A Miquelina estava habituada às panelas de ferro e às trempes. O Caixa também. Só que o Caixa disse à Miquelina: amanhã à noite, aí por essas onze, vamos estar atentos.Quando alguém tossir vamos abrir a porta que te comprei uma prenda.O homem vem cá a trazê-la de noite por causa das coscuvilhices.» Miquelina bem quis tirar os nabos da púcara, mas Caixa fechou-se. à hora tratada alguém tosse, Caixa até tinha oleado a fechadura por via do barulho da chave, e aí entramos como sombras eu e o meu pai: eu com a bilha do gás ao ombro e meu pai com um fogão Leão de três bocas, forno e prateleira para a Miquelina. As explicações de funcionamento foram rápidas e não tardou, eu e meu pai pusemo-nos a CABANIR. Ainda retenho os olhos incrédulos e o esgar de boca de espantada da Miquelina. O Caixa traçava-a pela cintura e ela: está quieto, tu não vês as pessoas? O que é que hão-de dizer? O Caixa mais apertou. Tenho a firme certeza que nessa noite houve fogo na cama de ferro de Caixa e Miquelina.
O que é bom dura pouco e, naturalmente , forçoso era que um e outro voltassem ao trabalho que quando se tira e não se mete depressa se acaba. Assim, muito a custo, Caixa propõe à Miquelina: eh! cachopa eu vou até lá abaixo ao alentejo, faço um mês de ceifa de ajuste e arranjo por lá uns trocos . De dia, ceifo à linha e, à noite, corto-lhes o cabelo ( o Caixa tinha jeito para a arte da tonsura) . Ganho duas vezes. Miquelina, a princípio, não queria, mas lá aceitou. O fogão adiantou as primeiras refeições do Caixa, Miquelina foi-se à casa da mãe e pediu-lhe uns chouriços, um bom naco de presunto e uma valente tora de toucinho, trouxe ainda três pães caseiros, uma bolsa de feijão grande seco, uma lata de feijão malhinho e umas boas mão-cheias de grão. Foi-se ao Trem e comprou uma valente peixota de bacalhau, encheu-lhe a infusa de azeite e botou-lhe umas pedras de sal num trapo para as primeiras impressões. Embrulhou-lhe as trempes numa saca se sarapilheira e recomendou-lhe cuidado com a sertã de esmalte . Manhã cedo meteram tudo numa espécie de alforges e aí vai o Caixa ver dos alentejanos.
Foi limpinho: a aparência saudável do Caixa, associada à sua característica humildade, de imediato lhe possibilitaram trabalho. À noite faltava-lhe o calor companheiro da Miquelina, mas a lembrança dela, à luz de uma pinha rabiscou umas linhas apaixonadas que me dispenso de reproduzir e pediu ao manageiro que lha metesse no correio.
Quando o Cartas deixou a carta por debaixo da porta da Miquelina não sabia que tinha despoletado a mais feroz paixão de mulher por homem, ultrapassando mesmo a de Inês por Pedro. Quando Miquelina vê aquele envelope e reconhece a letra do Caixa, com a pressa até rasgou o papel. Leu e releu. Chorou. Nem jantou. Procurou e não achou a caneta de aparo para responder. Dormiu mal. Encarregou a vizinha de lhe mercar uma carta e uma caneta nova. Esqueceu-se mesmo do vivo. Quando ouviu o galo é que lhe veio à mente que as galinhas e o porco não tinham ceado.
Durante o dia de quintos foi escrevendo a carta na cabeça. Quando chegou a casa foi só traduzir em letra as suas amarguras e desejos. Acabava assim: "Olha Miguel! ou tu te pões a cabanir daí para fora depressa ou eu não respondo por mim. Dou-me a outro". Caixa não queria acreditar no que lia. Respondeu na volta do correio. Que esperasse mais um pouco, que o dinheiro daria para comprarem um aparador para a loiça, uma quadro da última ceia e até para meterem a luz eléctrica no princípio do Outono. Miquelina leu, via a razoabilidade do Caixa, mas a natureza tem muita força e logo exige: "Se da próxima vez me aparecer uma carta em vez de ti, não estranhes o que te pode aparecer na testa".
Com filha da puta! berrou o Caixa. Foi-se ao manageiro, pediu as contas e ainda nessa noite pôs-se a cabanir para apanhar o combóio. Chegou a casa da sogra, que morava mais perto da estação, começava o dia a clarear. "Karraio! atão já voltaste?" "A culpa foi da Miquelina" -"O quê, está doente?" - "Não" - "São cá umas coisas".
Olhe lá, empreste-me aí o seu burro que ir com esta tralha às costas trava-me a marcha.
Caixa carregou o burro e pôs-se a caminho. O burro nunca tinha dado tão depressa à nalga. Caixa meteu-lhe uma silva debaixo da albarda e o pobre do Ruço quase voava e o Caixa atrás dele.
Já perto de casa reparou que o burro tinha o bastão esticado e que mostrava os dentes arreganhando o lábio superior: " ouve lá ó meu filho de puta: a carta era pra ti ou pra mim"?
Apanhou Miquelina ainda ao fogão a meter o caldo na merendeira para o almoço nos quintos.
Quando irrompe pela casa dentro colaram-se. Foi um cabo dos trabalhos para se separarem.
Miquelina mandou recado que não ia ao quinto e Caixa foi-se a ela como gato a bofe.
O amor é mesmo um animal de duas costas.
Percebestes agora porque é que eu vos deu cabo da mona com o tempo do Sto Agostinho!?
O tempo é longo ou curto conforme se goste ou não do que se faz e com quem se faz. O Santo é que nunca conheceu uma Miquelina!

A NOSSA FALA XXX - TCHOUTCHO

Antonho Batcharel foi parido no local do mesmo nome, com a ajuda da avó materna, a velha Emília Passarona, numa manhã solarenga de Abril, o primeiro de 5. Os primeiros sapatos calçou-os no dia em que fez 6 anos, as primeiras meias que enfiou foram as que o Menino Jesus lhe deixou na chaminé no Natal desse ano, e experimentou as primeiras cuecas já com 10. Passava os invernos com ranho constante no nariz e quando a mãe lhe ralhava "rais trinta ta partam Antonho, assoa-te mê bácoro", ele lá removia a pasta com a cota da mão que a seguir limpava ao cu das calças. Comia quando calhava. Quando lhe dava a fome, ia-se à panela de ferro que sempre estava junto ao lume e enchia o bandulho de couves, batatas e feijão. A partir dos 7 anos, bastas vezes escolheu sopinhas de cavalo cansado para o pequeno almoço. Por lá, variava entre a fruta da época que colectava directamente das árvores que encontrava nas andanças do pastoreio, e na sacola levava sempre um naco de pão rijo, queijo pedra, toucinho rançoso e azeitonas, raras vezes chouriça do ano anterior guardada no azeite. Nunca se sentou em carteira de escola, nunca pegou em aparo, nunca esfregou a pedra com cuspo, nunca aprendeu nem letras nem números. Até aos 15 anos, calcorreou a atalaia, o frade, a portela, a pedreira, a raivosa, o ferrador, atrás de 4 dúzias de cabritas . Ficou mudo e com cara de espantado o senhor alto e bem vestido que um dia se apeou dum grande carro preto e barulhento e lhe perguntou com ar sorridente:
- Ó rapazinho! Diz-me lá, então quantas cabras guardas tu?
- Ê no sei contar mê senhor – lamentou-se Antonho.
- Não sabes contar? Então como é que vês se te falta alguma cabra?
- Atão…ê conheço-as…
Chamava todos os animais pelo seu nome, e eles acudiam. A andorinha porque era preta com uma lista branca na nuca, a reboluda porque quando nasceu deu logo meia volta no chão, a peidada porque a mãe dava muitos dos implícitos, a aluada porque nasceu na lua cheia, o santinho porque fazia uns ruídos parecidos com espirros, o marradinhas porque desde cedo o habituou a dar-lhe marradas nas mãos, o tchoutchinho porque tinha uns olhos mortiços e parecia que andava sempre cansado, o intezédo porque desde cedo mostrou que ele é que havia de ser o bode mor, o barbicha, a malhada, a jinja, a peluda, a preta, a violeta, a estrela, a vitória, a esperta, a felosa. Quase todos os animais vinham comer-lhe à mão e as cabras deixavam que ele lhes chupasse nas tetas quando elas tinham amojo e ele fome. Era um menino feliz, o Antonho.
Todos os domingos ia à missa à aldeia, regressando ao fim da tarde carregado com as compras para toda a semana. Aos dezasseis anos o pai meteu-o a aprendiz de latoeiro na aldeia, mas deu-se mal porque o velho Tzé Latas o obrigava a estar todo o dia sentado a bater lata e a pôr pingos de estanho. Voltou para o batcharel e para as suas cabrinhas.
Todo o seu mundo se situava geograficamente entre a aldeia e o batcharel. Do lado de lá e do lado de cá, o desconhecido e admirável mundo novo. Tirando as 3 ou 4 vezes que foi à vila e às festas das Aranhas, saiu pela primeira vez da aldeia para ir às sortes a Coimbra, onde aproveitou para se fazer homem num quarto escuro e feio na rua direita que era torta como um changoto mal azado. Ficou apurado o mancebo e no ano seguinte apresentava-se no quartel de Elvas numa manhã de Outono, fria e chuvosa.

Antonho do batcharel não gostava da tropa, nem entendia porque o obrigavam a andar toda a manhã e toda a tarde a bater com as botas no alcatrão da parada. Vá lá! Ao menos as botas eram boas. A rigidez e a disciplina militar não jogavam com ele, habituado aos espaços abertos e arejados do batcharel, às vistas largas da atalaia, à liberdade de movimentos com as suas cabras. Por isso andava sempre muito THOUTCHO, isolava-se a pensar, nostálgico, no seu primitivo mundo, nos pais, nas suas cabrinhas, no burro pardal, na burra cotovia, nos cães piloto, bóbi e boneca, até nos irmãos que tanto teve de aturar e ajudar a criar. Um dia, estavam cumpridos dois meses de recruta, amuou. Não falou com ninguém durante uma semana inteirinha. Quando saiu do retiro decidiu dar inculcas. Pediu ao camarada d’armas Sabarigo, de alcunha o “gaspacho”, um autêntico torgalho que a todas as refeições gabava o gaspacho da avó de Barrancos, para escrever:
" Meus queridos pais e irmãos, estimo que estejam de boa saúde que eu cá vou como Deus quer. Então como está a burranca, já está melhor da pata? E a cocó já tirou os pitos? Meu pai, não se esqueça de dar o remédio à andorinha, porque ela está prenha. O porco era melhor matarmos no ano novo que eu não posso lá ir antes. Isto aqui na tropa não é bom porque ninguém trabalha. E o pior é fazerem-nos estar à torreira do sol e à chuva, só por estarmos. Dão-nos de comer às horas, mas a comida não presta. Quem me cá dera o caldo de grão e a molareja que a minha mãe faz. Não tenho mais nada para dizer. Saudades do vosso filho.”
Fechado e selado o envelope:
- Vá! Agora vais a meter a carta no marco do correio ali ao pé da porta d’armas.
No momento, vinha a entrar o Musgueira, seu vizinho na camarata, que o alertou:
- Então não dizes para onde a carta vai? Tens de falar alto para o marco saber para que terra é que tu queres mandar a carta.
- Aldeia do Bispo – gritou ele junto à abertura.
Uma das únicas vezes que se ouviu Antonho a rir foi quando o Musgueira, no escuro, lhe perguntou:
- Olha lá ó bimbo, alguma vez viste um peido luminoso?
O Musgueira estava deitado de costas, tirou as ceroulas, levantou as pernas para o ar, apichou um fósforo e chegou-o ao ânus, ao mesmo tempo que largava um ruidoso e prolongado flátulo. Antonho observou estupefacto a chama azulada que soprou das tripas do camarada.
Na ordem unida sentia muitas dificuldades em bater certo o pé e por causa dessa inabilidade, mandavam-no “encher” todos os dias. Finda a recruta, mal teve tempo de ir a casa despedir-se do seu mundo, mandado embarcar para a Guiné para, disseram-lhe aos berros, ir defender o nosso glorioso Portugal e matar os cabrões dos turras. Não conseguiu evitar uma lágrima quando deu a curva no caminho e deixou de ver a família toda que ficou a acenar. Uma só lágrima, contida, só uma, porque Antonho não podia saber que nunca mais voltaria ao Batcharel: na longínqua Guiné, uma mina terreste havia de o transformar em herói anónimo e inglório.