segunda-feira, maio 08, 2006

A NOSSA FALA LV - JAVARINO

O melhor do mundo é a canalha. E no mundo da canalha, há garotos mais javarinos do que outros. Habitualmente, até achamos piada aos mais javarinos. Aqui se deixam algumas peripécias de um javarino.

Mário nasceu de uma paixão de Verão entre o Zé Meioquartilho e a Maria Pápófigo. O caso deu o burburinho adequado aos meados dos anos 60 numa aldeia do interior, mas a coisa acabou por se compôr quando eles juntaram os trapinhos e acabaram com o falatório. Que ele era um belo rapaz e ela era uma rapariga séria, todas têm um deslize, ora essa, e não foi Nosso Senhor que disse: "quem nunca pecou que atire a primeira pedra”? Resultado: foi como que perdoado o pecado do Zé e da Maria no palheiro do Ti Ambrósio Meioquartilho, naquela noite da festa do Senhor S. Bartolomeu.

Calhou que Mário nasceu no ano em que o Zé foi chamado para a tropa. Dividido entre o dever patriótico de guerrear pela Nação na longínqua África e o dever paternal de assegurar o sustento da Maria e do pequeno, aconselhado pelo padrinho, Zé Meioquartilho hesitou pouco e, passada a Senhora do Bocesso, deu o salto a caminho da verde França. Nos 10 anos seguintes, todos os 3 meses a Maria havia de receber o suficiente para si e para o garoto. E nesse tempo todo, apenas por cinco vezes, e à sorrelfa, Zé viu o seu Márinho. Regressou de vez, já resolvida a questão colonial do país e também a questão do seu serviço militar.

O garoto cresceu pois sem a presença física do pai, o que terá decisivamente condicionado a sua trajectória e a sua personalidade. Vem nos manuais pedopsiquiátricos, mas nós, as pessoas de bom senso, também o sabemos, que a figura masculina tem a sua função praticamente insubstituível no quadro familiar. (Alguns cidadãos com certas tendências sexuais, acompanhados de outros cidadãos com certas tendências políticas não concordarão. Estarão no seu direito de não concordar. Passemos por cima da problemática, porque ela não se coloca aqui à volta da Baságueda.)

Voltemos ao Márinho. Um autêntico javarino que só tinha más ideias. Entre outras judiarias, era ele o autor - recentemente revelado - da cena do cão a ganir e com um corgalho de latas presas ao rabo que de quando em vez aparecia no adro à saída da eucaristia dominical. O truque estava em escolher um cão cujo dono fosse um católico apostólico romano praticante. O sentido de fidelidade do animal fazia o resto.

Na escola era o brigão maior, a má companhia que convencia os outros a fugir à escola para ir aos ninhos ou à marouva. Sempre que tinha oportunidade escondia a régua ao professor Tanganho, mas acabava invariavelmente por levar com ela, por via dos acusa-cristos. Na noite de S. João era sempre o que mais contribuia com vasos no adro. Bastas vezes, no tempo dos taralhões, arranjava ele uma corgalhada de passarinhos nos costis dos outros. Não perdia oportunidade de se divertir a chamar nomes à velha passarinha, ao tonho maranhão, ao jabão feijão, à chicórrela e a outros típicos da aldeia. A chicórrela era particularmente desgraçada porque não podia estender as ceroulas ao sol que o Márinho ia lá buscá-las e largava no falo do chafariz do Batoco ou no cimo do padrão do adro. As queixas das traquinices do garoto chegavam à Maria Papófigo e ela, lá ia respondendo invariavelmente: "ê no faço nada dele!"

A judiaria que mais gozo lhe dava era a de atar uma linha preta à aldraba das portas das beatas e dos ricos. Uma das maiores vítimas era o Professor Marcelo. A coberto das trevas da noite, enrolava caladinhamente uma ponta da linha a uma das aldrabas de chumbo da porta do velho professor primário, desenrolava cuidadosamente até à esquina traseira da Igreja e, puxava. Numa das vezes, já o madeiro jazia ao lado, a mirrada esposa do venerável mestre aposentado veio de robe cor de rosa e pantufas ver quem batia e, não vendo ninguém, voltou a fechar, julgando ser o vento. Mal deu 2 passos, a aldraba fez-se ouvir de novo. Depois de constatar que não havia ninguém do lado de fora e que o vento mal soprava, começou a rezar baixinho uma Ave-Maria. Passou a Pai-Nosso e em altavoz quando, mal fechou a porta, o batente voltou a cair com estrondo na almofada de metal. O Senhor Professor, para desgosto da esposa, não era homem de fé, por isso, atirou de lá um “qu’arraio de porra é essa mulher, atão isto são horas de rezas, inda por cima em altos berros?” A aldraba insistia e a senhora acompanhava com o Pai-Nosso ainda mais alto. Irritado, o Senhor Professor levantou-se do velho cadeirão e berrou autoritário:

- Cala-te já mulher do diabo!

Apercebendo-se do motivo do terror da esposa, abriu a porta vigorosamente e praguejou para fora:

- Mas que coisa é esta, homem. Eu não acredito em fantasmas, eu rebento é já com o filho da puta que aí está.

Quando tal ouviu, no escuro da esquina da Igreja, Mário sentiu a noite ganha. Foi com prazer tenso que ele puxou a linha mal o velho Marcelo fechou a porta, na ânsia de o ouvir de novo a praguejar. Puxou repetidamente a linha, até que o professor primário reapareceu de caçadeira na mão e lança dois tiros para o ar, enquanto soltava aos berros as imprecações mais ordinárias, fazendo com que a esposa corresse a buscar o terço e se pusesse a rezar ainda mais e com mais fervor, pedindo perdão a Deus pelos desmandos do marido.

Quando sentiu que o café da Rosa esvasiara e o maralhal vinha a saber do que passava, Mário botou a fugir pela caminho abaixo, deu a volta pelos cabeços e entrou no café da Rosa sorridente, mas sem contar a ninguém que era ele o provocador do alvoroço. Havia de repetir a cena mais algumas vezes, quase sempre com o mesmo resultado, até que foi apanhado e metido na garagem do Regedor Xico Sarapião durante uma noite.

Feito o exame da 4ª classe, como repetente, ainda seguiu para o colégio. No Carnaval já quase tinha atingido o limite de faltas, ainda assim, com tempo para infernizar a vida ao velho Professor Barbosa. Entre outras, a sua maior maleita era a asma. Sabendo que ele não suportava o pó do giz, Márinho deleitava-se a bater vigorosamente a esponja no quadro de ardósia, sempre que ia haver aula de Físico-Química, fazendo com que o intervalo se prolongasse por mais um quarto de hora. Depois de dois anos sem aproveitamento e de muitas e variadas javarinices, a mãe de Márinho concordou enfim em que ele abandonasse os estudos e iniciasse a carreira da sua vida: trolha.

A última travessura plagiou-a do pai, corria o Verão de 85, já não no meio da palha do palheiro do Ti Ambrósio Meioquartilho, mas no banco de trás do seu Ford. Acudia a cachopa por Françoise, e era a primogénita do Mnel Jquim Caipila, com quem Zé Meioquartilho tinha partilhado quarto e cozinha em Paris de França nos primeiro anos da sua diáspora. Na entrada do Ano Novo, dispensado do serviço militar por mór do pé chato, partiu Márinho para a Gália. Por lá ficou. Menos javarino, mais homem.

12 comentários:

Anónimo disse...

Ao que sei, o garoto Karraio também foi um belo javarino.

mariabesuga disse...

Ocorre-me pouca coisa para dizer. Ponto assente é que vou voltar aqui com tempo para ler isto tudo, tudo, tudo...

Anónimo disse...

È isso, ler um ditado ou ler um texto, lá está. É diferente, muito diferente. Na verdade ainda és novo, sendo estas linhas que li, isso mesmo, a prova daquilo que tambem já li! O amor filial, não é sinónimo de retrospectiva, tão pouco de ter que se seguir a mesma via. Não se deve tentar ser igual ao melhor, deve é tentar-se ser melhor ao igual e quando se é igual, só há um caminho. Ser diferente, se possivel muito, sem deixar de ser igual. Essa é que é a diferença que resulta no prazer de sempre o mesmo. Ou seja aquilo que julgamos certo e já agora muito bom!

Anónimo disse...

Eu podia entupir o meu último com. por exemplo com a pontuação necessaria, mas isso era se eu estivesse disponivel, para tipos de leitura, leio e vejo. Assim só vê quem eu quero, mais os que sabem ler, quase todos?

Anónimo disse...

Isto não foi simpático, mas eu só sou simpatico, quando tenho complexos de simpatia. Na escola só no último periodo, passava a ter a simpatia dos Prof. E de bastantes colegas. ( tenho cara de mau, como oiço ás vezes no serviço por via dos que estão em desvatajem, que depois no final, se riem, tipo enganaste-me ou quase que me enganaste sacana, aquele sorriso final que parece honesto, será que diz; estou perdoado de ter "parcido", Bem é sempre bom sentir um sorriso).

Anónimo disse...

Se ele há coisa que me ponha, com mau feitio, será o melhor texto de sempre que li até hoje do Karraio ou do Changoto, presumo do Karraio, mas de repente fugio, pra onde? Meu Deus?

Anónimo disse...

Ser passarinho, voar, é o sonho de muita gente, cantar como o Rouxinol, capacidade dela. Usar esse pseudonimo, isso no melhor sentimento de perda que li até hoje, capacidade tua. Foi a poesia mais linda que li em toda a minha vida, juro, acabei cheio de lágrimas, porque a perda é exactamente igual, direita ao coração. Segue o seguinte, segredo, fui pra cima, tinha lá a visão por ler, li só um pouco, Ricardo Araujo, em determinado momento ele diz sem gozo, numa ocasião, BEm fiquei sentado na mesa a ouvir o meu Pai dizer, numa "ocasião", era sempre assim que começava uma história, nos bons momentos. Era maravilhoso ouvi-lo. Estive dez minutos a dizer numa ocasião, até me cansar. Ainda podia ser usado não? Com a certeza com ele dizia é impossivel. Ele não dizia uma vez porra e eu não consigo dizer uma ocasião. Soa a plagio. Parece palavra em desuso, até o Ricardo a ter usado. Mas o meu pai dizia, como inicio de conversa e ficava tão bem. Lá está, pensava no que ia dizer, sempre interessante, nunca na introdução, por isso dizia no seu melhor de gajo sem culpa uma ocasião. Mesmo os anti sistema, eram resultado do Monstro, mais ou menos disimulado! Mas Tambem havia gente, dentro do sistema, GF`s Maravilhosos exemplos, Maravilhosos, a todos os niveis.

Anónimo disse...

Outro tempo, mas, não usar aquilo, hoje era mau, por razões até de segurança pessoal e da confiança do colega mais foito. Naquele tempo, se eu tivesse lá, fazia o mesmo, não sei se aguentava? tinha que ser. Tenho muito respeito por essa atitude. Tambem sei que não foi sempre assim, mas esse momento, foi o não da coragem. E é isso que fica.

Anónimo disse...

Amigo Lapaxeiro! Tira os putos de casa, faz por ti. Em casa claro vão pra televisão. Faz um esfor"s"o, vai com eles ver o campeonato distrital de "volei" "Hokei patins" ou então deixa lá isso, e compra uma casa na serra leõa ou na liberia.

Anónimo disse...

Mai nada!

Anónimo disse...

atao poi..na houvera ser .

Anónimo disse...

Mai nada!