sexta-feira, dezembro 05, 2008

A NOSSA FALA - CXIX - (t)CHANCA

Não sei bem se já partilhei convosco, mas não faz mal se me repetir. O ocidente, onde vivemos, tem uma mão cheia de matrizes que determinam a nossa forma de ser ,estar e pensar e até agir, crer, procriar, tudo... Os livros incidem, na sua maioria em duas grandes matrizes, que afinal são três:a grega ou helénica e a judaico-cristã: a Bíblia, sempre a Bíblia, sem ou com Novo Testamento. Ineludível, indiscutível, irrebatível. Cá para mim, porém, não são só estas as grandes marcas teleonómicas que nos vinculam a uma forma específica de viver a vida. Como Camões quando viu o fogo de Santelmo -vi,claqramente visto -, também eu claramente vejo que não podemos deixar para trás, ou alijar para o lado, as influências marcantes dos celtas, (basta ver os enormes robles - que ainda os há - e que eles plantavam por cada filho varão; isso mesmo, o QUERCUS, o carvalho robusto, frondoso e duradouro; depois, dos romanos, esses dominadores imperiais que por aqui andaram, na Bética e na Lusitânia, com centro na vetusta Egitânia e, que mais não fora, nos deixaram, como legado, a língua com o seu SERMO VULGARIS ou PLEBEUS, e até com o ERUDITUS, para aqueles que sabem que Cícero teve essa alcunha, por causa de uma barruma que tinha mesmo na ponta do nariz e que se parecia com um chícharo. Daí que não ficasse apenas com o nome de Marcus Tulius e se distinguisse pelo Cícero. A sua eloquência era tal- basta ler as Verrinas, ou as Catilinárias, para ficarmos espantados com a capacidade investigatória e oratória, não sem Retórica da mais apurada, que ainda hoje, aqueles que nos explicam o significado das obras nos museus ou nas igrejas, ou..., se chamam cicerones. Mas não ficam por aqui as nossas matrizes: os árabes, esses soldados do profeta, de espada em forma de crescente e que o brazão de Penamacor ostenta, deixaram estigmas culturais que o tempo não mais apagará. Não vingou a língua, se bem que alguidares, almotolias, almofarizes, alcatruzes, alfinetes e outros al, para além das práticas no fabrico de azeite, vinho, sistemas de rega, tudo e ainda mais, nos chegou por via dos moiros. Os moiros, esses mesmos a quem os reis conquistaram os castelos até ao Algarve.
Sendo assim, a nossa cultura não é unívoca mas plurívoca. Invoca e evoca muitas matrizes.
Vem tudo isto a propósito de que andei a procurar, cá bem no fundo, donde derivaria etimologicamente este fonema TCHANCA, que hoje aqui vos trago. A verdade é que não encontro raíz que me pareça fidedigna e, olha, se errar também não vem daqui grande mal ao mundo. Tenho para mim que isto há-de ser celta.
O velho Corlha, soldado veterano, combateu em la Liz na primeira guerra mundial e foi dos poucos portugueses que escapou à chacina. Tinha mesmo uma pensão, dessa sua jornada por terras de França. Era crónico vê-lo sentado com outra figura castiça que ainda não constou neste memorando: o velho Domingos Argentino, emigrante lá pelas sulaméricas e agora vivendo dos rendimentos, especialista a amortalhar tabaco de onça, em mortalha da marca Cegonha (não há outro que se lhe oponha). Tinha uma bela casa com um dossel de vinha ferral por um corredor exterior até à porta onde é hoje a casa do Branquinho. Era das casas mais originais, com frescos pintados nas paredes de tom predominantemente azul.
O Corlha, coxeava devido a uma TCHANCA mal tenteada: contrabandista, como muitos, trazia um carrêgo para o Zé Aranhiço, já tinha passado a Baságueda e vinha já todo lampeiro a pensar que o dia estava ganho. Ouviu o tropel de cavalos e teve que acelerar. Ia a atravessar uma barroca, e, fosse pelo peso do carrêgo, ou por ter escorregado na altura do impulso, para, de uma TCHANCA o passar, bateu na outra margem e partiu o tornozelo. O grito de dor denunciou-o, perdeu o carrêgo, mas salvou a vida, que o mais certo era ficar ali sem se conseguir mexer, se a guarda fiscal não desse com ele. Depois ainda foi preso por ter envenenado o irmão; enfim, uma vida complicada a do nosso Corlha. Já não a de Domingos Argentino, esse, por essas dez aparecia ali pelo batoco, sentava-se no batorel do Agostinho Ratado, amortalhava cigarro atrás de cigarro, ia ao Chico ou ao Fatela escorropichar um copinho e voltava e era vê-lo a comentar quem ia ao chafariz.
Quem lhe fez a casa foram dois irmãos que vieram dos Escalos e casaram na Aldeia: Moisés e Tonho Pitincouro - os Pitincouros. Deles se dizia que sabiam tralha como um corno. Se alguém quisesse saber quantos litros levava uma pipa ou um poço ou o que quer que fosse e tivesse forma cilindrica, tinha que se socorrer deles. Eram artistas: faziam render o segredo. Eles sabiam o valor do PI. Nunca o revelaram. Os 3,14 eram exclusivos dos Pitincouros.
O Zé Chornico tinha aberto um poço, ali perto donde eram as poldras, num chão colado ao Zé Toco ( o Zé Mangueira, de quem se dizia que o tinha tão grande que dava duas voltas à perna e sobravam 15cm para mijar) e deu com um nascente dos lados do sol nascente -os melhores- e quis saber quantos litros levaria o poço para calcular se havia de afundar mais ou não.
Não tinha fita métrica, calculou a altura pelos degraus da escada e o diâmetro:«ponho aqui um barrote de travesso e espeto-lhe uma tábua por cima e meço isto à Tchanca» Depressa fez o que pensou, mas a Tchanca não dava certo com as bordas do poço e então chega-se aos Pitincouros e: « o mê poço tem de altura dezoito degraus de escada e de largura três tchancas dois palmos, uma mão de travessa e o mê tchapéu. Quantos litros poderá levar quando estiver rasinho?» Os Pitincouros calculam a altura com base nos 35 cm por degrau e cada Chanca a 1 metro,o palmo a 20 cm, a mão travessa a 10 e o chapéu a 15, e concluem: "Ó ti Zéi isso é bicho pra conter aí por volta de 22.500 litros". Vamos a beber um copinho que a água já me dá. Quando é que me podeis ir a forrar o poço"?
E assim, valendo-se do seu saber o valor de PI os Pitincouros lá ia arranjando trabalho. Sim, que eles eram pedreiros de profissão.
Novas xendrices para a semana.
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BANDA DE ALDEIA DE JOÃO PIRES




Naquele ano de 1908, a capital da Nação vivia dias agitados. A pontos de se ter morto um Rei, Carlos, Dom, o Primeiro. Em Aldeia de João Pires viviam-se igualmente dias agitados, mas por motivos bem mais prosaicos, mas não menos consequentes: fazia-se nascer uma Banda Filarmónica.

Há dias, festejou-se com pompa e circunstância, o centenário da sua fundação e o Baságueda aqui presta a sua homenagem a tão insigne Instituição: A União de Aldeia de João Pires, Sociedade Recreativa e Musical, de seu nome completo e oficial. A pompa e a circunstância incluíu a publicação do Livro “Banda Filarmónica de Aldeia de João Pires – Centenário”, da autoria de Lopes Marcelo, que reúne muitas das muitas histórias que cabem num século de história.


Contam-se duas, a primeira, protagonizada pelo primitivo impulsionador da Banda, o Pe José Maria, e recordada no dito Livro, remete para o episódio da efémera restauração da Monarquia em Aldeia de João Pires, em 1912; a segunda, referencia um outro grande homem da Banda: o Sargento “Jaimeca”.


1. Com a devida vénia, transcreve-se um pequeno extracto do texto de Lopes Marcelo:

“Na sequência da implantação da República em 1910, seguiu-se um período de agitação em que a perseguição às Ordens Religiosas e à Igreja Católica foi muito forte, com a alteração das funções dos Párocos resultante da Lei do Registo de Afonso Costa em 1911. Acresce que o Padre José Maria era um fervoroso adepto da monarquia e, em 1912, perante a notícia de que o movimento chefiado por Paiva Couceiro tinha restaurado a Monarquia no Norte, não se conteve e proclamou restaurada a Monarquia em Aldeia de João Pires em clima de festa e com foguetes. Quando a notícia chegou à guarnição militar aquartelada em Penamacor, logo a tropa saiu para repôr a ordem republicana…”

A história continua com a fuga do Pe José Maria, primeiro para Monsanto, com contornos rocambulescos, depois para a Espanha e daí para o Brasil. Anos mais tarde, em 1926, haveria de retomar as suas funções de Pároco de Aldeia de João Pires (e Aldeia do Bispo).


Fugas à parte, realça-se o episódio interessante da restauração da Monarquia pelo Pe José Maria, donde, comparativamente à grande maioria do resto do vastíssimo território português - nesta época incluíam-se as províncias ultramarinas -, Aldeia de João Pires tem mais tempo de Monarquia, ou, se se preferir, tem menos tempo de República.

2. Jaime Antunes Rei, mundialmente conhecido por Jaimeca, atingiu o posto de 1º Sargento do Exército Português, tendo dedicado parte da sua vida à Banda de Aldeia de João Pires, sobretudo a partir da aposentação em 1963, quando se fixou na sua aldeia natal. Localmente, também se referiam a ele como "sargento porqueiro" por via da criação de suínos que mantinha ali nas imediações da aldeia. O Changoto já nos fez antever, no post anterior, quão especialista ele era na arte de criar recos, a pontos de até ter pretendido registar a patente de uma nova raça: a ALJARPI. Os animais andavam soltos na sua propriedade, alimentando-se de tudo o que podiam encontrar, fossem bolotas ou criadilhas, preocupando-se Jaimeca, todavia, em lhes fornecer o complemento nas medidas que só ele sabia determinar, com as farinhas que ia comprar a Aldeia do Bispo, ao estabelecimento comercial dos progenitores destes dois que vos entretêm no Baságueda. Igualmente não prescindia da clássica vianda, composta de restos de comida e legumes vários, muita botelha, batata miúda, couves, tomate, enfim, todo o excedente da horta.


Antes de ter investido numa mobilette, seguramente por influência de algum emigrante em França, daquelas que possuíam pedais só para a pôr a trabalhar e depois andava sem mudanças, o seu meio de transporte por excelência era a bicicleta, quer para se deslocar a Aldeia do Bispo à farinha, quer para abastecer a pia dos seus tós. Cena característica era a do Jaimeca a transportar vários caldeiros de vianda enfiados pela asa numa vara assente no guiador da bicicleta, mais uma saca de ração no suporte traseiro. Um equilibrista, o Jaimeca. E sempre, mas sempre, com uma mola de roupa a apertar a parte exterior das calças, junto ao tornozelo, por via de não as sujar com a massa da corrente da bicicleta.


Numa das centenas de vezes que lhe vendi uma saca de 50 Kg de ração para porcos em crescimento, que ele acondicionou cuidadosamente no suporte traseiro, já ele tinha percorrido 100 metros estrada acima a caminho da sua Aldeia de João Pires, quando, ali junto à casa do Ti Julho Aspirante, lhe aconteceu um raro percalço que até o fez tombar. A cena resume-se em dois parágrafos:


Vinha a descer o T'Zé Branco, de aguilhão empinado assente no ombro, à frente da sua Junta mista composta pela vaca andorinha e da burranca freira maria, assim chamada por causa da lista branca na testa a contrastar com o escuro do resto do pêlo. A sair do quintal, vinha o jerico pardal do Aspirante que de imediato cheirou o cio da freira maria. O instinto animal do pardal não quis saber dos berros do Aspirante nem do aguilhão do Branco e vai de atirar as patas dianteiras para cima da asinina fêmea, firmemente determinado a doar-lhe a sua contribuição para a reprodução da espécie.


O rebuliço apanhou o nosso Jaimeca em cima da bicicleta, em equilibrio periclitante, não tendo conseguido evitar o estatelanço no alcatrão. Não ficou muito magoado o maestro músico, mas a saca da ração rachou ao meio espalhando a farinha para porcos em crescimento a toda a largura da via, mesmo à frente da vaca andorinha. Esta não se fez rogada a aproveitar a oferta, manjar raro para as sua beiças. Foram precisos algumas aguilhadas no costolado dos quadrúpedes, evidentemente acompanhados por vocabulário impróprio, mesmo para eles, por parte do T'Zé Branco, para repôr a ordem e a lei. Ajudei o Jaimeca a apanhar a farinha para uma nova saca e ele lá seguiu em direcção à aldeia dos cucos.



Aqui ficam expressos e registados os votos de longa vida à Banda Filarmónica de Aldeia de João Pires.







sábado, novembro 29, 2008

A NOSSA FALA - CXVIII - (T)CHASCAR

Em tudo o que move, algo há em repouso e, em tudo o que está quieto, algo se altera. Assim somos nós: sempre os mesmos e sempre diferentes. Por isso a vida aumenta e encolhe ao mesmo tempo. Cada dia temos mais um e cada dia nos falta um. Do nascimento à morte é este o nosso sortilégio.
Além disso a nossa cara muda em função da situação, do local, do tempo, da idade, da emoção, do conhecimento ou desconhecimento, da cultura em que nascemos, do género sexual, do interesse, da necessidade, que sei eu... Sendo sempre nós estamos sempre a ser outro de nós. Nem nos esgotamos quando somos nós, nem há qualquer outro de nós que nos substitua cabalmente.Não sendo profissionais, somos actores. Na verdade, o actor é aquele tipo de pessoa de quem nunca sabemos se é ele ou alguma personagem que esteja a representar. A identidade entre o ser e o parecer consumam-se e confundem-se na arte de representar. Vede bem! o que está presente não é o presente, ele mesmo, mas um presente repetido, reforçado, outro presente: RE-PRESENTE(AR). Confuso, não é? Se calhar não vos soube apresentar o que queria que agora fosse a vossa re-presentação de mim. É ou não verdade que, quando me ledes, me imaginais? Construís uma imagem de mim, isto é, uma re-presentação de mim. Com a incerteza de que nunca sabeis se corresponde à verdade. É isto a Hermenêutica: a personificação de Hermes, o deus dos ladrões. Quando interpretamos roubamos, porque tornamos nosso, sem autorização do autor, o que ele nos apresentou. Nunca sabemos se o que pensamos que é, é o mesmo que o autor queria que tivesse sido. Foi por isso que Sócrates (o grego) nunca escreveu. Defendia que o texto morria na palavra. Eternizava-se. Já a palavra falada discute, vive, contrapõe, adapta-se, está presente ali, sempre à hora.
Vamos às xendrices:
Nunca foram muitos, na nossa aldeia, os criadores de porcos - aqueles que tinham porcas PARDEIRAS (por parideiras), mas sempre acontecia que, voluntariamente ou não, por vezes, aparecesse alguém a anunciar que a porca se tinha coberto e estava cheia: "nem dei conta. O sacana do bácoro tão pequeno saltou à porca da matança. Agora só a posso matar lá mais prá frente, tenho que a deixar crier os recos."
Calhou-me a mim que, lá em casa, ali para os lados dos cabeços havia três porcas pardeiras e, mais grave ainda, todas três pariram com pouco intervalo. Uma vinha cheia quando foi comprada e não se sabia, a outra tinha sido chegada ao barraco (varrasco) do Jaimecas à Aldeia de João Pires e a terceira tinha sido vítima do já atrás referido: um irmão, que estava na mesma furda, encheu-a.
Jaimecas, esse sim, fazia criação com alguma intensidade, extensão e continuidade. Mestre da Banda da Aldeia, para quem envio os parabéns pelo centenário, músico emérito, apesar dos dedos sarotos na mão esquerda, tanto tocava sopros como cordas. Um campeão.
Gabava-se de ter ele próprio criado uma espécie exclusiva da raça suína: a espécie ALJARPI.
A denominação advinha de ALdeia de João PIres e do nome dele ao centro - Jaime Antunes Rei - Estais já ver: AL JAR PI.
Voltemos então à minha desgraça: as porcas pariram mesmo no calor- na segunda semana de Agosto. Calor que bastasse, condições pouco menos que reles e muito, muito figo para colher. Dizia o meu pai que a farinha custava dinheiro e que as figueiras precisavam de ser colhidas e era muito mais barato. Assim, por essas cinco e meia da manhã, lá ia o desgraçado e mais o famoso carrinho quadrado, a colher os figos que, se fossem colhidos com o sol alto, as figueirs secavam e os figos emoucavam. Colhia para o chão e depois apanhava para dois cestos que tinham que vir bem cheios para as benditas porcas. Para agravar, meu pai comprou figueiras carregadas, em pé, e mais tive que colher. Cheguei a gretar os dedos do leite do figo. Por fim - o homem é inventor - roubava uma empa de um feijoal que houvesse por perto, varejava a figueira e tombava maduros e verdes. Apanhava os maduros e enterrava verdes e folhas. Vai lá vai!
Uma das porcas estava parida , paredes meias com um varrasco e a divisória era larga o bastante para que os leitões pudessem passar. Ora, o porco apanhou um e mordeu-o por cima das mãos na cerviz. O bácoro conseguiu fugir para junto da mãe, mas trazia uma enorme ferida.
Resultado: sobrou para mim: tive que ir dentro da furda para agarrar o leitão, mas deparei-me com dois obstáculos de monta. O primeiro é que os recos fugiam à deriva e o segundo era que a porca CHASCAVA (Batia os dentes, assim à maneira das cegonhas quando vêem o parceiro a chegar com alimento para todo o ninho). Consegui que o porquito entrasse para uma cesta que aventei para fora e meu pai agarrou. A ferida estava cheia de larvas de vareja. Limpámos bem, untamos com azeite e colorau, como se faz aos presuntos e tornamos a meter o tó na furda. A mãe, quando lhe cheirou ao azeite, vai de lamber. Moral: toca a ir outra vez apanhar o porco. Fui, agarrei, trouxe, mas agora em vez de pormos azeite barrámos com creolina pura. A porca bem cheirou e o porco bem ganiu, mas lá se safou. A ferida cicatrizou e veio a ser o porco da matança. Coisas da vida.
E eu já não vos maço mais hoje. Logo volto com mais xendrices.

domingo, novembro 23, 2008

A NOSSA FALA - CXVII - PÊSCO; PEXOGO; PEXÊGO

Aquilo que é, é apenas o que é. Sendo assim e numa leitura um tanto simplista, as coisas que não são, são em maior número do que as que são. Por exemplo a letra A só é A: não é nem B, nem C, nem nenhuma das outras. Logo, o que ela não é, é muito maior do que aquilo que é. Assim vale mais o não ser do que o ser. Nós somos apenas nós e não podemos deixar de ser nós. Eu só sou eu para mim e sou o outro para todos os outros que comigo convivem. Agora mesmo eu sou outro para vós. Podemos então falar de um GRANDE OUTRO e apenas de um pequeno Eu. Efectivamente EU é um pronome que todos podemos dizer mas que ninguém pode dizer por mim. Para concluir: o que não é, é mais do que o que é.
As convenções acabam por se estilizar e, não raro, estereotipam em clichés ou kitchs, ou, falando mais português, tornam-se em jargões. De algum modo tudo acaba por se reduzir a um lugar comum. O que é comum é generalizado, o que não significa que seja universalizado. O lugar do lugar comum é no anonimato. Como é de todos não é de ninguém. Já fora assim com Cristo, por exemplo, quando a multidão anónima pede a Pilatos para o crucificar e este para não ficar o único responsável "lavo daí as minhas mãos". Bem vai Kierkeggaard quando diz que " a multidão é a mentira". De facto só um corta a meta. Olhai para uma qualquer prova desportiva: aquele que é focado é o vencedor. Na verdade, o segundo já é o primeiro a perder. Por isso só torna a aparecer no pódio ao lado e abaixo do vencedor.
Ainda no campo do desporto: quase todo o relator de futebol fala das quatro linhas :«a bola saíu das quatro linhas»; ora, o campo de jogo é de forma rectangular e eu aprendi na escola que o rectângulo é uma figura geométrica de uma só linha com os lados iguais dois a dois e paralelos dois a dois formando ângulos rectos. Aliás não é difícil desenhar um rectângulo sem nunca levantar o lápis ou agarrar numa única linha e dar-lhe a forma rectangular. Não faz sentido, então, falar de quatro linhas. Nem de bola à flor da relva, nem de posse de bola, etc. etc. . As convenções são muito fortes e passam por cima das evidências, pois criam hábitos de pensamento que pura e simplesmente reage a estímulos e não pensa o que diz, agindo como um psítaco. Solta palavras mas não conceptualiza.
Regressemos à terra e aos xendros que já é tempo!
Em qualquer grande superfície aparecem as nectarinas que os xendros chamam e bem PÊSCOS CARECAS. Havia apenas um na aldeia. Ficava para os lados do caminho das águas e era pertença do velho Bites, latoeiro (=funileiro), sempre de bengala, grande fadista e cantor de improviso quando apanhava a trovoada. Ainda o ouvi algumas vezes. Quantas vezes o ouvi também amaldiçoar a canalha que lhe gamava os pexogos pelados como ele lhe chamava. Chegava a dormir no terreno para os guardar, mas a rapaziada quando o caçava na horta mais longe e sabendo-o coxo, rapidamente chegava à árvore e raspava-se enquanto o Bites gritava impropérios.
A prova indesmentível desta faladura é o facto de haver mesmo na aldeia, ali para os lados do ribeiro cimeiro o ti Jaime Pexogo casado com a Glória Violas, irmã de Conceição do Trém e de Lurdes e de Clara. Fazia o Chão da Ribeira onde chiava sempre a nora tocada pelo fadista, burro mansinho que se ajoelhava para a ti Glória se montar. Outros tempos, outras agriculturas, outros xendros.
Hoje quis também não vos deixar um lugar comum. Talvez para vosso pesar e meu deleite.
É a vida!

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sábado, novembro 08, 2008

A NOSSA FALA - CXVI - GADAPUNHO/a

Leroi-Gourhan em Le Geste et la Parole, com mestria, defende que o trajecto da evolução humana se inicia no pé, passa à mão e termina no cérebro: é a famosa dialéctica do pé - mão - cérebro. O bipedismo humano encarregando os pés do suporte do corpo e deixando as mãos livres para as outras funções mecânicas, desde coçar-se, fabricar instrumentos (do erectus chegou ao faber e ao habilis), até abraçar, fazer gestos para intercomunicar - sim que a um caçador não convinha meter barulho que assustasse a presa - por isso, inventou a sinalética, o gesto, o mimo, sinalizando o que pretendia ao outro seu igual e companheiro na angariação de alimento, até, por fim, chegar ao sapiens e ao sapiens sapiens com as consequências advenientes: oponência do polegar, redução do prognatismo, aumento do perímetro cefálico (...)
Não resisto a adulterar a tese de Gourhan: hoje temos ainda o demens...
Vem tudo isto a propósito de que na sociedade nética em que convivemos e competimos, a ordem natural destes factores se inverteu ou pelo menos se subverteu, profanou, sei lá!
Aqueles que, como eu, ainda jogaram descalços à bola, para todos estarem em igualdade de circunstâncias e que corriam a ribeira e os campos em busca de aventura, tinham que tirar da cabeça muitos engenhos que construíam e que depois lhes serviam para uma finalidade, mesmo que essa fosse o jogo (afinal também há o homo ludicus).
Lembro-me bem de irmos, eu e muitos, para a Eira Cimeira onde abundavam mimosas e construir arcos e flechas com que jogávamos aos índios e cow-boys, outros faziam pistolas de cana rasgando orifícios com navalhas afiadas e construindo uma mola que faria disparar o projéctil, ainda relas e caravelas (agora chamam-lhes vira vento) de embude seco, colando as paletas de papel com carapetos de silva (e se aquilo girava!), bilhardas, pinocos, carrinhos de empurrar, trotinetes de esfera, fisgas ( fungas, como lhe chamávamos) , piões, que sei eu, tudo era por nós construído, as mãos tinham importância e "dialogavam" com o cérebro proporcionando um benefício mútuo.
Quando algum aparecia com algum brinquedo, ou mais perfeito ou inédito : «mostra lá!» e o autor: "olhó aqui! tu vês com os olhos; sapa daqui as gadapunhas ou tens a vista na ponta dos dedos? O diálogo continuava e a arte de falar, com alguma oratória e bajulice a acompanhar, mais cedo ou mais tarde, lá permitia que a novidade fosse mirada e remirada e, às vezes, imitada.
Já não é assim agora: a rapaziada já não joga a bola na estrada, já quase não vai a pé para a escola, mexer numa faca nem pensar, fazer um brinquedo não é preciso porque os poluímos com tantos que lhes damos e dão, a ponto de nem lhes ligar nem os respeitar e cuidar.
As mãos já não fabricam. Estão condicionadas a um conjunto de tarefas pré- determinadas e fiscalizadas por guardiões do templo que apoiam, estimulam, convencem. Fazem todos o mesmo, não há originalidade nem criatividade. Só mecanicismo. Começam à hora, acabam à hora. Já não têm o "nosso" tempo, mas apenas o tempo que lhes concedem.
Sendo assim, o pé corre pouco porque fica quieto na sala, a mão tem pouca maleabilidade e elasticidade porque condicionada apenas aos exercícios pro(im)postos, e, em consequência, o cérebro prepara-se para funções repetitivas sem desafios que o obriguem a sinapses mais complexas e a respostas, que, certas ou erradas, não interessa, eram resultado de um exercício individual e solitário do pensamento individual e não uma resposta condicionada a ordens e a horas que os outros estabelecem.
O largo do Batoco, hoje baldio, em tempos foi alvo de disputas pela posse e há ainda quem, velada ou confessadamente, afirme que lho roubaram e que, se quisesse, ainda podia fazer valer o direito de propriedade sobre o espaço.
Aí, ao canto esquerdo, havia uma poça (espécie de charco), onde muito gado bebia e, espalhado pelo largo, havia tufos de bravos e até mesmo, junto à parede que o limitava e que tapava o ribeiro do Batoco, hoje coberto, paralelo ao quintal dos Póvoas, havia mesmo embacelamento das vides. O resto do espaço era absolutamente desorganizado e a malta jogava ali à bilharda, ao ferro, ao pinoco, a esconder e a achar, ao burro,... e, às vezes, traçava-se um itinerário para uma gincana com cronometrista e tudo, que o Velho Jonja já tinha um relógio de pulso marca Cauny e emprestava quando era ele a dar a volta.
A gincana tinha várias fases, desde o pé cochinho, à corrida livre, a saltar aos pés juntos e, claro, a dar a volta inteira com o mais que famoso carro quadrado das bilhas do gás, onde ninguém, mas mesmo ninguém , algum dia meteu os gadapunhos com a habilidade e mestria deste que isto tudo vos conta. Dava-lhes um bailinho que eles : "Filho dum raio que o parta, num há ninguém que lhe consiga ganhar com o cabrão do carroço! É chapado para manobrar aquilo".
Perdoe-se-me a vanglória, mas quem não tem um Ego de estimação, também nunca viveu uma aventura assim mesmo daquelas comédado.
Confesso que isto hoje foi um bocadinho para o pesado, mas o cérebro é agora quem comanda e a mão (não já o gadapunho) limita-se a obedecer e a carregar na tecla que permite construir a palavra que dá sentido a isto tudo.
Descansai o vosso cérebro: para a semana já volto, com ou sem carrinho do gás.
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sábado, outubro 25, 2008

A NOSSA FALA - CXV - TENTEAR

Vale Quem Tem, latoeiro de profissão, afastado por iniciativa própria para terras da Benquerença, onde ainda exerce a arte, tinha um borrego merino que mais parecia um lama da sul américa.
Era um regalo de ver : burra com angarelas carregadas de esterco, borrego merino sempre ao lado de Prazeres de balde à cabeça, assente em molídia feita por mão própria, a caminho da Quelha Funda. O borrego cresceu e cresceu. Era manso como a terra e mesmo quando se desafiava com um ZUPA! ele vinha à mão e o que queria era festas.
Prazeres e Vale Quem Tem ganharam amor ao borrego, mas já estava tão grande que era imperioso despachá-lo...
Eram dois os talhos de aldeia, onde se fazia directamente o abate. Não havia ASAE, a higiene era um facto e não há memória de qualquer doença provocada por esses abates e vendas directas. Passava o veterinário duas vezes por semana, analisava a qualidade da carne, carimbava e, não raro, confiscava as miudezas. Nunca soube se era por não estarem em condições, se era por ele gostar de fígado de ruminante. Facto é que a fressura poucas vezes ficava no talho...
Um era do ti Chico Miguel e outro do ti Zé Rolo. Objecto de discussão era muitas vezes o tempo que cada um demorava a matar uma rês e a esfolá-la.
Sempre vos digo, a talho de foice, que o nosso governo demora muito menos tempo a esfolar-nos... Mas adiante.
Foram várias as vezes em que um ia ver o Zé Rolo a matar e outro ia ver o Chico : marcavam o tempo. Passatempos um tanto brejeiros, mas na aldeia o que saísse da rotina era novidade. Nunca houve um vencedor definitivo.
Quem comprou o merino ao Vale Quem Tem foi Zé Rolo.
É Prazeres quem o vai levar à casa da Lameira e o prende à ferradura. A mulher arrancou ligeira e não era difícil ver que ia a chorar. O borrego chamava-a nuns més contínuos.
Zé Rolo era valente: basta que foi ele que, sozinho, debaixo do braço, levou o sino até lá acima à torre, porque a escada era e é muito estreita e só cabia um. Ficou nos anais aquela proeza. Costumava entalar os borregos e os cabritos entre as pernas, dar-lhes uma facada na nuca e depois sangrar. Nada disso podia ser com o merino. A força do animal, mais a mais sem Prazeres ao lado, para o acalmar, inviava tal desempenho.
O remédio foi atá-lo bem e TENTEAR bem a facada para que logo à primeira caísse redondo e se pudesse fazer dele o que se quisesse. De faca na mão, Zé Rolo espetou a faca na cerviz do merino . Este, ao sentir a picada, aventou tal escrito, que rebentou a corda, abala a correr e só pára na casa de Vale Quem Tem com a faca espetada.
Prazeres, ao ver o animal sangrado, com a faca espetada, começou aos gritos.
Ia eu a passar na ponte, com o já mais que famoso carrinho quadrado do gás, com uma bilha e uma saca de farinha 815 para o Chicharro atrás do cemitério, quando Zé Rolo vem esbaforido e: "apoisa aí a saca e a bilha e traz cá o carroço. Vem comigo." Eu não entendia a história.... " "Vá lá catano, preciso do teu carrinho e de ti." Pelo caminho lá se ia justificando: " Rais todos trinta ma partam... errei a puta da faca no borrego do Vale quem Tem e o cabrão abalou-me com ela espetado no cachaço".
Chegámos atrás da igreja e lá estava o merino a sangrar, ainda de pé, com espuma na boca.
Vem a Prazeres: "Já num levas o borrego Zéi", e Zé Rolo «Tens que me dar o dobro do dinheiro se te negas ao negócio» Aí, Prazeres refreou a zanga:"Desaparece-me daqui com o animal que não o posso ver assim, coitadinho. E era. O animal olhava para Prazeres: Traíste-me, vendeste-me,...
Zé Rolo arranca a faca do pescoço do animal, já um tanto enfraquecido pelo sangue perdido, e desta vez tenteou melhor e o animal caíu ali. "Pega aí desse lado. Agarra-lhe com ganas que ele é maciço. Tenteia bem a ver se o encaixamos no carroço logo à primeira". E assim foi. Tenteamos assim mesmo comédado e o animal ficou todo no carrinho. Lá o trago para o talho e apresso-me a levar a farinha e a bilha ao Chicharro. Sempre queria ver quanto pesava o bicho.
Tinha tal prática com o carrinho, que tenteava o peso e ele vinha na minha frente equilibrado nas duas rodas uns bons 20 a 30 metros, sempre na gáspia, que não queria perder o peso e o meu tio Zé Rolo precisava de ajuda para o pendurar. Cheguei à hora. Papei uma jeropiguinha da verdadeira e lá penduramos o merino na romana. Corre o pilão pelo varal e marca: 75kg. "Belo animal e tem aqui carne como seda. Mal empregado!»
Se não houvesse contrabando não eram precisas brigadas fiscais e se todos fôssemos cidadãos comédado nem polícia era precisa. Cada um de nós sabia o seu dever, cumpria-o e tudo havia de chegar para todos. Mas não. O nosso cérebro reptiliano e a natural agressividade que nos torna lobo do outro está sempre presente e a arte de fintar o outro dá-nos gozo e apuramos esta capacidade até aos limites da imaginação criadora. "O que esquece ao diabo alembra aos homens" já me dizia o velho Comandante.
Vem isto a propósito de que aquele borrego não era para ser visto pelo veterinário, era para ser vendido à sucapa, na candonga e já tinha pretendentes. Zé Rolo, no entanto, dadas as circunstâncias de meio povo saber do acontecido, receava que alguém pudesse bater com a língua para o veterinário... Ainda assim arriscou: meteu a pele num saco aparelhou a mula e foi pô-la na quinta do caminho das Águas, lavou tudo bem lavadinho esquartejou logo o borrego e não tardou já o tinha despachado.
Como não havia vistoria, sobrava a fressura. O lume estava aceso :« puxa aí o borralho para a ponta do lar e queima aí a grelha» Percebi logo a jogada. Foi limpinho: umas areias de sal para cima do fígado, uns alhos descascados, um cheiro de vinagre e um salpico de malagueta e oíoai, foi mesmo um ai. Mamamos os dois o fígado do merino, arreamos-lhe uns copos e uns nacos de pão e o pequeno almoço já cá morava. E bom.
Não restam dúvidas de somos os predadores dos predadores. Umas bestas. Com as devidas desculpas.
XXXXXXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIII. Logo volto com mais xendrices.

quinta-feira, outubro 23, 2008

VENDIMA DO CHANGOTO


Foi maiómenos assim:


2 vindimadores armados de tesoura de podar


3 armados de navalha Palaçoulo (1 das quais motcha)


4 armados de navalhas outras (2 motchas)


1 vindimador armado só de mãos


3 só para esmagar (apresentavam os palmípedes lavados mas unhas demasiado compridas pelo que se optou por máquina separadora de engaços)


28 à hora de comPROVAR o cardápio (e a hora foi a partir das 10)


Produtividade [consumo final/produção final) inferior a 0 [zero] (para os pixotes em economia, isto significa que se consumiu mais do que se produziu)








VINDIMA 2008


QUINTA DO CHANGOTO





ORDEM DE TRABALHOS :



  1. APRESENTAÇÃO AO GRANDE CHEFE PATA PESADA

  2. BEIJA-MÃO COM CONTRAPARTIDA DE MOLHADELA DE BICO

  3. APRESENTAÇÃO DE FERRAMENTARIA E APROVAÇÃO DA DITA

  4. ALINHAMENTO PARA SECÇÃO E INÍCIO DE FUNÇÃO

  5. ESCOLHER A UVA – DEITAR FORA SEM DÓ O QUE NÃO PRESTAR

  6. NUNCA ACELERAR QUE O TEMPO SOBRA E O GRANDE CHEFE NÃO É SUSTENTADOR DE GULOSOS

  7. OBEDECER À ORDEM DE CHEGADA

  8. TODO O PRODUTO CHEGADO À ALFÂNDEGA ESTÁ SUJEITO A VISTORIA SUPERIOR

  9. LEVANTAR O NARIZ E CHEIRAR A EMENTA

  10. LER O CARDÁPIO







CARDÁPIO




  • VINHO CASTRADO NA FERMENTAÇÃO

(ALTERNATIVA: BRANQUINHO MADURO DO ANO PASSADO)

  • ENTREMEADA AO LIMÃO EM ALHADA DE PIMENTO CURTIDO


  • NÁDEGA CURTIDA DE CERDO CEVADO A BOTELHA E CURTIDA POR QUEM SABE.

(A VER SE QUEM O COME O SABE CORTAR)

  • ENTRIPADO DE RECO FUMADO A AZINHO E EM CONSERVA AZEITEIRA


  • BIFINHOS DE CAROÇO BICAIS E GALEGOS


  • FERMENTADO DE LEITE DE OVELHA E CAPRINO


  • CASQUEIRO DE FARINHA 65 EM FORNO A LENHA E COM SUOR DE 27


  • CALDO DE MIGALHA DE FEIJÃO BRANCO DO BARBAÍDO COM TUBÉRCULO ROXO E ROSADO MAIS BOLBO CHORANTE, SAMPAIO E O MAIS QUE DER AO BOM SABOR, COMPOSTO COM HORTELÃ


  • PRIMO CAROLINO TOSTADO EM LAJEDO DE TIJOLO BURRO COM INGREDIAENTES DE COLUMBINO BRAVO AGORA AMANSADO E DESOSSADO


  • TIRAS DE FARINHA SECA À LAIA DE ESPARGUETE COM MIÚDOS DE PEQUENO RUMINANTE CORREDOR


  • CORREDORA CHUMBADA EM TERRENO LIMPO COM LEGUMINOSA PRODUTORA DE GASES


  • ESFARRAPADO GROSSEIRO DE VERDURA AMARUJANTE AO ALHINHO


  • TOSTADO DE RUMINANTE QUADRÚPEDE REGIONAL EM TEMPÊRO EXCLUSIVO


  • MURRADAS DE AMIDO EM MOLHO UNIVERSAL


  • SUMO GARANTIDO DE UVA ANIVERSARIANTE


  • DESTILADA EM AMBIENTE CARVALHAL


  • FILTRADO DE NEGRO TORRADO EM CAMPO MAIOR


  • ANEDOTAS PICANTES DO MANEL HIPÓLITO







MAINADA







segunda-feira, setembro 29, 2008

A NOSSA FALA - CXIV - PAVIOLA

Não são raros os casos em que a permuta, elisão, ou mesmo acrescento de letras ou sílabas, ocorram na linguagem do nosso povo. O exemplo que ora vos aporto é disso demonstrativo: em vez de padiola aparece a paviola. Em desuso, como as angarelas, por ex. , era de utilidade suprema em terrenos de socalco, mais a mais super povoados, com vinha por baixo, oliveiras por cima e, sazonalmente, batatas de sequeiro, e até alfobres ou erva para o gado. Servia para transportar muitas coisas, desde pedras para muros e paredes, lenha para o lume, até esterco para sítios onde nada mais tinha acesso.
Os seus dois braços dianteiros e traseiros com aquele patamar no meio possibilitavam uma distribuição equilibrada da carga e arrumação fácil.
Outros exemplos podem ser vistos em PEDIVES por pevides, CARAPINTEIRO por carpinteiro, CRAVÃO e CRAVOEIRO por carvão e carvoeiro, pomates por tomates,... . Ao fim e ao cabo as alterações fonéticas de pouco interessavam ao povo que por não saber francês não deixou de emigrar.
Não vai asssim tão longe o tempo em que galinhas, burros e porcos conviviam com pessoas, senão dentro de casa, logo ao lado, em furdas ou furdões, currais, apriscos, redis, pocilgas ou palheiros ou pardieiros. O Chico Miguel, a Tonha Costa, o velho Valente, o Rela, o Júlio Casqueiro, O Pirolas do Zé Nicas, o Fatela, a Manta Rota, e tantos outros, todos tinham os porcos, paredes meias com a casa e as galinhas tinham o poleiro por baixo das escadas que davam acesso pelo exterior ao primeiro andar das casas. Alguns desses poleiros serviam para outras funções quando a porta e o escadéu que lhes dava acesso o permitiam. Há quem diga que a Rancheira se serviu de muitos. Outros tempos, outras modas, outras vidas e outras histórias.
Tal como a PAVIOLA, foram desaparecendo. Agora só há andores, mas esses são para santos e santas.
Os irmãos Manetas eram três - Chquim, Manel e Zéi -, tão depressa andavam bem, como, num Domingo qualquer, se zangavam e, por isso, ficaram conhecidos como os Guerrilhas. Eram todos sapateiros. Faziam mangação, cada um do trabalho dos outros e sapato, bota ou sandália feita por Zéi e que passasse pelas mãos de Chquim: "mal empregado material nas mãos deste cerdo" e o mesmo se passava com os outros.
Chquim tinha a oficina por detrás da fábrica dos Leitões, quase em frente do cruzeiro do Cavacal e a pipa do vinho estava ali mesmo à mão, que, na casa onde morava, não havia espaço e Fatinha não queria lá ver pipos nem borracheiras sem vergonha a toda a hora, para além da burrinha que comia refastelada na manjedoura e, de Inverno, servia de ar condicionado, que o estrume que ia fazendo sempre libertava algum calor.
A mulher ficava por cima e lá ia ocupando o tempo com tarefas mais domésticas.
Um dia vinha eu a passar com o inefável carrinho quadrado das bilhas do gás quando :" Ó catano, eras mesmo tu que me fazias falta! Ajuda-me ali a levar esta paviola até ao chão do Branco por mor de à tarde lá semear o alfobre da couve que já é tempo". Arrumei o carrinho e lá vou com Chquim e a paviola do esterco por uma vereda mesmo à tangente. "Bem hajas tu, cachopo... A minha já num podia com este peso e eu ao caldeiro nunca mais fazia o serviço, bem hajas! Mas agora vamos ali a boer um copinho do meu." Fomos. Ajoelhou-se em frente da pipa rodou a torneira, aparou o tinto, deu-me o copo e continuou de joelhos com o dedo a tapar o orifício da torneira. «Alevante-se...Para que está aí de joelhos» - "Cala-te, dianho, tu num vês que a bicharada rala?" Fiquei meio taranta, bebi o copo, ele o dele, depois outro, Queres Mai? que não, disse eu, rodou a torneira sempre para a frente por mor do calo e lá se levantou. Ia eu a perguntar e a resposta já saía:" tu num vês que a torneira chia e aquele fardo - era a ti Celeste - dá conta; quando vou pró caldo ao meio dia logo me assobia à orelhas que já lá fui tantas vezes... Assim só ouve uma e o bicho já num rala»
Mais uma, digo eu. Há que aproveitar e meter na paviola ou padiola. Ficai-vos com a que quiserdes, na certeza que qualquer delas já pouco funciona...
Eu servi-me dela, a maior parte das vezes para transportar calhau ou estrume. Não me importava de a voltar a usar para arredar para bem longe muito do que por aí anda- e alguns a comandar-nos. Havia de ser bonito se os agarrasse na minha PAVIOLA ...
XXXXXXXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII. Logo volto.

segunda-feira, setembro 15, 2008

A NOSSA FALA - CXIII - PUCHEIRO

As voltas que o povo dá às palavras para, depois, as fixar num fonema com um som - o significante de Saussurre - são imprevisíveis. Assim é com esta forma. Repare-se: o espicho é o jacto de vinho que jorra de uma pipa onde não se quer meter a provadeira - cana com uma racha ou abertura que possibilitava a certificação se o vinho já estava claro e que, no orifício natural da cana até ao nó fundeiro, permitia transportar vinho bastante para um copo - . O espicho era feito quase ao cimo da vasilha onde o orifício respirador era tapado com uma rolha estreita de cortiça e vedado com cebo. Uma sovela, normalmente feita de vareta de guarda chuva, penetrava cebo e cortiça e o néctar saía com a pressão, aí para quase um metro afastado e era um regalo aparar o tinto no copo: fazia espuma e exalava um cheirinho que só quem teve a oportunidade de provar pode agora recordar. O orifício era fácil de tapar e até de selar: bastava pôr o dedo e /ou mais um pouco de cebo que estava sempre à mão e ele lá continuava a sua fermentação.
Havia também o vinho da balsa que resultava da inclinação da dorna e cuja claridade era aferida através de um rasto ou um bico velho de charrua, que se atirava para o líquido, às vezes ainda fervente: se o rasto fosse ao fundo, já estava claro, e não criava engulhos na garganta pelo que já se podia beber. O sabor a mosto era dominante mas, como não havia melhor, aquele era excelente. Fiz o meu tirocínio com o velho Comandante que, aí ao quinto dia já lhe arreava assim comédado.
Vem isto tudo a propósito das vindimas que agora estão no apogeu.
De caminho queria aproveitar para vos apresentar uma figura de xendro inigualável: de tudo sabia, de tudo dava conta e novidade que lhe caísse na orelha, passado pouco tempo estava mais torcida que uma cepa: a Chicorrela. Sempre ali pelo chafariz do batoco, tudo mirava, com todos se metia e até ia ao tribunal - banco só de homens onde a maledicência imperava e a linguagem era do mais verrinoso e viperino que imaginar se possa -. Chicorrela ou Relochica como eu lhe chamava, nada temia e desafiava qualquer um para dizer mal de quem quer que fosse. Seguia aquele velho aforisma: temos que dizer mal dos outros porque eles também dizem mal de nós .
A casa de Relochica ficava pertinho da velha casa do Barata, velho tugúrio onde se criaram nove filhos e cujo espaço seria aí duns 18 metros quadrados: subia a cama descia a mesa, subia esta
descia a primeira, a canalha dormia a monte, raparigas dum lado e garotos do outro.
Apesar do curto espaço ainda cabia, logo à entrada, um tonel de 400 l ,onde Barata guardava o vinho. Por cima estava, sempre de borco, um pucheirinho, copo único, de asa partida, que tinha que ser bebido de uma só vez, sob pena de não mais o provar.
Na perpendicular entre a casa do Barata e a de Relochica, em frente da velha Libra, morou a mãe de uma das ilustres personagens, José Antunes Ribeiro, de alcunha o Pucheiro, nunca soube porquê, e que foi alto magistrado. Chicorrela não tinha pucheiros. Ao lume estava a panelinha de ferro e havia umas gafeteiras, sempre de luto, por dentro e por fora, onde, de quando em vez, se fazia uma chicória, de borra assente com tição ardente, que servia de café. O açúcar era água de figos secos, guardada religiosamente em escoureiro bem tapado e vidrado.Nunca ninguém soube bem o que Relochica comia porque passava o dia no trequelareque do batoco a dar troco ao Chico Pedro, Manel Freitas, Augusto Estanqueiro, Zé Luís, e companhia...
Notícia que lhe caísse na língua, depressa fermentava e o que seria uma inocente lagartixa logo se tornava tiranossauro rex. Se os ilustres lorpas que gerem os nossos bancos e as empresas do PSI fossem comparados a esta nossa Relochica, pouco passariam de pigmeus face a Gulliver. E a preços muito mais módicos.
Vamos lá ver agora como derivou a palavra PUCHEIRO, nesta forma de entrada na língua que leva o nome de LEI DO MENOR ESFORÇO. Diga-se a talho de foice que, ao menos as palavras entravam e eram assimiladas; agora é uma algaraviada de siglas e de palavras emprestadas que arrepia: já ningúem diz AMA, mas baby-siter, ninguém merenda, todos lancham, ele é teen-ager, o open, o coffee break,... que sei eu!? quando se devia dizer tão só adolescente/jovem, abertura ou intervalo para café... Olhai os espanhóis: não basket, mas baloncesto, nem andebol, mas balonmano, não corner, mas saque de esquina, ...
Agora é que é: a palavra deriva do ESPICHO, já acima explicado; ora esta mesma palavra já é derivada por sufixação de PICHO (o ES vem do latim EX que significa movimento de dentro para fora, como em Ex-pulsar, por exemplo); como sabemos uma das funções do picho é essa mesmo de expulsar por jacto o líquido que está no ventre; daí a PICHORRO/A é um passo como vaso para aparar o líquido do espicho; a linguagem que diga respeito aos genitais é sempre castrada e isso parece pertencer a um inconsciente colectivo, que, um dia destes, logo vos trarei aqui, pelo que não admira que se alivie a conotação da forma mais simples - lei do menor esforço - de Pichorro derivou foneticamente por ditongação o nosso PUCHEIRO. Simples não é? Como o povo, e todos os que são competentes.
Como estamos também no início do ano lectivo, aqui vos deixo a questão: já vistes algum BOM PROFESSOR complicar o simples? Aposto que não, mas aqueles tarefeiros do ensino, que não preparam aulas nem se esforçam pelo seu brio e dos seus alunos, esses complicam... E então já nada é simples.
Para concluir e verdes que não há só cultura popular aqui vos deixo registadas as medidas internacionais e respectivos nomes para garrafas de vinho em vidro:

Nabucodonosor - 15 litros
Baltasar - 12 litros
Salmanazar - 9 litros
Galão - 7,5 litros
Matusalém - 6 litros
Garrafão - 5 litros
Jeroboão - 3 litros
Magnum- 1,5 litros
Garrafa - 0,75 litro
Púcaro - 0,5 litro
Meia garrafa -0,375 litro
Quarto de garrafa - 0,180 litro

Deste lado, vos deixo algumas medidas antigas:
Almude- 28 litros
Cântaro - 20 litros
Deca - 10 litros
Quartão- 7 litros
Cântara - 5 litros
Canada - 2 litros
Gafeteira - 1 litro
Quartilho - 0,50 litro
Meio Quartilho - 0,125 litro
Copo de três - 0,020 litro

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII.

terça-feira, agosto 26, 2008

A NOSSA FALA - CXII - MISSEGRA, MISSAGRA, MISSÁGORA

Lembro-me bem: a Melhinha (degenerativo diminutivo de Amélia) do Mnel Penajóia tinha vindo a encomendar uma bilha de gás, mas "que fosse depressinha que o Mnel já tinha ficado a aparelhar a mula para a pôr à carroça e iam para as portelas a cortar as trepolas das oliveiras"...
Lá arranquei no famoso carro quadrado, lagariça acima, ainda com calçada gaga, aqui tinha pedra ali não, e o carrinho a subir custava a empurrar... Não era para todos.!
Tão depressa fui que a Melhinha "inda no tinha aparecido" - tinha ficado na Troa a comprar uma lata de salsichas para o almoço - soubemos depois - e, claro, a conversa pega-se e Melhinha esqueceu-se das portelas e das trepolas...
Foi a minha sorte: o Mnel era forreta, segurava azeite nas mãos, e dar não era muito com ele... Bom, mas àquela hora já pronto e a suar à espera da Melhinha sempre se descaiu : «anda cá que vais a provar o meu». De caminho pegou na malga das azeitonas, e lá vamos... afasta a cortina de chita da tabela que a Melhinha tinha feito e que dependia do tabuado por um baraço com uns camarões e tapava a visão da cozinha para a adega.
Era das poucas adegas onde havia mais do que um copo e sempre uma cântara com água e uma bacia de 'resmalde' para lavar ao fim de cada uso. Colhia obra de um kilolitro e a pipa estava sempre impecável e o tampo tinha uma farrapinho onde se deborcavam os copos sempre prontos para nova utilização. Era escurinha a adega, mas limpinha. À ponta tinha mesmo um lajedo com um pequeno picado onde até se podia comer. Melhinha era um asseio.
Mnel faz chiar a torneira de madeira sempre no sentido dos ponteiros « nunca se volta atrás com a torneira cossenão cria calo e fica a pingar e no é o vinho que se perdia , era o filho de puta do mosquito, esse bêbado dum cabrão, que mal a gente se precata já está aí e a minha ralha como um corno se os cá sente...»
Oferece-me o copo, tiro umas azeitonas , chia outra vez a torneira, enche o dele " isto no é vinho, isto é néctar divino", achei piada, levo o copo aos beiços e aquele travo dos rufetes castelões inebria a pituitária e mais ainda cola-se ao palato e dá mesmo para fazer um AH! « Porra, ó ti Mnel isto é pinga de estalo! cum filha da puta, grande pinga!No vende disto?» "Lá mais pra diente sou capaz, vamos a ver como elas arrebentam e depois logo te digo".
Entretanto chega Melhinha e na sua voz de falsete lá arranja uma desculpa esfarrapada e começa logo com «toca a andar que se faz tarde, no te esqueças de levar a missegra para a porta do palheiro cossenão inda lá vai a raposa a fazer o ninho com a porta assim escancarada»; Mnel nem ouve: "arrefinfa-lhe com outro que disto no apanhas por i".
Lá papei mais dois e pronto: vim que nem um relógio de sala a repetir as horas, todo contente, lagariça abaixo. O carrinho até deslizava... Deslizava o carrinho e a minha cabeça vadiava a ver se descobria o significado de MISSEGRA .
Vinha o velho Marrafa àquilo do Isidoro ali já a meio donde era o olival do Ferreira e "Ó Marrafa, Karraio é uma missegra?" «é um gonzo»; "homessa, atão uma missegra é uma dobradiça?" «atão tu andas a estudar e num sabes o que é uma missegra! No sei karraio aprendendens!» O remédio era engolir e mainada.
Já ao fim da calçada gaga da lagariça, à porta da tasca do Cartola estava o velho Prim, sentado no baturel com a camisa toda aberta e a arrancar escamas de uma queimadela que tinha na barriga... Achei estranho o formato e meti-me: " ó ti joão, atão ali o ti David (era o ferreiro) marcou-o com uma ferradura em brasa como se faz ao gado?!" «tem tento na língua no te caia algum pontapé nas nalgas» "Atão o que foi?" «Isto é a marca de uma farinheira».
Quem acabou de contar a história foi nosso Farnando: O Prim tinha ido a Espanha a buscar um carrego e, fora parte, tinha trazido umas alpergatas e pana para umas calças que o velho Marciano havia de talhar para o Tonho Curto das Águas. Quando o Prim lá foi a levar o material só estava a mulher e o dinheirinho não veio com o Prim naquele dia. Num Domingo à tarde o Prim mete-se a caminho para ir ver do dinheiro e encontra o homem em casa. Lá se cumprimentam, o dinheirinho passa para o Prim e o Tonho: "Vou ali à loja por um pichorro de vinho". O Prim vê a farinheira na panelinha de ferro, agarra num gravato tira a farinheira da panela e já o Curto assomava à porta. O remédio foi meter rapidamente a farinheira fervente debaixo da camisa, beber o copo à pressa e desandar para conseguir aliviar a dor da queimadura. Depois todos brincavam com o Prim: "querias uma farinheira mas ficaste com duas."
Prim pagou uma rodada mas mamou a farinheira sozinho.
O Curto ainda hoje está para saber como é que a farinheira saltou da panela ao lume.

segunda-feira, agosto 04, 2008

A NOSSA FALA - CXI - COSSENÃO

Resolvi trazer-vos hoje uma novidade. Espero que gosteis. Às vezes a gente põe-se a escrever e as palavras vêm sem pedir ordem e as ideias juntam-se e formam um cozinhado que, ora sai apetitoso, ora arisco. Ao fim de ter escrito isto disse: não está mau. Só por isso vo-lo deixo. faz lembrar o início da Casa Grande de Romarigães, do não menos grande Aquilino: quis fazer um gamelo para o cão e saíu-me um tropesso. Quando comecei não sabia onde ia parar. Deixei-me ir. Se quiserdes fazer a viagem comigo acompanhai o trajecto.

Chamei-lhe o REINO DO COSSENÃO

Nunca estamos sós cossenão não tínhamos para quem escrever e assim era tempo baldado este que aqui agora despendo. Um homem casa-se para não ficar sozinho e ter quem lhe coce as costas cossenão tinha que alisar as esquinas das paredes. É neste reino do cóssenão que vive o Calado que diz tudo cossenão "arrebentava" e um Calado se "arrebenta" fala. Foi por isso que um dia me disse o Calado: Dizem que disse ou tenho dito é o que se diz quando já se disse o que se tinha para dizer; ora como eu ainda não disse o que tinha para dizer não posso dizer que já disse; por isso digo e torno a dizer que tenho que dizer o que tenho para dizer cossenão este reino do cossenão não diz o que tem para dizer e deve ser dito e isso não fica bem ao Calado que tudo diz. Há outros que eu conheço que pertencem a um outro reino que é o dos Cus Aqui Estão que falam com o dito e por isso valia mais que estivessem Calados mesmo não se chamando Calados como eu que calado tenho que falar. A mim nada me acontece quando digo o que tenho para dizer porque sou Calado e assim posso dizer que disse quando já tiver dito o que tinha para dizer. Portanto aqui fica dito que disse o que era para ser dito; portanto disse ou tenho dito que é como quem diz que já disse o que disse. Disse.

Aqui ficam as regras para aqueles que quiserem pertencer a este reino do cóssenão:

1- Escrever a preto em papel branco

2- Contar contos sem os contar

3- Dizer coisas sérias a rir

4- Ser do contra quando se está a favor, só se fazer cada vez melhor

5- Ser lógico até no absurdo

6- Ter sempre à mão o que está ao pé

7-Ter sempre ao pé o que está à mão

8-Cortar no cortado

9-Bufar sem cheirar

10- Falar calado

11- Ouvir o barulho do silêncio

12- Fazer festas à bruta

13- Ser pai e filho

14- Comer sem abrir a boca

15- Fechar os olhos para ver melhor

16- Dar um passo atrás antes de avançar

17- Confessar os segredos

18- Ver o belo no horrível

19- Sentir a vida na morte

20- Ter a certeza da dúvida


Tendes que cumprir esta regras cossenão nunca entrareis neste reino do cossenão.

Pela vossa paciência vos ofereço uma poesia em prosa:

É parados que viajamos

é empinados que nos sentamos

é sem pensar que julgamos

é sem pesar que avaliamos

é a dormir que acordamos

é sem falar que escutamos

é sem ralhar que vingamos

é sem andar que vamos

é sem querer que amamos

é sem luz que apalpamos

é calçados que nos descalçamos

é a sós que nos damos

é por nada que nos entregamos

é por pouco que lutamos

é pelos outros que nos preocupamos

é pela diferença que nos igualamos

é pelo desafio que paramos

é pelo descanso que trabalhamos

é por cair que nos levantamos

é por saber que erramos

é a brincar que poetamos



Deixo-vos um Xi. Hoje não houve xendros. Logo voltam.

sábado, agosto 02, 2008

POR MOR DOS ANOS DA MINHA

A raça humana já produziu muitos génios. Também já produziu muitas bestas. Se calhar, o mais certo é que, em número, os primeiros sejam batidos pelos segundos. Daí que a probabilidade de fazermos anos no mesmo dia que um génio é inferior à probabilidade de os festejarmos com uma besta.

Acontece que a minha Patroa nasceu no mesmo dia que um desses génios. Por mor disso, aqui vos fica o ZECA .

(é só escolher e ficar a ouvir)

sexta-feira, julho 25, 2008

A NOSSA FALA - CX - NHONHAS

Domingos Lúcio, mais conhecido por Domingos Lucho, vivia sozinho lá para os lados da quinta do ramalhão. O tugúrio que habitava era compartilhado por ratos quantos bastassem, um cachorro com as convenientes pulgas e, no Verão, algumas carraças, que Domingos lhe tirava, quando delas dava conta, no meio de um praguejo que até fazia sangrar a resina do pinho que tinha quase em frente da porta.

Domingos governava-se com pouco. Criava na horta a maioria da alimentação e o que lhe faltava era adquirido na aldeia com parcimónia que a vida não estava - e agora ainda menos - para desmandos.

Não valia a pena contratá-lo para tarefas de campo que fossem exigentes. Apenas se podia contar com ele para a apanha da azeitona grossa -bical, cordovil e real - para conserva e para as vindimas, podas e enxertias. Tudo o mais que fosse trabalho de campo- ceifa, mondas, sachas, sementeiras, malhas, e até na construção serviço de serventia,.. - isso não valia a pena. Não pagava um copo a quem quer que fosse nem tão pouco bebia se lhe pagassem.

Dos poucos que se podem gabar de ter bebido uns copitos com ele devo ter sido eu. À sombra do pinho lá apareceram o garrafão, um tanoco de pão e uma malga com umas azeitonas divinais.

Colhia vinho para todo o ano e só quando via que a vinha já não se estragava é que vendia a quem ele muito bem entendia uns garrafões do seu néctar. Posso dizer-vos que era vinho de eleição. Os belos rufetes e arintos davam uma têmpera e um paladar típico do melhor vinho de aldeia.

Era famoso na enxertia, mas passava o dia a queixar-se das costas e se o cobridor - sabeis vós o que é um cobridor? - que normalmente era quem o contratava, não o fosse acelerando ele era o que se podia chamar um verdadeiro NHONHAS. Era artista no queixume. A ideia, está bem de ver, era fazer render o serviço. A enxertia é trabalho leve, mais de habilidade, jeito e sorte, e convinha a Domingos ir-se fazendo de nhonhas porque assim sempre enchia o fato - e se ele comia, meu deus! - e sempre facturava mais uma jorna. A verdade é que eram poucos os enxertos que lhe falhavam e rivalizava com Zé Lopes. Dizia que tinha aprendido com o velho CUCHARRA mas nunca lhe chegou aos calcanhares. Como o Cucharra ainda está para nascer quem... vai lá vai...

Vamos agora, à moda de Camilo, interromper a narrativa para nos determos numas meditações profundas sobre a flexisegurança, a mobilidade ...

O velho Comandante - aposto que já o tínheis esquecido -, o velho comandante, dizia que « um homem tanto é canho como direito - ou seja, se quem vem trabalha à direita eu abro o corte e ala, vou sempre na frente para ele ver que o facto de eu ser canho não me impede de competir com ele, seja em que serviço for. E era. O velho comandante que era canho era igualmente desenvolto à direita. Assim também eu: onde acabo começo e não há diferença no rego, gaiva, ou corte. Um artista é o que eu sou. Andai para cá.

O que eu queria saber é se o nosso Socratezinho, agora Robin dos Bosques que quer tirar aos ricos para dar ao pobres - pobre diabo - se não fosse político se safava como engenheiro. Aí é que eu gostava de ver se a mobilidade e a flexisegurança pegavam... Não tardava nada estava nos supranumerários e ia para a mobilidade à força. Era limpinho! Quem é NHONHAS é sempre NHONHAS. Tal qual Domingos Lucho. O Socratezinho é de LUXO! É um NHONHAS de Luxo. Olá se é. Ides ver como ele vai dar a volta por cima à rapaziada. E sempre vos digo que se ele limpa isto com maioria então é que tendes vós que vos deixar de nhonhas, que ele é artista, junto com o Frei tuck do Mário Lino e o JOE Pequeno do Teixeira dos Santos, mais aquela figurinha nemátoda do Pinho, ELE(S) É (SÃO) ARTISTA(S) PARA VOS FAZEREM A FOLHA. Não vos ponhais a pau que, tal como Domingos Lucho ele vai saber arrecadar e vós a pagar sem nhonhas.

sexta-feira, julho 11, 2008

A NOSSA FALA - CIX - PÔR A PITA FORA

Quando de põe a pensar, o povo, habitualmente, raciocina simples, mas encerrando profundidade e, não menos verdade, verdade. Os ditados e adágios populares são disso claros exemplos. Quanto se põe a falar, o povo, habitualmente, é espontâneo, prático e económico, em termos lexicais, fonéticos, sintácticos e semânticos. Claro que convém introduzir aqui a condicionante da matriz cultural e geográfica onde a fala se fala, o que faz com que as falas sejam simples e entendidas sobretudo para quem partilha dos mesmos códigos semânticos. Eis este humilde blogue e essa modesta rubrica "a nossa fala" a atestá-lo.

Quer a estrutura do raciocínio quer a do linguajar popular se hão-de poder arrumar, desconfio, segundo uma matriz de categorias. Os quadros teóricos da lógica filosófica, da psicologia cognitiva e da linguística, entre outras disciplinas, haviam de ajudar a compreender a estrutura das operações lógicas mentais e discursivas que informam o raciocínio de uma pessoa cujo universo só reconhece as leis newtonianas, e nem todas, mas sobretudo, privilegia o lado prático e pragmático das coisas. Deixemos esse trabalho para outros trabalhos e fiquemo-nos pelo trabalho de campo, porque, como bem se percebe, simplicidade de raciocínio e de discurso não parece ser o forte deste linguarejar. Reconhece-se que há muito a aprender com o Ti Ambrósio e com a Ti Perpétua, como a seguir se verá.

Ti Ambrósio Patanisca e Ti Perpétua Pardala formavam um casal peculiar, um par ímpar. Físicamente, ele era alto e seco e metia os pés para dentro, ela baixa e rechonchuda e caminhava com os pés a marcar as 10 e 10. No temperamento, ele era discreto e ponderado, senhor de pensamentos lineares mas cautelosos, ela era palradora e espontânea, adepta do juízo fácil que, bastas vezes, resultavam em boato. Ti Ambrósio caía para o lado do cepticismo e da dúvida metódica, achava desnecessário tirar o chapéu quando tocava a avé-marias, bem como não via utilidade em contar a sua vida nos buracos do confessionário. Ti Perpétua tinha uma quase doentia veia religiosa, na qual misturava indistintamente a fé na Santa Igreja Apostólica Católica Romana com a fé na crendice popular mesmo na mais primária. Ti Ambrósio deu-se conta deste traço da personalidade da mulher logo na noite do casamento. Como ela se recusava a apagar a luz, ele deduziu, logicamente, que lhe estava a dar um sinal claro sobre a sua vontade em continuar com as brincadeiras que dois jovens recém casados é suposto terem na cama. Viria a descobrir, desconsolado, que afinal, ela só não se atrevia a tomar a iniciativa de apagar a luz porque, acreditava piamente, aquele que o fizesse, morreria primeiro.

Ti Ambrósio apreciava o final das tardes de Verão no jardim do Batoco onde a vida da aldeia transitava em julgado mas, por vezes, se abordavam também temas mais profundos e complexos. Naquela tarde, enquanto à mesma hora se continuavam as celebrações do solstício do Verão em Stonehenge, o Batoco discutia o derivado popular do confronto paradigmático do geocentrismo versus heliocentrismo.

Partidário do primeiro, Ti Mnel Talha Burricos agarrava-se inabalavelmente ao argumento empírico:
- Essa agora! Atão o sol no s’alevanta do lado da Espanha e no vai andando, andando, andando, até se deitar do lado do Fundão?
- E à hora da comida está sempre ali em cima de Aldeia de João Pires, no falha – junta-se Ti Fcisco Furdas.
O Senhor António, que ganhara o direito a tratamento deferente por via da sua condição social de descendente de família mais abastada e por ter dedicado mais tempo à caneta do que à enxada, não perdeu a oportunidade de afirmação que a ocasião e o tema lhe proporcionava. Pedagogicamente, tratou de abrir a mente dos companheiros de vara para as certezas científicas da astronomia e da física, conjugando com a denúncia dos falsos juízos induzidos pelo recurso apenas aos sentidos, rematando:
- O facto de se ver o sol a andar no céu ao longo do dia, não quer dizer que ele anda à volta da terra. Isso era o que os antigos pensavam porque era essa a sua percepção, era isso que eles viam.
Ti Ambrósio ouvira com atenção. E, sem nunca ter lido ou sequer ouvido falar de Wittgenstein, surpreendeu o improvisado professor:
- Ó Senhor Antonho, atão se os antigos diziam que o sol é que andava à volta da terra porque era isso que eles viam, atão o que é que nós vemos agora, se afinal é a terra que anda à volta do sol?

À mesma hora, no batorel da casa da Ti Perpétua, a que se juntara uma dúzia de vizinhas da rua da Lagariça, o tema era mais terreno, partilhando todas o esforço de consolar a dor da Ti Amélia Refa, que tinha enterrado o homem trêsantontem. Cada uma à sua maneira, emprestavam à prostrada viúva a sua solidariedade incondicional. Ti Perpétua, na sua vez, exibiu a sua faceta mais positiva quando colocou a sua mão sobre a da outra e lhe disse, com voz chorosa:
- Deixa lá Amélia, isto é só desgraças. Olha, a ti morreu-te o homem, a mim, foi-me a pita a pôr fora.

sábado, junho 28, 2008

A NOSSA FALA - CVIII - CHARRONCO/A

O nosso já muitas vezes referenciado coiote pete era um especialista na "catalogação" das figuras de aldeia, sobretudo das VIP, para a época, que mais não eram que os comerciantes e outras personagens que, por atitudes circunstanciais, as mais incríveis e, às vezes, irrepetíveis ficavam com o estigma da alcunha para todo o sempre. A ele se devem muitas das mais famosas e que já aqui foram ecoadas. Dispenso-me de as identificar.
Ainda assim, porque o homem não é só o que quer, é também o que pode e nunca se solucionará se querer é poder ou se poder é querer, vejo-me constrangido a deixar-vos aqui alguma história. Também não é por acaso que um livro, bem pobre em termos de discurso, é best seller mundial. Claro que não cito o título para não contribuir para mais uma eventual venda.
Marketing é também isto, e também não é por acaso que a televisão que piores programas transmite é a mais vista. Mais vale cair em graça do que ser engraçado.
Um dia, ali no largo do Batoco, ainda por lá estavam dois bancos de pedra onde eu ferrei umas boas sestas, debaixo daquele frondoso plátano que, com as suas raízes, rebentou com tudo à volta, canalização incluída, bem, num certo dia, melhor, numa noite cálida de Verão por ali estavam, já a Rosa tinha fechado há muito, uma cambada de se lhe tirar o chapéu: Coiote Pete, Toco Jabão, Abraço de Basuca, Nosso Sargento,Teixeirinha, Cabeças, e eu, está bem de ver - não sei se me passou algum -.
No seu SIMCA 1100 em segunda a fundo passa acelerado, num cagaçal medonho CHINCHAS REFILÂO que acumulou logo o de CHARRONCO por causa do estrilho que fazia. Era verdade: onde ele estava, mais ninguém falava. Sozinho era uma rua a falar. Tinha a mania que só ele é que sabia e, vai daí, Coiote não perdou: CHARRONCO. E atira: Vamos baptizar aqui os comerciantes... E foi: João Robalo Elvas- O CAGÃO, Domingos Cunha - O AVARENTO , António Robalo Elvas - O PANASCA- Chico Vaz (Miguel) O BASÓFIAS, António Centúrio - manteve O FATELA, Zé do Café -PANELEIRO, Joaquim Faustino, O ESCRAVO, Zé Júlio, O TROCA-TINTAS, Zé Rolo, O FARELOS. E, tal como diz o padrão implantado a meio do adro, tirando de Camões:" se mais mundos houvera, lá chegara.
Já agora: paroquiava a aldeia o inefável padre Zé Pedro, que convivia com seu pai o velho Jerónimo e a mãe, D. Júlia, cozinheira de excepção, o irmão Tonho Maluco, e mais tarde o Dr Augusto e seus sobrinhos. Uma confraria, a bem dizer.
O Presidente da Junta era o sr. Domingos Campos e o regedor, esse guardião da ordem, que era Chico Sarapião. Servia na casa de Domingos de Campos a filha mais velha de Manuel Freitas, hoje mulher de Manquinho que, aos Domingos à tarde, lhe mandava uns olhos de derreter, a partir do batoco, quando ela assomava à janela das traseiras. Um dia destes trago-vos aqui alguns namoros famosos...
Bem, mas volvamos ao adro, ao padrão, ao Manuel Freitas e ao padre Zé Pedro. Homem de muita vida, movia-se relativamente bem em quadrantes não muito acessíveis e consegue trazer à aldeia, para inaugurar o dito padrão, o Secretário de Estado do Interior (hoje administração interna).
Nunca Penamacor tinha visto um membro do governo e a inveja até queimava.
Não foi por acaso que Zé Labouxa quis trazer o castelo para a aldeia porque "a vila sem o castelo era uma merda" e a nossa aldeia com o castelo até "arrebentava com Castelo Branco ".
A inauguração do padrão deu-se aí pelo meio dia e meia hora. Cedo, muito cedo, Manuel Freitas, que também, tal como a filha, a bem dizer, só trabalhava para o sr. Domingos Campos, amassava serradura, que o Rui marceneiro tinha juntado para o efeito, com água e anilinas de diferentes cores, para fazer um tapete que fosse da curva, em frente à antiga tasca do Fatela, depois, do Licas, por onde o supradito secretário de estado do ministro Gonçalves Rapazote, passaria até ao também já citado padrão.
Os carros reluzentes chegaram, canalha da escola com bandeira nacional, tal como agora nos carros e varandas por causa da bola, a canalha, dizia, convocada para o efeito, Tonho Bondito no tambor a marcar o passo e os professores, à ordem de Zé Tanganho, cada um com seu rebanho, quais maestros marcavam o compasso do hino nacional. Toda a gente o sabia de cor e salteado. Olarilolela!
A marcha, de cada um dos lados da estrada iniciou-se na chamada estrada nova - vulgo, estrada das Águas, e veio até ao adro com o secretário de estado no meio todo babado e mais os respectivos acompanhantes e os senhores da civilidade lá de aldeia com o padre Zé Pedro como coriféu.
Manuel Freitas tinha já concluído a sua tarefa e, qual galo em capoeira, guardava a sua galinha, não permitindo que alguém pisasse o tapete de serradura que ele tinha estendido no chão e que ia regando com um regador, por mor de não secar e as cores ficarem sempre vivas. Lá chegou toda a comitiva, dizem-se palavras de circunstância e, ala que se faz tarde!
Digo eu para Manuel Freitas.«Ó ti Mnel, que lhe pareceu isto?» e ele:" O gajo é mesmo um CHARRONCO, chegou e disse, tirou o chapéu e foi-se". e continuou: "peneirento de merda! nem bom dia, nem bo tarde! nada, CHARRONCO DUM F.D.P."
Este vernáculo linguístico de Mnauel Freitas acompanhá-lo-ia até ao resto dos seus dias, que terminaram ainda não há muito e, pior ainda, ou melhor se quiserdes, quando se juntava com o seu companheiro dilecto Zé Luís Barata. Até as pedras coravam com a verborreia e língua afiada destes comparsas.
Foi nessa noite dos baptizos com que Coiote Pete galardoou todos os comerciantes de aldeia que Toco Jabão se alterou porque lhe chamaram também de CHARRONCO: contou que na tropa, tinha feito activar, à hora exacta, um detonador à distância, sem telecomando, por meio de uma lata com feijão grande de molho que, ao inchar, estabeleceu o contacto entre os fios fazendo explodir a bomba. Logo Coiote: "arregaça a calça! és mesmo CHARRONCO!". Toco Jabão não gostou da mangação e as coisas iam-se estragando. Não fora eu e abraço de basuca e, naquela noite, Coiote tinha levado uns apalpões nas ventas.
Aqui vos deixei mais umas historietas da mais bela aldeia do mundo, só comparável à dos indomáveis gauleses no norte da Gália que sempre resistiu aos Romanos.
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sexta-feira, maio 09, 2008

A NOSSA FALA - CVII - ESCADABULHAR

Quando iniciei a participação neste espaço, pensei não chegar aos cem vocábulos. Por cautela, fui guardando sempre um para uma emergência. Ainda não é hoje que o esgoto. Os tempos têm sido muito atarefados e a disputa pela posse da net, arreda-me sempre para lugar traseiro e, pronto, foi-se sempre adiando o que há já muito devia ter sido publicado.
Trago-vos hoje a ti Esp'rança do ti Chquim Área, moradora ali, paredes meias com Chico Sarapião, ou Aranhiço, ou Regedor, ou oitenta mil e quinhentos, ou artigo vinte. Uma caterva de nomes tinha este guarda fiscal reformado, que foi quem, pela primeira vez, viu, em sua própria casa, televisão. Eu era assim a modos que um menino bonito, bem educado, ajudante de missa, que não dizia palavrões nem praguejava, obediente e trabalhador sem resmungar, bem, estais a ver: um bom rapaz; por isso, Sarapião concedia-me o privilégio de, sentadinho no canapé, ver o Rim-tim-tim e a Lassie, o Laredo, a Flecha Quebrada, o filme da Mabor, o Santo, e os bonecos animados, enquanto os da minha idade, no largo do Zé Rolo, em frente da casa do clube que ficava por cima da barbearia do Chquim Vicente, mais tarde, do Domingos Molhano e do Zé Maroco, os outros, vos dizia, esperavam ansiosos que Chico Grande, Secretário zeloso - ou não fora ele também Guarda Fiscal reformado- secretário, do Clube Fernão Lopes, de boa memória, o clube e o escrivão mor do reino, cronista ímpar da nossa história, ... bem, todos esperavam a ordem de subir as escadas do clube para, caladinhos, verem o Zé Colmeia e o Catatau. Eu era bafejado: tinha a televisão só para mim, D. Manuela, Chico Sarapião e, às vezes, a nossa Ti Esperança, que depressa desandava que tinha sempre muito que fazer.
Ti Esperança era uma mulher com comportamentos desviantes; não fazia mal a uma mosca, mas, doença do foro neuropsiquiátrico condicionava o seu modo de reagir. Sempre sozinha, em solilóquio permanente, entrava e saía de casas com a porta aberta, não mexia em nada, via, e continuava. Fazia todas as lides domésticas desde o tratamento da roupa à feitura da comida e até tratava esmeradamente da horta, tendo o cuidado de alinhar com baracinho, à moda dos cantoneiros, as leiras para os diferentes produtos hortícolas. Escadabulhava tudo e nunca usava quaisquer tipos de pesticidas , antes, logo pela manhã, esquadrinhava por debaixo das novidades a ver se por lá havia algum bicho malino que lhe desse cabo da hortaliça. Lagarta, escaravelho, pulgão e demais ácaros, tudo vindimava e era um consolo olhar para aquelas terras.
Quando ia às mercas, fosse ao João ou ao Tó Robalo, à Conceição do Trem, ou a outra qualquer loja, antes de se decidir, mais que uma vez, escadabulhava e só depois mandava embrulhar se fosse o caso, ou metia no bolso se o volume o permitisse.
Era assim que quando comprava uma caixa de fósforos - que ela chamava de palitos - perguntava invariavelmente quantos palitos tinha. Mirava e remirava a caixa a ver se havia risco na lixa e, por mor das dúvidas, despejava o conteúdo em cima do balcão e conferia a contagem. Agia com sentido de justiça como as crianças: se faltasse um queria-o, se sobrasse, que não era dela e não o levava.
Era assim a ti Esperança do Chquim Área: muitos dos nossos ministros haviam de a ter conhecido. Talvez assim não andassem todos os dias a escadabulhar mais uma forma de entalarem os mais pequenos e favorecerem os grandes.
Haja esperança!
Deixo-vos com um XXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIII
Não volto a demorar tanto tempo a trazer-vos outros xendros.

sábado, abril 05, 2008

A NOSSA FALA CVI - RANCOLHO

Parece que anda tudo rancolho.
O mundo, ou melhor, a economia mundial anda rancolha desde que o Jorge, sobrinho do Tio Sam, se atirou a bombardear o património histórico da Mesopotâmia, só para fazer disparar o preço do barril de crude e nos desequilibrar o orçamento caseiro; o país anda rancolho até na oposição; o tempo anda bera e faz com que as batatas do cedo fiquem rancolhas e não medrem, que as barrocas não corram e não se possa ceifar uma saladinha maruja.

Para ajugar à festa, o Karraio e o Changoto andam rancolhos de ideias (eles defendem-se com a falta de tempo, os gajos…). Rais parta tanta rancolhisse.

Isto, só para lembrar que o Baságueda faz hoje 3 anitos.

quinta-feira, março 06, 2008

A NOSSA FALA - CV - BÔ(T)CHA / 0

Ao princípio homem e animal não tinham estabelecido relações muito cordiais.
A ideia da domesticação e, mais tarde, a sua consecução surgiu quando o homem e alguns animais do topo na hierarquia dos predadores - o lobo, por exemplo - se encontravam a disputar uma mesma presa. Repare-se que tanto o lobo como o homem conviviam em sociedades hierárquicas com tarefas definidas e ordens comportamentais sempre obedecidas, sob pena de castigos pesados. Veja-se o lobo alfa e o chefe da tribo...
O que valeu ao homem foi a sua inteligência superior que, ao mesmo tempo que lhe permitia resolver problemas novos e adaptar-se mais rapidamente a novas situações, lhe proporcionou a ideia de aproveitar as capacidades do lobo em seu próprio proveito... Sem nunca ter estudado psicologia animal o macaco já cada vez menos peludo de quem nós descendemos, depressa aprendeu que a cativação do animal só se poderia fazer através da simpatia e do afecto. Breve, o decisivo era comprar a capacidade do outro e pô-la ao seu serviço: decidiu alimentar o lobo dando-lhe carne sempre que com ele se encontrava ganhando assim a sua confiança. Aos poucos, o lobo deixou de ver naquela figura algo de ameaçador e passou a ver um amigo. Lentamente o homem foi criando os filhos dos lobos, foi-lhes dando guarida, alimento e carícias. O lobo passou a cão e, logo, a companheiro do homem nas tarefas de caça. Ainda hoje assim é.
Não é raro ouvirmos caçadores a dizer que antes queriam perder uma pipa de massa do que um cachorro e sabemos da utilidade dos cães na descoberta de sobreviventes a catástrofes e no acompanhamento de cegos e de pessoas solitárias, ou na guarda do gado junto de pastores, e por aí fora. Há também aqueles outros que mantêm as suas primitivas características de agressividade e que chegam a matar nas suas investidas. Aí a culpa não pode ser imputada ao cão mas ao seu dono que não tomou as devidas precauções para evitar acontecimentos de que todos temos notícia.
Toco Jabão tinha um cão - o Toniche- e uma cachorrinha - a Loc - de quem gostava mais que da família, podia dizer-se sem receio de errar. Caçador como era, odiava gatos. Passou essa sua aversão aos felinos aos dois bôtchos. Loc era, a bem falar, uma amostra de cachorro. Não sei se pesaria dois quilos e a sua agilidade a saltar para o colo de toco jabão era impressionante: bastava ver ou cheirar um gato e, de imediato, dava sinal com um latir especial. Toco entendia a mensagem, logo descobria o gato, chamava Toniche, poisava Loc na bifurcação da árvore, se fosse o caso, a cachorra subia, o gato era acossado, Toco ajudava à pedrada, o gato via-se na emergência de saltar e aí arrancava Toniche que lhe agarrava pela espinha e vindimava o gato num instante, regressando para as festas. Como se vê nada de comportamento exemplar. Havia de ser hoje...
Sem dúvida o cão mais famoso que percorreu as ruas de aldeia foi o NERO: resultado de cruzamento de uma cadela Serra de Estrela com outro qualquer cão, ele era a paz em pessoa, digo, em cão. Qualquer garoto lhe fazia festas e até alguns iam às cavalitas do Nero que parecia entender e andava mais devagarinho. Está bem de ver que nada faltava ao Nero. Sendo ele pertença da casa mais rica, ao tempo, a casa Campos, não era necessário preocuparem-se com a alimentação do cão porque nós, os garotos, lhe arranjávamos a comida que ele precisasse. De Verão, era vê-lo espojado à sombra da casa do Pirolas onde a ti Esperança tinha uma espécie de goteira que humedecia o solo. Era aí que o Nero dormia as sestas. Vida de cão, era o que era: comer e dormir...
Foi este cão durante anos guarda do rebanho da casa Campos ali para os lados das portela, batcharel, frade e minas mas a idade tudo traz de mau e o cão para além de custar a alimentar ao Chquim da Senhora, já não via o que devia e então veio para a aldeia.
Contava o filho do Chquim da senhora que o via engolir sem quase mastigar quando a comida não exigisse moagem dentária. Espantado dizia para o pai:«Ó senhor, meu pai, porra, o Nero nem mastiga, parece que só engole!» e o Chquim:« tu num vês, mê tonto que o cão só mastiga até que olhe para o olho do cu... ele só escarcha os ossos porque arrepara no tamanho do osso e na roda do olho cego e pensa assim: se engulo o osso de uma vez, apoi, ao sair, num me cabe no bureco e pior é se lá chega de travesso. É só por isso que o Nero quase num mastiga. Se pudesse engolia tudo inteiro com aquela bocarra.»
Para que conste: aqui fica a razão de os cães terem que mastigar um pouco os ossos.
Já estava com saudades vossas. Não sejais como o Nero: bebei a comida e mastigai a bebida. Tudo devagarinho que o estômago não tem dentes e o intestino não é nenhuma malhadeira.
AH! E, DE CAMINHO, NÃO SEDE VELHACOS PARA COM OS ANIMAIS. JÁ BASTA QUE OS CRIEIS EM CAPOEIRAS E COELHEIRAS E FURDAS E BARDOS E ESTREBARIAS E CAVALIÇAS E... PARA DEPOIS OS COMERDES. a PÁSCOA VEM JÁ PERTO E ALGUNS GALOS E OUTROS TANTOS COELHOS, BORREGOS E CABRITOS TÊM O DIA DE JURAMENTO DE BANDEIRA MARCADO. BOM PROVEITO!
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