Quando iniciei a participação neste espaço, pensei não chegar aos cem vocábulos. Por cautela, fui guardando sempre um para uma emergência. Ainda não é hoje que o esgoto. Os tempos têm sido muito atarefados e a disputa pela posse da net, arreda-me sempre para lugar traseiro e, pronto, foi-se sempre adiando o que há já muito devia ter sido publicado.
Trago-vos hoje a ti Esp'rança do ti Chquim Área, moradora ali, paredes meias com Chico Sarapião, ou Aranhiço, ou Regedor, ou oitenta mil e quinhentos, ou artigo vinte. Uma caterva de nomes tinha este guarda fiscal reformado, que foi quem, pela primeira vez, viu, em sua própria casa, televisão. Eu era assim a modos que um menino bonito, bem educado, ajudante de missa, que não dizia palavrões nem praguejava, obediente e trabalhador sem resmungar, bem, estais a ver: um bom rapaz; por isso, Sarapião concedia-me o privilégio de, sentadinho no canapé, ver o Rim-tim-tim e a Lassie, o Laredo, a Flecha Quebrada, o filme da Mabor, o Santo, e os bonecos animados, enquanto os da minha idade, no largo do Zé Rolo, em frente da casa do clube que ficava por cima da barbearia do Chquim Vicente, mais tarde, do Domingos Molhano e do Zé Maroco, os outros, vos dizia, esperavam ansiosos que Chico Grande, Secretário zeloso - ou não fora ele também Guarda Fiscal reformado- secretário, do Clube Fernão Lopes, de boa memória, o clube e o escrivão mor do reino, cronista ímpar da nossa história, ... bem, todos esperavam a ordem de subir as escadas do clube para, caladinhos, verem o Zé Colmeia e o Catatau. Eu era bafejado: tinha a televisão só para mim, D. Manuela, Chico Sarapião e, às vezes, a nossa Ti Esperança, que depressa desandava que tinha sempre muito que fazer.
Ti Esperança era uma mulher com comportamentos desviantes; não fazia mal a uma mosca, mas, doença do foro neuropsiquiátrico condicionava o seu modo de reagir. Sempre sozinha, em solilóquio permanente, entrava e saía de casas com a porta aberta, não mexia em nada, via, e continuava. Fazia todas as lides domésticas desde o tratamento da roupa à feitura da comida e até tratava esmeradamente da horta, tendo o cuidado de alinhar com baracinho, à moda dos cantoneiros, as leiras para os diferentes produtos hortícolas. Escadabulhava tudo e nunca usava quaisquer tipos de pesticidas , antes, logo pela manhã, esquadrinhava por debaixo das novidades a ver se por lá havia algum bicho malino que lhe desse cabo da hortaliça. Lagarta, escaravelho, pulgão e demais ácaros, tudo vindimava e era um consolo olhar para aquelas terras.
Quando ia às mercas, fosse ao João ou ao Tó Robalo, à Conceição do Trem, ou a outra qualquer loja, antes de se decidir, mais que uma vez, escadabulhava e só depois mandava embrulhar se fosse o caso, ou metia no bolso se o volume o permitisse.
Era assim que quando comprava uma caixa de fósforos - que ela chamava de palitos - perguntava invariavelmente quantos palitos tinha. Mirava e remirava a caixa a ver se havia risco na lixa e, por mor das dúvidas, despejava o conteúdo em cima do balcão e conferia a contagem. Agia com sentido de justiça como as crianças: se faltasse um queria-o, se sobrasse, que não era dela e não o levava.
Era assim a ti Esperança do Chquim Área: muitos dos nossos ministros haviam de a ter conhecido. Talvez assim não andassem todos os dias a escadabulhar mais uma forma de entalarem os mais pequenos e favorecerem os grandes.
Haja esperança!
Deixo-vos com um XXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIII
Não volto a demorar tanto tempo a trazer-vos outros xendros.
3 comentários:
depois de tanto tempo sem trazer noticias de xendros de outrora , subitamente estes parecem vir de tempos mais remotos ainda ... é como se tivessemos perdido um pouco o elo que o Basagueda nos ligava a eles ...não concordam ? Portanto Sr Changoto cumpra a promessa da ultima linha ....
isto anda mesmo "rancolho" , mas que�raio se passa aqui cadamonho !?
Conheci recentemente o vosso blogue e tenho passado algum tempo a "escadabulhá-lo" facto que me diverte muito ao mesmo tempo que me faz sentir uma espécie de nostalgia, pois sendo natural da Benquerença, ainda sou do tempo em que essas "faladuras" eram de uso corrente.
Sim senhor(a), um blogue comedado.
A. Leitão
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