sexta-feira, julho 11, 2008

A NOSSA FALA - CIX - PÔR A PITA FORA

Quando de põe a pensar, o povo, habitualmente, raciocina simples, mas encerrando profundidade e, não menos verdade, verdade. Os ditados e adágios populares são disso claros exemplos. Quanto se põe a falar, o povo, habitualmente, é espontâneo, prático e económico, em termos lexicais, fonéticos, sintácticos e semânticos. Claro que convém introduzir aqui a condicionante da matriz cultural e geográfica onde a fala se fala, o que faz com que as falas sejam simples e entendidas sobretudo para quem partilha dos mesmos códigos semânticos. Eis este humilde blogue e essa modesta rubrica "a nossa fala" a atestá-lo.

Quer a estrutura do raciocínio quer a do linguajar popular se hão-de poder arrumar, desconfio, segundo uma matriz de categorias. Os quadros teóricos da lógica filosófica, da psicologia cognitiva e da linguística, entre outras disciplinas, haviam de ajudar a compreender a estrutura das operações lógicas mentais e discursivas que informam o raciocínio de uma pessoa cujo universo só reconhece as leis newtonianas, e nem todas, mas sobretudo, privilegia o lado prático e pragmático das coisas. Deixemos esse trabalho para outros trabalhos e fiquemo-nos pelo trabalho de campo, porque, como bem se percebe, simplicidade de raciocínio e de discurso não parece ser o forte deste linguarejar. Reconhece-se que há muito a aprender com o Ti Ambrósio e com a Ti Perpétua, como a seguir se verá.

Ti Ambrósio Patanisca e Ti Perpétua Pardala formavam um casal peculiar, um par ímpar. Físicamente, ele era alto e seco e metia os pés para dentro, ela baixa e rechonchuda e caminhava com os pés a marcar as 10 e 10. No temperamento, ele era discreto e ponderado, senhor de pensamentos lineares mas cautelosos, ela era palradora e espontânea, adepta do juízo fácil que, bastas vezes, resultavam em boato. Ti Ambrósio caía para o lado do cepticismo e da dúvida metódica, achava desnecessário tirar o chapéu quando tocava a avé-marias, bem como não via utilidade em contar a sua vida nos buracos do confessionário. Ti Perpétua tinha uma quase doentia veia religiosa, na qual misturava indistintamente a fé na Santa Igreja Apostólica Católica Romana com a fé na crendice popular mesmo na mais primária. Ti Ambrósio deu-se conta deste traço da personalidade da mulher logo na noite do casamento. Como ela se recusava a apagar a luz, ele deduziu, logicamente, que lhe estava a dar um sinal claro sobre a sua vontade em continuar com as brincadeiras que dois jovens recém casados é suposto terem na cama. Viria a descobrir, desconsolado, que afinal, ela só não se atrevia a tomar a iniciativa de apagar a luz porque, acreditava piamente, aquele que o fizesse, morreria primeiro.

Ti Ambrósio apreciava o final das tardes de Verão no jardim do Batoco onde a vida da aldeia transitava em julgado mas, por vezes, se abordavam também temas mais profundos e complexos. Naquela tarde, enquanto à mesma hora se continuavam as celebrações do solstício do Verão em Stonehenge, o Batoco discutia o derivado popular do confronto paradigmático do geocentrismo versus heliocentrismo.

Partidário do primeiro, Ti Mnel Talha Burricos agarrava-se inabalavelmente ao argumento empírico:
- Essa agora! Atão o sol no s’alevanta do lado da Espanha e no vai andando, andando, andando, até se deitar do lado do Fundão?
- E à hora da comida está sempre ali em cima de Aldeia de João Pires, no falha – junta-se Ti Fcisco Furdas.
O Senhor António, que ganhara o direito a tratamento deferente por via da sua condição social de descendente de família mais abastada e por ter dedicado mais tempo à caneta do que à enxada, não perdeu a oportunidade de afirmação que a ocasião e o tema lhe proporcionava. Pedagogicamente, tratou de abrir a mente dos companheiros de vara para as certezas científicas da astronomia e da física, conjugando com a denúncia dos falsos juízos induzidos pelo recurso apenas aos sentidos, rematando:
- O facto de se ver o sol a andar no céu ao longo do dia, não quer dizer que ele anda à volta da terra. Isso era o que os antigos pensavam porque era essa a sua percepção, era isso que eles viam.
Ti Ambrósio ouvira com atenção. E, sem nunca ter lido ou sequer ouvido falar de Wittgenstein, surpreendeu o improvisado professor:
- Ó Senhor Antonho, atão se os antigos diziam que o sol é que andava à volta da terra porque era isso que eles viam, atão o que é que nós vemos agora, se afinal é a terra que anda à volta do sol?

À mesma hora, no batorel da casa da Ti Perpétua, a que se juntara uma dúzia de vizinhas da rua da Lagariça, o tema era mais terreno, partilhando todas o esforço de consolar a dor da Ti Amélia Refa, que tinha enterrado o homem trêsantontem. Cada uma à sua maneira, emprestavam à prostrada viúva a sua solidariedade incondicional. Ti Perpétua, na sua vez, exibiu a sua faceta mais positiva quando colocou a sua mão sobre a da outra e lhe disse, com voz chorosa:
- Deixa lá Amélia, isto é só desgraças. Olha, a ti morreu-te o homem, a mim, foi-me a pita a pôr fora.

9 comentários:

Anónimo disse...

A mim, cagou-se-me as cuecas com um peidinho.

João L Oliveira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João L Oliveira disse...

Psicologa essa Ti Perp�tua , se n�o ofendeu a amiga pelo menos solidarizou-se com ela !

Anónimo disse...

Qua Karraio e Changoto me perdoem, mas vou aproveitar para felicitar o nosso amigo Pratitamem, pese embora o facto de ele andar arredado deste local e há muito tempo não nos presentear com os seus originalíssimos comentários. Entendo que terá preocupações bem mais prementes neste momento, mas espero que regresse em breve. Felicidades Pratitamem, na mudança de estado!

Anónimo disse...

casou?

Anónimo disse...

sim.

Anónimo disse...

Casamento é mudar a nossa vida, tipo, isso, mudar a nossa vida! Ter a modestia de deixar que Deus nos mostre a colecção de deusas ao nosso dispor! EnquANTO! NÃO VIRES DEUSAS, VÉS ^ CHAPEUS DE CHUVA!QUANDO VIRES UMA DEUSA, ABRIGA-A E PEDE-LHE CASAMENTO!

Anónimo disse...

Na verdade sinto aqui um aperto! quem é que são os totos,´´ destes comentários?

Pratitamem disse...

Sim o último comentário é meu... e o que segue o querido Lapaxeiro, ou é do pr+prio ou do amigo Karraio...