quinta-feira, abril 27, 2006

A NOSSA FALA - LIV - DESACORÇOADO

Já uma vez vos falei do fenómeno linguístico que consiste na lei do menor esforço. Aqui está mais uma prova. Correctamente, a palavra deveria ser descoroçoado - que significa, nem mais nem menos com o coração despedaçado/desfeito /desalentado /sem forças - mas isto daria muito trabalho de dobragem de língua ao zé povinho que prefere, naturalmente, o desacorçoado. Para o povo, em regra, o que serve já é bom, e desde que se faça entender, não precisa mais. Ao contrário de muita gente da nossa praça que se farta de falar e não diz nada de jeito. Só desejo, que no caso vertente, a nódoa não caia no melhor pano... Adiante que se faz tarde.
Tudo começa manhã cedinho: aí obra de umas cinco da manhã. PASSA CULPAS, vai aos gravatos à meda da lenha, apicha um palito a uma pinha, faz uma escaramuça por cima da ala com os gravatos, põe mais alguns, ajeita o pau grosso que tinha ficado da noite anterior, acrescenta uns tocos e umas cepas, desce as cadeias da chaminé, pendura a panela de ferro, já com água de nascente que apanhara na mina, bota para dentro uma gamela de feijão frade que a LIBRA previamente lavara e deixara de molho, verifica a ala, arreda uns paus mai grossinhos, diz à mulher que já volta e sai a caminho do PUTA MALUCA que morava pra lá do ABADE, que lhe dava passagem"por aquilo que é meu", salta o muro do caminho das portelas que vem das oliveiras de melão, arrima à eira, engata na vereda que dá à casa do Puta Maluca e endireita para o palheiro, onde vira uma réstea de luz que rebrilhava da torcida da candeia de azeite que a PATA GALHANA regulava com um alfinete, com que segurava a saia de fora, "por mor de poupér, que o azeite custa a ganhar". Isto porque o velho registo de aumento ou redução da torcida já tinha os dentes do carreto remoídos e não puxavam o trapo. Chaminé já tinha desaparecido e sempre recomendava ao PUTA MALUCA: «põe a candeia em sítio firme e longe da palha e dos cornos da bezerra, tu vê lá !nom nos desgraces» . O PUTA MALUCA fazia que não ouvia.
Bom... O PASSA CULPAS chega-se à porta do palheiro, e, para não assustar, nem o PUTA MALUCA nem a bezerra, que por ser nova, ainda não se acomodara à nova pensão, espreita pela fisga entreaberta e - que vê ele? - o PUTA MALUCA em cima do balde do desaguo, a pôr-se na bezerra. Assim mesmo! A bezerra estava saída e o PUTA MALUCA que já não se lembrava de ir à PATA GALHANA, desacorçoadinho de todo, vem-lhe assim uma vontade e ....bumba! toca de saltar à bezerra...
PASSA CULPAS, fica apardalado, esfrega os olhos, confirma o facto, finge que tosse, mas o PUTA MALUCA, no frenesim do acto não o ouve... PASSA CULPAS entra e vê a cara de prazer do PUTA MALUCA: "Karraio estás a fazer"?...e o PUTA MALUCA: "Dá-lhe lá um beijo na boca que eu num chego lá".
Acto cumprido, Puta MALUCA sentiu o pecado e sai-se: « a puta estava mesmo desacorçoadinha de todo; assim já sei que a posso levar ao Alberto daqui nada» e o Passa Culpas: «Tu é que é que estavas desacorçoado». " E tu num te estavas a pôr na chibeta amarela, ali ao pé do barroco do Rainho, quando a tua se foi à missa? Pensas que num vi? Atirou o PUTA.
Houve silêncio, que o caso não era para menos , mas logo se sai o PUTA: "num me vieste a ver a saltar à bezerra! Vamos ali a malhar um tinto e já me contas... chega-me aí essa paveia, tira-lhe o nagalho e bota aqui na manjedoura!
Lá foram os dois, a torneira da pipa chiou, o copo deborcou-se PASSA CULPAS pede a grade emprestada ao PUTA MALUCA e dirige-se à mulher: "EH cachopa! arranja-me aí cem mil réis que tenho que ir a chegar a bezerra ao boi do Alberto antes que lhe passe o cio". Lá se foi ela à bureca onde guardava o dinheiro dentro duma lata por causa dos ratos, tira os cem mil réis e recomenda:"tu vê lá se o boi enterra bem a bezerra, pega-lhe na sovela com a mão e encatrafia-a assim comédado e diz ao Alberto que, se não pegar, o boi, à próxima, lhe dá o salto sem pagarmos, vê lá!" PUTA MALUCA rosnou e partiu caminho de aldeia.
Alberto, ao tempo, moía a azeitona no lagar da Lameira e quando o Sol começou a clarear lá aparece o PUTA MALUCA, chega-se à orelha do Alberto: " Traz lá o boi que a minha bezerra está desacorçoada de todo. Já a experimentei lá em casa, no palheiro, e nem se mexeu". Alberto, invariavelmente bêbedo:" agora o boi está no acarro, tens que esperar" e vira-se para o TONHO MOTA: «Ó Tonho aqui o Puta Maluca ensaia as bezerras antes de as trazer ao boi. Se a mulher o vê a cavalo na bezerra é capaz de lhe perguntar: "Ah! queres uns cornos, queres,? trocas-me por uma vaca? vê lá se te troco por um burro!" E riram-se. PUTA MALUCA vai pela vara com aguilhão e queria ferroar o Alberto : «Está quieto senão não te cubro a bezerra! «É a tua sorte» diz o Puta.
Acabado o acarro, bezerra presa na parede ali ao pé do Posto de transformação, Alberto traz o Galante, e quando lhe cheira a bezerra saída tira a língua para fora, quase aventa com Alberto e nem houve preliminares. Foi tiro e queda.
PUTA MALUCA assomou-se, viu que estava bem encavado e foi um ar que lhe deu.
«Eu num te disse que ela estava desacorçoadinha de todo? Eu bem sabia.»
Os cem escudos mudaram de mão e Alberto, para fazer as pazes, lá vai com o PUTA MALUCA a beber o alboroque àquilo do Cavalheiro. Só podia ser assim.

15 comentários:

Anónimo disse...

Nasci na Beira, na Alta, mas foi onde assim se fala que cresci. Aldeia do Bispo, pois bem. Dez longos anos - porque a saudade os torna maiores.

É saudável verificar a imutável sensação das palavras. Daquelas que ouvia diariamente e que, após longos anos, se mantêm na minha memória como cravo de Abril.

Tomei a liberdade de os acrescentar ao meu humilde e pueril portal. Espero que não seja inconveniente. Mai nada...

Anónimo disse...

Às vezes, também eu ando dasacorçoadinho de todo. Mas não me vou a pôr nas vacas, caralho...

CanisLupusSignatus disse...

bela esta dupla poética... suas histórias fazem com que a nossa mente viaje por veredas que jamais ousaria doutro modo!

estórias que ilustram o saber, a juventude e a experiência, a alegria e a tristeza, a vivência e o calor das emoções outrora sentidas e que permanecem em suas memórias...

bendito o dia em que ousaram divulga-las!
Agora essas experiências também fazem parte da memória dos mais jovens que podem olhar para a Nossa Aldeia com outros olhos de conhecimento!

um bem haja,

aaaaaaaaauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu

Anónimo disse...

Mais um de tantos, todos tão bons, que a vontade de ser honesto, se confunde, com a "sabujice" da gargalhada, mistura entre o riso pessoal e a saudade de rir. Eu acredito, são os melhores momentos, quando se solta aquela gargalhada. Mas isso é outro tipo de Humor. Este não dá pra rir-. Sorrir tipo meia boca aberta tudo bem.

Anónimo disse...

Já agora, aproveito. O lobo táse bem! Aproveita o mais que puderes. Um Abraço.

Anónimo disse...

Sim tá perto, eu é que sei. Digo eu. Em qualquer dos casos é informação de borla á minha pála. sim eu é que sei. Tô lá agora preocupado com a inveja? Esse sentimento, ainda existe? Azar, as pessoas ficam com cancro, se tiverem esse sentimento. Ouvi dizer. Sei lá se é verdade? Só sei que mereço, porque fiz por isso. Sou pessoa com P grande dentro do sistema, sou a alma do sistema. Não foi dificil, nada, bastou respeitar o meu pai. Isso não se compra na farmácia. Isso nasce com a gente uns tem outros não. Chama-se Narcisismo. QB. Muito QB. è nesse QB que mora a estória.

Anónimo disse...

Eu sei, eu sei. Uma piada sobre a vaidade, cai o Carmo e Trindade. Quem? Ele Pois eu? Até parece que por ser magro, não há aqui também gordura manhosa! Claro que sim. Há muita "manhosi-se"? mais gordura houvesse. Mas não é o meu genero. Há sempre um luís, que diz que não! Diz que não! esse gajo é sempre tão afirm,ativo. Não dá hipotese. Querem comprar eu vendo. Bem nem sequer, me deixou fazer isto!! Imaginem...

Anónimo disse...

Fico sem palavras. Desde que descobri, que as palavras, tambem bailam. Novidade. A minha ignorancia. Não sei se lhe dê razão ou se faça o "home worke" Quando era novo não tinha vertinguens! Agora já não sei, esta porra balança? Anda lá já ninguem te leva a mal. Mas tambem já atinjiste o complexo de peter. Por aquilo que a RTP, mostrou hoje, o melhor de sempre? na minha opinião, complexo de "peter".

Anónimo disse...

Rais parta o(a) pratitamem! Gostava de saber se é casado(a), só para saber se há quem seja capaz de o(a) aturar a tempo inteiro. Não sei, não...

Anónimo disse...

Se fosses ingloula, ainda se podia dar o caso, agora grelos é memo de couve.

Anónimo disse...

Lá está, é isso mesmo. Aturar. Isso não é conversa. A full time, só pra aturar. Ninguem deve aturar ninguem, é um dos meus medos de sempre, ser aturado. Verdadeé que o faço todos os dias, será mau! bem na verdade isto resulta porque nos aturamos uns aos outros é mesmo assim. Agora com horários, permanentemente, the oll fucking hours off your day, Ná. Não gosto de ser aturado assim. Por isso busco sem medo do mar alto e sem pavor ao finisterra. O que mais há são ilhas por descobrir e o capitão ainda cheio de vontade.

Anónimo disse...

Bem, mais uma patacuada. Em todo o caso em dia diferente. Este blog, devia ter o dia marcado, em vez de outro tipo de engenheirias, esta conversa é só pro engenheiro. Tanto esforço pra controlar o que disse antes, tentando não ser, pavão, que lá se foi aquilo que queria dizer, julgo até, que era interessante.

Anónimo disse...

Quem diria! um pratitamem VISIONÁRIO!!!

Por um lad, o relativamente ao e, ngeneiro!

Mas o mais importante... O "capitão" e AS ILHAS POR DESCOBRIR!!!!

BRUTAL...

pratitamem disse...

Erro de casting... não foi um anónimo, foi mesmo o pratitamem!!!!!

pratitamem disse...

Estes dois últimos posts, foram em Abril de 2018!