sexta-feira, outubro 09, 2009

A NOSSA FALADURA - CXLII - FOGUEIRO

São muitas as teses acerca da linguagem e da linguística, bem como das funções da linguagem e mais ainda da sua utilização e finalidade. Não cabe, obviamente, no contexto deste encantador passatempo, o exercício de deambulações retóricas comparando, ou mesmo contrapondo teses a propósito desta variedade de leituras das funções da linguagem.
A verdade é que nem sempre aquilo que dizemos é entendido como gostaríamos que tivesse sido e não podemos levar a mal que o OUTRO, sempre O GRANDE OUTRO, não nos entenda com a clareza que nós pensamos ter-nos expresso. Esta presunção da clareza quase cartesiana de que partimos ao dizer que "É EVIDENTE" é, de si, uma petição de princípio, já que jamais posso pressupor que algo que eu diga seja, prima facie, evidente. A evidência é algo que o outro decide e não o que eu pressuponho. Defender que há indubitabilidades iniciais é querermos reduzir os outros a nós e impedi-los de pensar. Ora isso é o que aqui não vai acontecer. O que mais se aprecia é quem nos lê, pense por si e , se entender, disso nos dê eco, mesmo que, e ainda bem, não concorde connosco.
Sirva de exemplo a palavra que hoje aqui trazemos. O normal - o evidente - parece ser que tem a ver com fogo e até mais rigorosamente tem a ver com uma profissão - a daquele homem que alimentava a caldeira do comboio a vapor como se vê ainda nalguns filmes ou nos que ainda hoje, já não a carvão, mas, na maioria dos casos a nafta, ou outro combustível mantêm altos fornos sempre na temperatura ideal.
Nada de mais distante: no vocabulário xêndrico o fogueiro é o FUEIRO. Isso mesmo: aquele varapau, em regra de eucalipto, mimosa ou carvalho que ladeava, encalhado em buracos quadrados nas laterais dos carros de bois e que tanto serviam para amparar molho de erva ou palha, como até os taipais provisórios a fim de a mercadoria não ser apanhada pelas rodas e mesmo cair (estrume, por ex.). Quando se tratava de grandes transportes, como com os moios do cereal, aí ,os fogueiros mudavam de nome e chamavam-se estadulhos.
Montar sessenta molhos de semente em cima do estrado dum carro de vacas, era tarefa que nem todos eram capazes de levar a cabo. Se a carga caísse naqueles córregos dos caminhos velhos era certo e sabido que dava direito a choradela de entrudo e a vergonhas contínuas nas tardes maledicentes dos domingos, depois de missa enquanto se jogava o fito. Isso era limpinho.
Os Tiagos moravam num arrendamento ali para os lados do Frade a dar cômoro com as taliscas. Trabalhavam como moiros e as terras andavam sempre rodadas, semeando e alternando as colheitas para a terra não se cansar. A fona era de sol a sol e desde cedo, como aliás era costume,os garotos começavam a aprender, a bem ou a mal, o que custava a vida... O mais velho dos Tiagos estava a dar os molhos do pão ao pai com uma forca, quando, de repente, sente umas dores agudas, começa a vomitar e aos berros: " Ca raio tens, que bicho te mordeu, rais ta parta, olha agora". O velho Tiago desce do cimo do carro ainda a praguejar, mas quando viu o filho naquele estertor viu que o caso não era mangação e arrancou à pressa na burrica para a vila a ver do dr. Landeiro. O cachopo berrava que nem um capado mas lá chegou, o dr. landeiro viu logo o que passava e ala : internado imediatamente para ser operado à apêndice... Bons tempos aqueles em que se operava em Penamacor no velho hospital de st António...
Já se sabe que o asseio do homem campesino não era famoso e o tarro de suor e até de fezes agarrava-se tanto ao corpo como às ceroulas... Como a operação era mesmo premente lá foi o Tiago para a barrela. Vestem-lhe uma espécie de bata e vai para a sala a arrastar-se. Está bem de ver que a operação é inimiga de pêlos púbicos e que a enfermeira de serviço tinha que proceder à raspagem dos ditos. Ora para evitar cortes desnecessários e escusados era preciso arredar o pistolo como lhe chamava o Tiago. Diligente, a enfermeira agarrou no falo do tiago para o manter em posição que permitisse o barbeamento. Só que o tiago nunca tinha tido uma mulher que lhe tivesse mexido no ponteiro e sai-se como esta:" Já o pode deixar que ele não cai". A enfermeira riu-se e o Tiago gabava-se do tamanho que o fogueiro tinha atingido.
Xi Grande

5 comentários:

Zé Morgas disse...

Nem só no vocabulário xêndrico, o fogueiro é fueiro.
Dezenas de vezes ouvi muitos Gravatinhas usar esse termo, e com outros significados:
-Levas uma valente fueirada (changotada) nos costados.
E mais...
E se ao pobre Tiago, noutras circunstâncias, a enfermeira tivesse "agasalhado" o ponteiro, como bem poderia o Tiago ter exclamado:
- Dei-lhe cá uma fueirada...

António Serrano disse...

Mais um texto de belo recorte literário, a falar-me de coisas que mexem comigo. Da melhor maneira. Também entre os "Cucos" o termo fogueiro era (é?) o que se utilizava. O Zé Morgas está terrível e não deixa escapar uma oportunidade...

João L Oliveira disse...

Meu pai taxista durante muitos anos, contava-me-me episódios hilariantes de ir ás lágrimas com pessoal idoso que ia a consultas ao hospital a Castelo Branco , tudo começava com a aventura da viagem porque alguns voltavam para trás para ir dar da comer ao vivo !!!

Anónimo disse...

Eu até diria que os autores do Baságueda, Karraio e Tchangoto, são uma vocação perdida na área do humor sério.
Bem poderiam os Gato Fedorento vir aqui buscar inspiração, tanto para os seus programas como para os anúncios.
Se por ex. naquele anuúncio do meo, quando o astronauta Zé Diogo pede à cachopa: "segura aí na minha bandeira enquanto eu gravo ...", ficaria bem melhor dizer: "segura-me aqui no fugueiro enquanto eu gravo..."
Enfim, no se perdem por aqui, depois no sabem.

chanesco

pratitamem disse...

Mai nada! O fogueiro é palavra chapada, certa vez há uns anos, ali prós lados da b