Não são raros os casos em que a permuta, elisão, ou mesmo acrescento de letras ou sílabas, ocorram na linguagem do nosso povo. O exemplo que ora vos aporto é disso demonstrativo: em vez de padiola aparece a paviola. Em desuso, como as angarelas, por ex. , era de utilidade suprema em terrenos de socalco, mais a mais super povoados, com vinha por baixo, oliveiras por cima e, sazonalmente, batatas de sequeiro, e até alfobres ou erva para o gado. Servia para transportar muitas coisas, desde pedras para muros e paredes, lenha para o lume, até esterco para sítios onde nada mais tinha acesso.
Os seus dois braços dianteiros e traseiros com aquele patamar no meio possibilitavam uma distribuição equilibrada da carga e arrumação fácil.
Outros exemplos podem ser vistos em PEDIVES por pevides, CARAPINTEIRO por carpinteiro, CRAVÃO e CRAVOEIRO por carvão e carvoeiro, pomates por tomates,... . Ao fim e ao cabo as alterações fonéticas de pouco interessavam ao povo que por não saber francês não deixou de emigrar.
Não vai asssim tão longe o tempo em que galinhas, burros e porcos conviviam com pessoas, senão dentro de casa, logo ao lado, em furdas ou furdões, currais, apriscos, redis, pocilgas ou palheiros ou pardieiros. O Chico Miguel, a Tonha Costa, o velho Valente, o Rela, o Júlio Casqueiro, O Pirolas do Zé Nicas, o Fatela, a Manta Rota, e tantos outros, todos tinham os porcos, paredes meias com a casa e as galinhas tinham o poleiro por baixo das escadas que davam acesso pelo exterior ao primeiro andar das casas. Alguns desses poleiros serviam para outras funções quando a porta e o escadéu que lhes dava acesso o permitiam. Há quem diga que a Rancheira se serviu de muitos. Outros tempos, outras modas, outras vidas e outras histórias.
Tal como a PAVIOLA, foram desaparecendo. Agora só há andores, mas esses são para santos e santas.
Os irmãos Manetas eram três - Chquim, Manel e Zéi -, tão depressa andavam bem, como, num Domingo qualquer, se zangavam e, por isso, ficaram conhecidos como os Guerrilhas. Eram todos sapateiros. Faziam mangação, cada um do trabalho dos outros e sapato, bota ou sandália feita por Zéi e que passasse pelas mãos de Chquim: "mal empregado material nas mãos deste cerdo" e o mesmo se passava com os outros.
Chquim tinha a oficina por detrás da fábrica dos Leitões, quase em frente do cruzeiro do Cavacal e a pipa do vinho estava ali mesmo à mão, que, na casa onde morava, não havia espaço e Fatinha não queria lá ver pipos nem borracheiras sem vergonha a toda a hora, para além da burrinha que comia refastelada na manjedoura e, de Inverno, servia de ar condicionado, que o estrume que ia fazendo sempre libertava algum calor.
A mulher ficava por cima e lá ia ocupando o tempo com tarefas mais domésticas.
Um dia vinha eu a passar com o inefável carrinho quadrado das bilhas do gás quando :" Ó catano, eras mesmo tu que me fazias falta! Ajuda-me ali a levar esta paviola até ao chão do Branco por mor de à tarde lá semear o alfobre da couve que já é tempo". Arrumei o carrinho e lá vou com Chquim e a paviola do esterco por uma vereda mesmo à tangente. "Bem hajas tu, cachopo... A minha já num podia com este peso e eu ao caldeiro nunca mais fazia o serviço, bem hajas! Mas agora vamos ali a boer um copinho do meu." Fomos. Ajoelhou-se em frente da pipa rodou a torneira, aparou o tinto, deu-me o copo e continuou de joelhos com o dedo a tapar o orifício da torneira. «Alevante-se...Para que está aí de joelhos» - "Cala-te, dianho, tu num vês que a bicharada rala?" Fiquei meio taranta, bebi o copo, ele o dele, depois outro, Queres Mai? que não, disse eu, rodou a torneira sempre para a frente por mor do calo e lá se levantou. Ia eu a perguntar e a resposta já saía:" tu num vês que a torneira chia e aquele fardo - era a ti Celeste - dá conta; quando vou pró caldo ao meio dia logo me assobia à orelhas que já lá fui tantas vezes... Assim só ouve uma e o bicho já num rala»
Mais uma, digo eu. Há que aproveitar e meter na paviola ou padiola. Ficai-vos com a que quiserdes, na certeza que qualquer delas já pouco funciona...
Eu servi-me dela, a maior parte das vezes para transportar calhau ou estrume. Não me importava de a voltar a usar para arredar para bem longe muito do que por aí anda- e alguns a comandar-nos. Havia de ser bonito se os agarrasse na minha PAVIOLA ...
XXXXXXXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII. Logo volto.
3 comentários:
Mais um texto fantástico, fazendo-me recordar muitas das palavras que já havia esquecido. Li-o de ponta e ponta e confesso-me admirador incondicional deste belo trabalho. Parabéns. Obrigado.
Sublime :)
Amigo changoto, da-lhes forte e depois leva-los comigo pra reciclagem...
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