quinta-feira, julho 21, 2005

A NOSSA FALA - XVI - PLANGANA

Dos que me lêem, poucos terão participado em quintos, muitos nem saberão o que isso é e outros terão ouvido falar.
Então é assim: um rancho de pessoas ajustava com um proprietário o cultivo e trato de um determinado cereal, por exemplo, uma beirada de milho ou a ceifa de uma seara e consequente malha.... O mesmo valia para o olival, vinha, etc. O produto dividia-se em cinco partes, quatro das quais eram para o patrão e uma para os componentes do rancho que ajustara o trato.
Era eu garoto, portanto pau mandado, participei no acompanhamento de alguns quintos: sachava e aterrava milho e ia à água com uma cântara para dar de beber ao pessoal e, no tempo da ceifa, para molhar os colmos para fazer os nagalhos com que se atava a semente. Trabalho sacana porque a cântara não se podia pôr ao ombro por causa do rebordo que feria e, na mão, pesava que parecia chumbo, tanto mais que a fonte não ficava mesmo ali ao lado.
Foi numa destas partes em que, lembro-me bem, meu pai matou cinco cobras e partiu uma foice a matar a terceira que queria mamar os caçapos de uma lura que ele tinha achado. O comentário: "à puta da cobra cheira-lhe a leite e quer papar os caçapos". De vez em quando lá ia a ver o que se passava. Acabou por trazer os caçapos para casa. Foi então numa dessas partes que a ti conceição do penajóia que estava encarregada de fazer o almoço: feijão encarnado, massa manga de capote, com muito toucinho, buchanha, chouriça e outras partes do animal por excelência que é o porco, se dá conta que a panela de ferro só deitava 'escuma'. Eh! cachopo!, carraio puseste tu na água que a panela só bota escuma?? Eu?, nada. Vou à fonte apanho a água e trago-a limpinha. E ela: daqui a nada são horas do almoço e não tenho isto pronto. E eu a pensar: pior estou eu que estou farto de acarrejar água e não há meio de dizer que já chega... E a panela a deitar espuma para fora a apagar o lume e mais água fria para dentro e mais um arreganho na panela e a ti conceição: traz lenha moço, traz lenha. E eu lá ia buscar mais giestas e ramadas de carvalho secas, punha no lume aumentava a ala, mas a puta da escuma sempre a apagar o lume e a fazer mangação de mim e da ti conceição. Traz mais água, dizia ela. Estou trabalhado, dizia eu. De repente a mulher lá se convenceu que o que acontecia não podia ser e diz para mim: olha lá, isto não pode ser. Temos que despejar a panela. Traz-me aí as PLANGANAS e ajudas-me a despejar. E eu: pomos aqui um colmo espalhado, botamos a panela para cima da palha, o entulho fica lá e a água some-se! e ela: rais ta parta garoto: despacha-te atão. E o que era? A velha tinha lavado a panela e esqueceu-se do esfregão do sabão lá dentro. Rais trinta ma partam! vai a mais lenha, corre!
Despejou a cântara para panela, ateou-se o lume e lá se cozeram os feijões e mais o adubo que o caldo exigia a horas de o rancho comer.
Isto era um sábado. Domingo, havia intervalo: os velhotes vestiam o surrobeco, penduravam de uma corrente o relógio de bolso na casa cimeira do botão do colete, travavam a jaqueta num ombro e, depois de missa, havia fito com fartura, tinto a cada trinta e um e consequente arrebenta, bebedeira que bastasse e porrada muitas vezes. Boa mistura... Pior , era quando Três Dôques, especialista no jogo da cavaquinha e a quem baptizaram assim porque num jogo de bisca de nove por três vezes seguidas ficou com três duques na mão ( ele chamava-lhes dôques) e protestou: "três dôques seguidos não pode ser; arreio o jogo! e lá ficou o três dôques. Mas, pior, dizia era quando ele, maroco, zé verniz, ferro velho e às vezes eu que também não era santo, se apanhávamos uma cadela saída, lhe passávamos pela vulva um farrapinho que atávamos na ponta de um pau e disfarçadamente untávamos as calças do surrobeco aos velhos do fito: os cães atiravam-se às pernas dos velhos e era uma risada geral com os velhos a praguejar e a enxotar os cães : garotos dum cabrão, se vos agarro! Mas nunca agarravam.
Num desses domingos apareceu, já a meio da tarde, lá em casa, ALBANO TABORDA CURTIS, o Tarzan e diz: vê lá se o teu pai por aí tem uma lebre e uns coelhos para eu jantar. Lá se lhe arranjaram os coelhos e a lebre e diz o meu pai: então isto é para quantos? e ele: eu e outro. Não pode ser, diz meu pai. Vais lá a ter daqui a uma hora e logo vês.
Fui eu mais o meu pai: os dois comeram a lebre, os dois coelhos, um barranhão de tomates e uma PLANGANA de batatas cozidas. Sozinhos. Acreditem que é verdade.
E o meu pai: "mais vale sustentar um burro a pão de ló do que estes dois a palha".
E repetia: uma lebre, dois coelhos um barranhão de tomates e uma PLANGANA de batatas cozidas; puta que os pariu, aos dois!"

8 comentários:

Anónimo disse...

Venho aqui pedir ao lapaxeiro que me dê uma pista, dado que os meus dotes de investigador não são lá grande coisa.
Aproveito a oportunidade para reafirmar que Karraio e Changoto são, como diz idanhense, deliciosos.

Anónimo disse...

Pra quem ainda cá não anda à muito tempo, mas consegue sentir uma pontinha de familiariedade em cada personagem e cada expressão lá da terra, este local é...sei lá, qualquer coisa de genial.
Uma palavrinha à capacidade de reprodução do "crador"...ouso dizer que nunca vi nada tão autêntico.
De maneras qué assim, stá dito!

Anónimo disse...

Desculpem lá os erros, mas tive que fazer "enter" sem reparar neles...chegou o patrão!
Mea culpa, não é mau português.

Anónimo disse...

Os dois ùltimos com., deste Post. São a Prova, de que Ela existe. Ou então eles, andem ai...!

Anónimo disse...

Nã senhori!
Eles até podem andar aí...o problemas é deles.
A verdade é que eu tou por cá e gosto do que vejo (Leia-se "leio").
Isto não é suposto ser um espaço de exclusividade masculina, pois não?
Pronto...pratitamem!!

Anónimo disse...

Txêndra, Txêndra, Txêndra. Se eu não tivesse sido gago durante toda a minha vidinha da treta!

Anónimo disse...

Elas são a nova vida a nossa razão de existir de sonhar. Pelo menos julgo ainda pra maioria de nós, não é que me importa-se, sem ifen. E mais qualquer coisa. Mas a verdade é que não há nenhum mas, assim, se eu tivesse o poder total sobre o Mundo, só ao nivel da nomeação e nunca da das politicas, na minha opinião seriam só mulheres a mandar no Mundo. Podia existir um orgão espalhado aos mais diversos niveis, com alguns poderes de veto e composto de forma igual pelos dois sexos. mas, com direito de veto em apenas duas ou três questões, as quais seriam aprovadas por unanimidade no tal orgão com direito a veto. Falta uma parte, tudo era feito de forma democrática, "Como foi" pelo menos até ao inicio do "seculo vinte", com excepção do tal conselho, em que ambos os sexos teriam direitos iguais.

Anónimo disse...

O simples facto das mulheres se esganarem para que os homens façam as camas ou lavem a loiça do jantar é, por si só e na minha opinião, uma perfeita estupidez. Ainda cá não ando à muito tempo, mas essa história de igualdade de oportunidades, direitos e todo o blá-blá-blá que se lhe segue constitui uma atitude de submissão, de tentativa de afirmação disfarçada pelo sintomas da modernidade.
Não vamos por aí, caramba!
Cada um vale pelo que é e tem que ser valorizado pelo que sabe fazer bem. Cada macaco em seu galho.
Afinal, se os homens puserem um avental não ficamos com esta história da igualdade resolvida...certo?

Boa, boa.
Esta última foi boa, pratitamen.