quinta-feira, fevereiro 02, 2006

A NOSSA FALA -XLV - TRAMONCO OU MATRONCO

Vedetas da nossa xendrice são, sem dúvida, Chquim e Jó Camião. Que me lembre, em matéria de cortar língua, só Zé Melgo, o partenair de Tonho Feduchas, serradores que eram no tempo do caibramento em madeira, poderia rivalizar com eles. Com os copos havia outros: o mais famoso será, sem dúvida, Agostinho Cagarela, também conhecido por Cabo Vermelho, que, como morasse para os lados da quinta do Ramalhão e tinha que passar as poldras, ali onde agora está a ponte, a seguir à casa Queimada, ele ia pela água enquanto o garrafão, esse ia pelas poldras, não caísse e fosse perder-se o precioso líquido. Era um espectáculo ver o equilíbrio de Agostinho a salvar o tintol, semelhantemente a Camões a salvar "Os Lusíadas". Só que esta épica façanha nunca fora antes contada. Se não chegou à Taprobana, não há dúvidas que muito se exigiu também à força humana . Fica agora o registo e mais ainda: «cale-se tudo o que a musa antiga canta/que outro valor mais alto se alevanta» e «Cantando espalharei por toda a parte/Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.»
Em tempos, a avó de Jó e mãe de Chquim, a mais que famosa e inultrapassável velha Pieres, limpava tudo quanto era valeta e caminho apanhando todo e qualquer gravato. Era com eles e com a silvas que ia catando das divisórias limítrofes das parcelas dos chões, que, dia a dia, acendia o luminho que a aquecia a ela e ao Chquim e fazia a comida, numa panelita de ferro que poucas vezes era lavada, guardando sempre o unto de umas refeições para as outras. Muitas vezes a vi eu com um molho à cabeça, sem molídia, mais parecendo um ninho de cegonha a andar, rasteirinho.
Diziam as más línguas que o pai de Cquim Camião era outro Chquim, o ti Chquim Cavalo, homem espadaúdo, mais alto ainda que o chquim Camião e da largura de Jó e meio. Calçava 47. Mandei-lhe virar ainda algumas botas na torcedeira ou vergadeira e o Manuel Vinagre dizia sempre que demorava o dobro do tempo a palmilhar umas botas daquelas e que assim não lhe interessava ter fregueses daqueles.Era o que se podia chamar um HOMENZARRÃO. Vinagre era mais para o lado do tamanco e dizia que aquilo não era um homem, mas um matronco. A Mari Varónica, que morava em frente, corrigia: « não é matronco, é tramonco ».O ralho começava ali. Ilda aparecia também e o Cavacal, ali para os lados da rua das Aranhas animava, já que vinham logo Bandeira de Guerra, mãe de Ilda, um pote de veneno, a avó de Amílcar Faiçal, mulher de Estica, G. N.R., reformado, e que tinha uma cabrita que mais parecia um cachorro, cantora esganiçada, sempre na igreja, junta com Albertina Molhana e Rosa Rei. Dos assistentes faziam ainda parte, Tonho Félix e sua mãe Velha Lorpa, às vezes, a cunhada velha Nacha, aquela mesmo que Zé Luís tinha enganado dizendo-lhe que iria cantar à Rádio Renascença, ao programa do António Sala e não raro, as manas Rancheiras. Dificilmente se encontraria melhor. Nem com uma candeia, ao meio-dia, se juntaria melhor grupo. Vinagre de sovela na mão e avental de sapateiro, tirava os óculos e virava-se para a Varónica: "onde é que queres a cama?"
A discussão ia acesa, quando eu, carrinho quadrado com rodas maciças, vou a passar, transportando uma bilha de gás e uma saca de 115 para os pitos em crescimento, destinada ao velho Bezerrinho, pai do ' mê filho DOTORRE ADVOGADO '.
O velho Estopa, pata galhana, que morava paredes meias com a Varónica e estava a acender o lume para cozer umas couvitas com um naco de entremeada do porco do Maregas, aparecia à porta e vou eu:«o que que passa, ó ti Mnel?» «E eu que sei, cachopo!? Ouvi para aqui esta balbúrdia e vim ver o que era! Vejo o Vinagre e a Varónica a aldeagarem e o resto do povo, cada um para seu lado a ver se os acalmam, mai no sei!». Parei a viatura, pus-me a ver o que se passava e vou-me ao Vinagre: «Que é lá isso?» Ouvi a estória, levantei os braços e proclamei:
« ambos dois têm razão». Aí calou-se o chavascal... «Isto é segundo e conforme, continuei, se for uma mulher é um MATRONCO, mas se for um homem é um TRAMONCO».
Perante uma sentença Salomónica destas, não havia mais razão para ralhos. Mnel Coveiro, companheiro de Varónica, que entretanto tinha ido por um enxada a fim de abrir a cabeça ao Vinagre e não perder a embalagem para lhe abrir a cova no cemitério, voltou à loja e pendurou-a no arame, Bandeira de Guerra, não sem cuspir, quando passou por Varónica,«puta, que és uma puta», recolheu a casa, Vinagre chamou-me de parte e mais ao velho Estopa, foi por um pucheiro de vinho novo e solta: «ó rapa a unha, (era assim que me chamava), tu és chapado! atão mas é verdade que os homens são de uma maneira e as mulheres doutra?». E vou eu: «é, poi; ainda há outro género no latim que é o neutro e mais um no grego que é o dual. Isto é assim: há coisas que só têm duas hipóteses, por exemplo, ou pegas com a mão direita ou com a canha, ou sobes ou desces, ou és gordo ou és magro, ou é de noite ou de dia, quer dizer, ou é uma coisa ou outra, não há meio termo. Aqui é igual, ou é homem e é Tramonco ou então é mulher e é Matronco.» Estopa sai-se: "ele há coisas dum filha da puta! já aos anos que ando no mundo e nunca tinha arreparado nisto. Ó Vinagre, rica pinga, bota aqui mai uma cochada!».
Estávamos nós nesta aula de perfeccionismo linguístico quando pai e filho Camião passam em frente da loja de Vinagre:« Olha, ali vão dois Tramoncos!»
Chquim ouviu e vira-se: "Tramonco era teu pai quando te fez as orelhas"
«Já está aqui o fado armado outra vez» diz o Estopa!
Voltei à carga, empurrei o Vinagre que já se ia ao Camião com a pedra de bater a sola:
« Calma, porra! Ó Chquim, segura aí no coucho que hás-de provar se aqui só há Vinagre ou também há vinho!» Jó começou-se a rir:« esta fô boa, fô, fô! bem fêta,Vinegre, bem fêta!»
Camião emborcou o coucho, e o Vinagre:« tu és chapado, ó rapa a unha, és chapado »!
Bebemos mais um copo e lá me fui com o carrinho quadrado de rodas maciças a levar a bilha do gás e a farinha 115 prós pitos em crescimento ao Bezerrinho, pai do DÓTORRE ADVOGADO.
É a vida.

6 comentários:

Anónimo disse...

Porra.

Outro dia, talvez. há livros que a gente èle, e fica sem palavras. Este Post, foi particularmente, consensual, em relação ao viver da Aldeia de alguns, Objectivamente duro, na essência. Um OK pra ti.

Anónimo disse...

Isso e os gajos, que brincam, com as "noivas" tecnologias, como quem brinca, ou com deus, ou com a vontade e a serenidade, do bem ser, ou, bem fazer. Esses que, gozam com o 25 de Abril. Pois não conheceram. Hoje é diferente, mas também, já há a Interpol? E os velhos, já sabem muito, muito.

Anónimo disse...

E agora, mais vale, ser anonimo, não ´ser, dá trabalho, os pides, que combati em Angola chegou.

Anónimo disse...

Não é preciso ser anónimo, basta ter pseudónimo.

Anónimo disse...

Pois é. Fico na quela, acho que posso juntar. Sem piada, rir á borliu. Lapaxeiro, ri, mas, melhor, sabe fazer rir ( já disse isto trinta vezes ), mas e então, porra, vou lá ao café, proximo, do bolimento, falo sobre o tempo, faço virgula e lá está a torradinha, no balcão claro, é só saboriar. Mas eu pago. Agora consumir, rir, bitaces, sem largar o comando da TV, é no minimo sinistro. Com muito azar, o gás ficou ligado, calma era REPSOL, só adormece, mal aquece a alma, digo agua, é espanhol. Podem rir eu é que sei.

Anónimo disse...

Passas-te muito, na quiseste ser padre.... já agora lembram-se da caixa/e fatela e o putedo A e B