sábado, fevereiro 25, 2006
A NOSSA FALA - XLVIII - AMAGAR
Se a verdade fosse só uma ainda se aceitaria, mas o que nós constatamos cada dia é que os mesmos assuntos são lidos diferentemente por diferentes intérpretes. Para uns o Orçamento de Estado é um freio às despesas públicas, para outros o mesmo orçamento é um desperdício de dinheiro em obras que em nada contribuem para a melhoria do país, isto só para servir de exemplo.
Se a minha verdade é verdade e a de outro, podendo mesmo ser a oposta da minha, também é verdade, então a verdade e a falsidade são irmãs gémeas e indistintas. Se tudo é verdadeiro, então, tudo é falso. A verdade acaba sempre por ser discutível. Se se discute é porque tem ponta por onde se lhe pegue e portanto à partida já não é verdade porque senão era tempo perdido andar à procura de outra diferente daquela que é o nosso ponto de partida. Quando eu discuto o que alguém afirma como verdade é porque já implícita e explícitamente estou a partir do princípio que a afirmação do outro é falsa. Ou não será assim? A própria Terra só começou a andar à volta do Sol quando a ciência começou a defender esta tese. Até aí estava parada e houve até quem tivesse sido assassinado por defender tal heresia. Será preciso morrer para defender a verdade? Vivamos então na mentira. Galileu estaria de acordo: mais vale um cobarde vivo do que um herói morto.
Já vos estou a ouvir: «Afinal o que este gajo quer? Para que são estas milongas todas?». Olhai para o povo: "saber esperar é uma virtude" e "quem espera sempre alcança," mas logo a seguir: «quem espera desespera».
Continuamos sem saber onde está aquilo que procuramos, mas o facto paradoxal é que continuamos permanentemente em busca dela. Parece uma insensatez. Será este um dos sortilégios do homem? Neste vórtice de correrias para toda a parte sem se saber ao certo para onde se vai, o homem sai de si e vai apresentando resultados das suas viagens deixando-nos pasmados com as suas progressivas descobertas, pelo que o progresso é desde logo a inequívoca demonstração que a verdade se nos escapa quanto mais a tentamos agarrar. Se calhar a verdade é o que está oculto como já queria Freud e o que é preciso entender não é o que se diz mas o que não se diz. Que grande barafunda!
Vamos lá a ver se me faço entender e se esta minha deambulação tem ou não razão de ser e pode ser justificado que a verdade em vez se ser arquitectónica é, ao contrário, polémica.
Quem de vós já se encontrou num rancho de caçadores, à noite , ao fim do primeiro dia de caça?
Será que o que ouvis é o retrato fiel do que se passou? Ou antes, é a "conveniente" leitura do relator do evento?
Vede só quem estava no grupo: chquim pardalim, coiote pete, toco jabão, riconho, ronquinha, jbão pitincouro, bertcho albardinhas, nosso cabo, para além dos inefáveis batedores,Domingos Molhano, o patanisca, e eu, pois claro.
A caçada até que não fora famosa mas o tacho estava cheinho do que é bom. Cozinheiros não faltavam, vinho ainda menos e, claro, com dois padeiros, o pão sobejava.
Enquanto o lume se avivava e as trempes se aconchegavam por forma a que a ala fosse mais ou menos homogénea a incidir no fundo da sertã, reviviam-se momentos inolvidáveis desse dia de caça. (Deve dizer-se que chamar àquele recipiente uma sertã é o mesmo que chamar cagalhão a um marmelo, com licença da mesa e passe a expressão...). Aquilo era, para todos os efeitos um caldeiro de vianda do porco do Tonho Nunes, que o foi sacar da trave escura onde a mãe cozia as batatas para o bácoro. Bem areado - chovia naquela noite - esfregado comédado, eu e coiote pete, pusemos o caldeiro a reluzir ...
Quando as primeiras gotas de azeite para o esturgido cairam no fundo do caldeirão e o braseiro aqueceu a gordura, confirmou-se que podia nele ser confeccionada a tachada. E foi.
Uma caldeirada de carne brava: duas lebres, três coelhos, um pirolis, duas perdizes e um naco de teixugo porco, para dar unto. Na panela de ferro coziam-se batatas com casca que seriam descascadas na hora do manjar para o qual tinham sido convidados mais uns quantos que depois poderão aparecer...
Arranca o nosso cabo:« ó Domingos com aquela é tu me chapaste- punhas-te a gritar : aí vai, aí vai, aí vai - eu fitava o espaço com a arma pronta e nada... Uma vez e mais outra e outra ainda e... porra! isto não pode ser, vou-me a ver o que se passava e o Domingos sentado ao toro dum sobreiro a mamar na borracha espanhola e a mastigar um naco de pão com chouriço... Atalhou o patanisca: cui..da..do, comcom o queque dididizes, quando eu grigritavavva que ia, ia mesmo. não ia era para ti... Pitincouro, logo: "ele já fez isso mais vezes..." Domingos levanta-se e agarra pitincoiro pelo bibe: "ó meu sasaccana,vê lá se se te esfofolo o coicoirate!pá!
Grande Celestino, ourives, que chegava naquele momento, abre os braços como Cristo na cruz e lá acalmou aquele início de convívio com uma rodada de tinto. Nosso cabo e riconho altercavam por causa de um coelho que saía dum roto sacado pela Loc, cadelinha mais que adorada por toco jabão e que riconho deixou fugir e nosso cabo ardulhara logo ao primeiro tiro: Você, baforava riconho, você num viu que a cachorra ia a queimar o cu ao coelho e que se eu disparasse podia virar a cadela!,que se chape o coelho, agora aquela cachorra se eu a atingisse o toco mandava-me um foguete nas nalgas que nunca mais me podia sentar...você apanhou o coelho em terreno limpo... Ronquinha atesta:« era perigoso era...mas pior foi ali o pardalim que viu aquela lebre, que agora ali está no caldeiro, a dormir na cama e armado em otário a enxota com o cano da espingarda, grita:oi! oi! e erra os dois tiros. Se eu lá no estivesse agora não a mamáveis...Pardalim logo: «e tu,minha merda, a perdiz passou a cagar-te na cabeça, avias-lhe dois tiros e nada. Quem foi que a pôs à cinta? vá, diz lá quem foi... Mania pá!
As coisas iam neste enredo qual" encanto de alma ledo e cego" quando entro eu depois de uma prova ao molho: «Tiro assim mesmo com se impunha foi aqui o do toco jabão. Disse-lhe eu depois de o encontrar ao fim da batida: chega cá.Toco veio a correr... O que que está ali amagado? Toco afina o olho...É uma puta duma raposa! Só ouvi:Pum! virou-a logo...estava longe como um corno.Aquilo é que foi um tiro...o barulho alevantou uma lebre que também estava amagada e Pum, valente toco ! virou-a de pantanas. Assim está bem: um tiro,uma peça. Coiote Pete, que tinha morto o pirolis, troféu raro de carne branquinha e paladar esquisito, quase tão bom como a galinhola que também se amaga junto aos choupos das ribeiras e nem os cães dão com elas, via que estava a ficar para trás e avança: «Vós é que não vistens a distância a que eu virei o pirolis..., Aqui a minha boneca afitou-o, dá-me sinal e mal pergunto: o que é boneca? o cabrão, sai do amago e começa a querer levantar, nem a meio metro do chão chegou. Já há muito que não mandava um foguete assim...
Entretanto o caldeiro da vianda, a poder de mais uns bons tocos e mais molho de vinho lá cumpriu a missão e, sem nada ter ficado esturrado, lá se verte para uns quatro barranhões de barro espaçados pela mesa da padaria do albardinhas onde se punham os tabuleiros do pão antes de enfornar, cada um pega na sua arma e, depois de toda a gente já ter um copo dos grandes bem servido, quem tinha posto os moços (um bocado de pão espetado num garfo, que proibia que alguém começasse a comer, sob pena de pagar a despesa) retirou-os e foi um ataque que só visto!
As travessas das batatas com casca assistiam e questionavam-se então e a nós, ninguém nos quer, para que nos cozeram se não nos pelam e papam...?
À medida que a carne foi desaparecendo e o molho crescendo, entram então as batatas. E se elas eram boas naquele molho bem avinhado,! Não se amagavam à carne...
Foi mesmo um regalo ao fim ver como coiote pete, sozinho, devorou uma travessa inteirinha de batatas com o molho de dois barranhões.Toco jabão: «Vá a comer batatas para a raíz da grande pata que o pôs!»
Risada geral e mais uma rodada que paguei eu, pois então!
Se tiverdes razão não vos amagueis, mas se virdes que a verdade está do outro lado agachai- -vos e pagai uma rodada. Mainada!
Se encontrardes por aí alguma verdade que valha a pena, deixai-a registada. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
A NOSSA FALA XLVII - CÓDÃO
- Tá cá um CÓDÃO, oh!
No Inverno, as noites estreladas anunciam manhãs geadas. Os campos apresentam-se cobertos com aquela camada esbranquiçada, entre o gelo e a neve. É a geada, a russa, a barbeira, o CÓDÃO.
- Tá cá um códão, oh! – é uma bonita expressão que soi ouvir-se nestas manhãs de Inverno que se seguem a noites estreladas.
Berenice. Imaginei-a a passear na longa varanda do seu sumptuoso palácio de Tebas, contemplando a água prateada do Nilo, em noite de Lua Cheia. Estou a ver o seu perfil ondulado, como o cabelo, em contraluz, vestida apenas com uma túnica de linho quase transparente. A cabeleira cai até ao fundo das costas. Que linda cabeleira tem Berenice. Chamei-a baixinho. Ela virou-se, sorriu para mim e apontou para o céu, para a constelação de Leão.
Sem me dar conta, deixo-me ficar a contemplar aquele momento de Inverno.
Começo a ouvir o trabalhar mortiço do motor de uma mota em 4ª velocidade que devia vir em 3ª e imediatamente identifico: “olha! lá vem o Mnel Azenagre”. Fiquei atento, muito atento, porque sabia que, a meio da pequena subida mesmo em frente à minha janela, ele havia de meter a 3ª. Fixei-me na sua boca, no momento da mudança da mudança (não, não é redundância nem pleonasmo, é mesmo assim). Em 4ª, ele trazia a boca meia aberta (ou meio fechada, como quiserem, não é o momento, nem o local para dissertar sobre tal problemática), no momento em que apertava a embraiagem com a mão esquerda e, com o pé, esquerdo, pisava para entrar a 3ª, nesse pequeno lapso de tempo, o Azenagre fechava completamente a boca. Depois, enquanto largava lentamente a embraiagem, ele voltava a abri-la ligeiramente, quase timidamente, aumentando gradualmente a abertura (da boca) na mesma medida em que acelerava a 3ª mudança. Faria o mesmo um pouco mais à frente, já em estrada plana, boca fechada na passagem para 4ª e boca a abrir acompanhando o barulho do desenvolvimento da 4ª. Desconheço, e tenho quase a certeza que nunca saberei porque nunca lhe perguntarei, e ainda que o fizesse ele não me responderia, ou melhor seria bem capaz de me responder algo sem qualquer relação com a pergunta e que era: “o senhor, quando abre a boca à medida que acelera, fá-lo mudo, ou imita com a voz o som do desenvolvimento da mudança?” Ou seja, a mímica era muda ou sonora? Ficarei na ignorância no que toca a tal matéria.
A propósito de motas, lembrei-me da história do Mário Ái que toda a sua vida andou em máquinas de 2 rodas, primeiro uma pasteleira marca Súria e depois uma Zundapp X3. Há pouco tempo, comprou uma daquela carripanas de reformado, aquelas que não precisam de carta de condução para serem conduzidas. Na primeira viagem que fez à vila espetou-se logo ali na curva antes da ponte das taliscas porque, tão habituado que estava à mota que, distraído, inclinou-se para a esquerda para fazer a curva, em vez de rodar o volante.
Lá em baixo, na estrada, surge a Alice Gonita que ganha balanço para ir ao povo e, quando passa deixa escapar:
- Bom dia, está cá um CÒDÃO, ó Nazaréi!domingo, fevereiro 12, 2006
A NOSSA FALA - XLVI - ABEQUILHA OU ABOQUILHA
E O MAIS DECISIVO É QUE QUEM O RODEIA SABE DO QUE SE TRATA SEM SER PROFERIDO UM ÚNICO SOM. Verdadeiramente raro este castiço de 87 anos. (Com bem faça os 88 para o mês que vem!)
Ele, mais a ti Lianor, mulher desempenada, que corrige muitas vezes o CÁ nas suas deambulações pelas estórias das suas vivências, é outro poço de energia e , se bem que procure pronunciar assim comédado alguma palavras, acaba sempre por denunciar a linguística de orelha: um BARBECUE é um bórrocu, uma tupperweare é um tapué, um bacorinho é um bacrim e por aí fora...
Mas isto tudo vinha a propósito de a MIMÓRIA DRU(O)MIR... Pois. ..
Se calhar, a maior parte dos que me lêem, não sabe nem nunca ouviu falar da GRÁFICA DO OUTEIRO, onde os manos João e Domingos Alguitarra eram os tipógrafos e o inolvidável Padre Zé Pedro o mentor e tutor; se calhar, poucos se lembram de um rancho folclórico, capitaneado pelo excelente bailarino e cantor, apesar de coxo, que era o ti Zé Soalheiro, alguns, porventura, ainda se lembrarão das festas das bonecas em que a estrada com alferes Rei, a lagariça com os Menas, o oiteiro com o já referido Zé Soalheiro e mais o sr. Joaquim Vicente, barbeiro e médico artesanal, o cavacal com Machos, Pitincouros e Freitas e o bairro novo com Albardinhas, Chquim modas e Ave de Rapina, disputavam entre si a glória da melhor boneca e dos rosmanos mais cheirosos. Aquilo é que eram noites assim comédado!
O maralhal corria as festas todas e o comum entre elas eram sempre as borracheiras, que os cântaros do vinho não faltavam nessa noite.!Outros tempos.
Afinal, contrariando o meu querido ti Cá "a mimória no drome!"
Quando eu andava com aquele mais que famoso e conhecido carrinho quadrado a transportar bilhas de gás, sacas de ração, milho e o que mais fosse, logo por essas seis da manhã (ainda hoje, a essas horas ou até antes, quem for de fora e se aproximar de aldeia, se observar com atenção, há-de reparar numa espécie de névoa que cobre os telhados, por esta época do ano e até aí fins de Abril, conferirá a verdade inabalável do ti Cá: "é o povo a fazer a miguinha da batata...") E era!
Quando abria o trinco da porta - àquela hora já o gado estava acomodado e as portas já não estavam fechadas à chave - chamava: «Ó CHQUIM!» " Quem vem lá?- entra homem: Teu pai é chapado, põe-te a cabanir da cama logo cedo: Já comeste alguma coisa? " «papei dois figos secos e um bolo de leite,» dizia eu. "Assim no vais lá...um home quer-se com génio...e virava-se: eh! cachopa! traz aí uma planganita com uns feijõezitos e um naco bom de pão mais uma çabola! "«ó tchquim inda é cedo!». "A gente pra beber um copo tem sempre que meter uma abequilha, cassenão no se aguenta: metes três colheradas de feijão e bebes uma lata ficas pronto pra malha! " A lata era realmente uma lata. Tinha uma asa também de lata, normalmente obra de Zé Pantelhão e levava 4/4 de litro. Era obrigatório emborcá-la de uma vez...
Pelo menos na casa do Chquim Modas...
Prendia-se-lhe um pouco a língua, mas andava ligeiro e era sempre o primeiro a despejar a litrada: "Viste? é assim. Podes beber as que quiseres mas sempre inteiras e sem parar. A isto é que eu chamo uma directa."
UM LITRO DE VINHO ÀS SEIS DA MANHÃ COM UMA MALGA DE FEIJÃO GRANDE ENCARNADO UMA FATIA DE PÃO E MUITA AZEITONA.Um veneno era o que era.
Dizia o Chquim Modas que na aldeia eram poucos os que eram capazes. Ainda o acompanhei uma boa meia dúzia de vezes. E ele:" és valente catano. És dos bons. A gente nunca se agacha. Se os outros são capazes, nós tamém."
Era uma filosofia bruta, de difícil concordância, mas, documentada ao vivo, não dava hipótese:" a gente com uma aboquilha bebe até cinco litros!". E eu : «Ó Tchquim, pior ca nós só o Zé Moreira, ali dos cucos, que com uma azeitona bebe um almude!» E ele: "eu a raspar um caroço de azeitona despejei cinco litros." Rematou com esta:
"Ficas a saber: a gente para se aguentar a trabalhar, a beber, a comer, a fazer o que quer que seja, precisa sempre da aboquilha! A mim sem abequilha nunca me vês beber. E mais:não bebas nas tascas; bebe sempre do nosso. O vinho é medicinal: de verão refresca o corpo e de inverno aquece a alma!"
Que havia eu, cachopo ainda de voz em falsete, contrariar, face a uma argumentação destas? O importante é a abequilha.
Ainda hoje tenho este hábito, mas não com o alcatruz do Chquim Modas: quando se bebe um copito de prova, pincha-se sempre algo. É a aboquilha. Podeis chamar-lhe mata-borrão, tapa, pincho, acompanhamento, côdea, entretem, raspa, calço, é tudo o mesmo: o que é preciso é fazer a boquinha para o sangue de Cristo. Mainada.
Logo vos voltarei a falar da gráfica, dos Alguitarras e do Zé Soalheiro.
Com uma abequilha e um copito do bom, depois de uma sesta assim comédado, pode ser que a memória no druma e a estória surja!
Ide aboquilhando enquanto esperais...
Deixo-vos outro XXXXXXXXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIII.
quinta-feira, fevereiro 09, 2006
A NOSSA COMEDURA - V - DO LEITÃO COMÉDADO AO ESPARREGADO DE COUVE À BRUTA
A esta hora já estais vós a barafustar:"com filha da puta! Um gajo vem à espera de saber como se confecciona COMÈDADO um reco e apanha com uma meditação lúgubre(!?) sobre problemas de estética a nível hiperurânio. Este Blogue é assim mesmo: quando lhe dá para jogar ao sério ninguém o faz rir. (Apenas MARCEAU e a sua inigualável arte de mimar.) Atendendo a isso, vou dar-vos um MIMO: REVELAR-VOS OS SEGREDOS ESCONDIDOS DA ASSADURA DE UM RECO ATÉ AÍ OBRA DE UNS DOZE QUILOS EM FORNO A LENHA E EM SUSPENSÃO.
TOMAI LÁ A RECEITA E EXPERIMENTAI :
(APROVEITO PARA DIZER QUE AS RECEITAS QUE AQUI SE APRESENTAM SÃO, FORAM E SERÃO, RESULTADO DE provas reais, LOGO, DIGNAS DE TODO O CRÉDITO.
O que precisamos:
1 - um(a) reco(a) aí até 12 Kg de máximo
2 - um forno a lenha com 55 cm de raio, pelo menos. Equivale a 1,10 m de diâmetro
3 - evidentemente, lenha para atear e aquecer o forno até à têmpera adequada.
4 - um tabuleiro que entre na boca do forno e com duas hastes ao centro nas paredes mais curtas do rectângulo com a altura bastante para suportar o bácoro no ar sem bater no chão. Se for necessário prendem-se as patas ao corpo do cochino com um arame.
5 - Exige-se que, ao matar do cerdo, apenas se abra um rasgo no pescoço para tirar a gola e outra ferida no ventre por onde se tiram as tripas.
6 - um pau de loureiro (de preferência) ou outro, ou até mesmo um espeto, suficientemente comprido.
7 - Uma agulha de albardeiro e respectiva guita (barbante) para coser o porco.
8 - É conveniente que o animal seja temperado de véspera.
9 - Para o tempero:
- mais ou menos 20 gramas de sal por Kg de leitão
- 250 gramas de banha de porco
- pimenta branca e preta moídas
- alho com fartura
10- confecção:
- esmagam-se os alhos (20 a trinta dentes abertos, escarchados e sem grelo) com o sal, num almofariz; quando já estiver tudo numa pasta envolver bem a banha; em caso necessário adicionar um chirrichichi de azeite para permitir melhor ligação; juntar as duas pimentas (meio pacote de cada) e continuar a envolver.
11 - a pasta deve estar homogénea, a ligação corredia, mas espessa; pica-se o interior do bacorinho por dentro com faca aguçada, tipo matadeira, mas de modo a que a pele não seja furada.
12 - Pelas aberturas (gola e ventre) barra-se o cochino muito bem.
13 - cose-se com o barbante, fechando COMÈDADO os orifícios; unta-se por fora com a pasta restante .
14 - Mete-se o pau de loureiro pelas traseiras do tó, até às dianteiras e suspende-se o porco no tabuleiro .
15 - Prepara-se o forno, tendo o cuidado de deixar algumas brasas nas laterais e de cobrir o roncador com papel alumínio.O LEITÃO DEVE ENTRAR SEMPRE COM O DORSO PARA CIMA (não esquecer que deve ir tapado com papel alumínio).
quinta-feira, fevereiro 02, 2006
A NOSSA FALA -XLV - TRAMONCO OU MATRONCO
Em tempos, a avó de Jó e mãe de Chquim, a mais que famosa e inultrapassável velha Pieres, limpava tudo quanto era valeta e caminho apanhando todo e qualquer gravato. Era com eles e com a silvas que ia catando das divisórias limítrofes das parcelas dos chões, que, dia a dia, acendia o luminho que a aquecia a ela e ao Chquim e fazia a comida, numa panelita de ferro que poucas vezes era lavada, guardando sempre o unto de umas refeições para as outras. Muitas vezes a vi eu com um molho à cabeça, sem molídia, mais parecendo um ninho de cegonha a andar, rasteirinho.
Diziam as más línguas que o pai de Cquim Camião era outro Chquim, o ti Chquim Cavalo, homem espadaúdo, mais alto ainda que o chquim Camião e da largura de Jó e meio. Calçava 47. Mandei-lhe virar ainda algumas botas na torcedeira ou vergadeira e o Manuel Vinagre dizia sempre que demorava o dobro do tempo a palmilhar umas botas daquelas e que assim não lhe interessava ter fregueses daqueles.Era o que se podia chamar um HOMENZARRÃO. Vinagre era mais para o lado do tamanco e dizia que aquilo não era um homem, mas um matronco. A Mari Varónica, que morava em frente, corrigia: « não é matronco, é tramonco ».O ralho começava ali. Ilda aparecia também e o Cavacal, ali para os lados da rua das Aranhas animava, já que vinham logo Bandeira de Guerra, mãe de Ilda, um pote de veneno, a avó de Amílcar Faiçal, mulher de Estica, G. N.R., reformado, e que tinha uma cabrita que mais parecia um cachorro, cantora esganiçada, sempre na igreja, junta com Albertina Molhana e Rosa Rei. Dos assistentes faziam ainda parte, Tonho Félix e sua mãe Velha Lorpa, às vezes, a cunhada velha Nacha, aquela mesmo que Zé Luís tinha enganado dizendo-lhe que iria cantar à Rádio Renascença, ao programa do António Sala e não raro, as manas Rancheiras. Dificilmente se encontraria melhor. Nem com uma candeia, ao meio-dia, se juntaria melhor grupo. Vinagre de sovela na mão e avental de sapateiro, tirava os óculos e virava-se para a Varónica: "onde é que queres a cama?"