domingo, novembro 01, 2015

A NOSSA FALADURA - CCXXXIX - SARAFANA


Há questões que, de vez em quando, me ocupam o espírito e me desafiam  no sentido de lhes procurar dar resposta. Uma delas é a de saber se o nosso cérebro tem alguma predisposição natural para crer em seres transcendentes, ou, o que dá na mesma, se há alguns neurónios que activam a necessidade de crer em entidades superiores a nós mesmos, tal como o hipotálamo, por exemplo nos indica a necessidade de comer, beber,... . Pode parecer uma questão peregrina ou mesmo bizantina, mas o que é facto é que ela me inquieta. É assim uma espécie de sarafana irritante que não nos deixa parar quietos. Não se sabe bem como é que elas entram pela manga da camisa acima ou se espetam na roupa, o que se sente é uma permanente comichão e não adianta tentar esquecer porque simplesmente não é possível. Quanto mais nos mexemos mais ela se entranha. A alternativa é só uma: tirar toda a roupa até que se encontre a maldita da sarafana  ou pragana se vos dá mais jeito, ou seta como também lhe chamam. O nome é indiferente, o efeito é sempre o mesmo: enquanto a não sacarmos do corpo, não conseguimos fazer nada. 
O problema das localizações cerebrais sempre foi polémico nas ciências humanas que se dedicam, no todo ou em parte, ao estudo do cérebro humano. Não é do âmbito despretencioso do basa aprofundar a temática, Deixemos isso para quem sabe da folha ou então acabo por vos pespegar uma sarafana que nunca mais vos safais dela. O basa gosta de divertir, não de massacrar.
Ainda assim seja permitido datar a problemática: o neurocirurgião Pierre Paul Broca em 1861 ao efectuar uma autópsia num conhecido taranta de Paris que ficou conhecido por Tan-Tan, já que era o único som que emitia, verificou que ele apresentava uma lesão profunda na base da terceira circunvolução frontal esquerda. Vai daí, atribuiu a afasia de Tan-Tan a essa lesão cerebral, situando nessa zona o centro nervoso da fala. Outros se seguiram com novas investigações (Wernick, Fritch, Hitzig,...) e a apetência pelo estudo das localizações cerebrais desenvolveu-se, não sem que houvesse quem a tal se opusesse, defendendo que "o homem pensa com o corpo todo", como foi o caso de Kretschmer e Anna Damásio, ou Lashley que se recusava a admitir que o cérebro fosse uma prateleira compartimentada, influenciado pela corrente gestáltica de Kohler, Kofka e Wertheimer. Bem...,adiante, senão já não descobris onde está a maldita da sarafana.
Não sei se estais a ver onde eu quero chegar com a minha questão inicial: há ou não uma localização cerebral para a prática de práticas religiosas, sejam elas quais forem, assentes em crenças e mitologias que como dizia o nosso Pessoa:" a Fé não pensa; pensar é duvidar; crer é morrer."
Inelutável é que desde os próstinos mais prístinos da sociedade humana sempre crenças em seres sobrenaturais marcaram presença. As religiões monoteístas são já formas tardias na história da religiosidade humana, que se iniciou muito antes. A explicação para este fenómeno, a um tempo individual e colectivo, também não é pacífica, como não é a das localizações cerebrais: uns dizem que resultou das tentativas de explicação da origem do universo e das incapacidades que os homens reconheceram em não o conseguirem fazer satisfatoriamente, enquanto outros atribuem essas crenças a predisposições naturais situadas no nosso cérebro. Esta última tese data de 1970 com o antropólogo francês Dan Sperber que chegou a essa conclusão enquanto estudava uma tribo do sul da Etiópia (Os Dorzé). Esclareçamos  que o cérebro não está préprogramado para crer, mas que existem reacções cerebrais diferentes quando se vivencia uma qualquer religião através de um ritual, disso já não restam dúvidas porque investigações de neurologistas em voluntários a que se ligaram eléctrodos o confirmaram. Pascal Boyer, professor na Universidade de Washington, nesta linha afirma no seu livro "E o homem criou os deuses" (2001), que o cérebro tem muito mais apetência para determinadas informações que tem natural tendência para fixar, e outras para desprezar e nas primeiras encontram-se as religiosas.
Deixo-vos a vós a opção pela tese que entenderdes, sendo que a outra vos há-de arreliar  como a sarafana.
Padre Zé ou Zé Padre, tanto dá, homem baixinho mas espadaúdo, careca, castiço no trajar, sempre com o seu chapéu preto de aba larga, lenço vermelho ao xadrez  no pescoço, por causa mesmo das sarafanas, era o mandador nas malhas ao mangoal na eira da ti Natividade. Aos Domingos Padre Zé deixava a Raivosa onde morava com Tonho Troncho como vizinho mais próximo e descia ao povo. Gostava muito de jogar ao fito e logo cedo marcava vez na taberna do Fatela. Grande parte das vezes tinha dificuldade em arranjar parceiro e até adversário porque era demasiado rezingão e não sabia perder, azucrinando as orelhas a todos. Era mesmo o que se podia chamar de uma sarafana a rezingar: os outros tinham sorte e ele tinha classe. Acabou mal o nosso Padre Zé, pendurado de uma trave com uma corda no pescoço.
Deixo-vos por aqui  para não me chamardes sarafana, tantos foram os nomes que hoje aqui vos deixei. Voltarei em breve.
XXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGGGRRRAAAAAAAAAAAANNNNNNNDDDEEEE.

Desenhos de Carlos Matos