domingo, julho 24, 2005

A NOSSA FALA - XVII - TALOUBENA

Zé Melgo (leia-se mêlgo = gémeo) e Tonho feduchas eram serradores. Entendamo-nos: o tempo das marcenarias é curto; ao tempo, traves e meias traves, às vezes até caibros e terças para as chaves das armações dos telhados eram traçadas à mão. A trave (tronco de árvore robusta de carvalho, eucalipto, sobreiro ou castanheiro -na maioria das vezes - era posta em cima de uma burra - espécie de X com travamento para não escanchar- em plano inclinado e um dos serradores subia por ela acima (aqui está o Melgo) e o outro ficava por debaixo (lá estava o feduchas), e a serra , sempre bem afiada como se impunha para o esforço não ser maior, cortava enviezada para reduzir a resistência da madeira.
Quando havia um nó, Melgo avisava o feduchas: «há nó», e o feduchas , língua afiada, que se a mordesse envenenava-se a si mesmo, invariavelmente: «há-de roê-lo». E assim de manhã à noite, ali em frente da casa do pirolas e a dar para o varandim do tó robalo, paredes meias com o olival onde agora está a casa do joão da maneta, melgo e feduchas traçavam o pau. A meio da manhã metiam a bucha aguavam a serra, metiam-lhe lima, se fosse o caso, e ala: melgo para cima e, de joelhos, feduchas em baixo.Um dia a cavalo noutro.
Perto, obra aí duns cinquenta metros acima morava o velho domingos dias santos e feriados que, na lameira, por debaixo das amoreiras, perto da fonte que agora já não é, um pouco abaixo e ao lado do poço novo onde se lavavam as pipas no tempo das vindimas e até alguns enchiam cântaros para regar a couvita do natal se o poço com a rega da batata e da horta mostrava o fundo antes do tempo, jogava o calhau e ia atirando cada vez um chirrichichi mais longe a fim de não espantar os adversários e garantir copito de borla na tasca do cavalheiro. Em tempos, o velho morara nas taliscas e, impreterivelmente às quatro da manhã, fosse verão ou inverno, apichava o lume para cozer mais uma panela de feijão frade que havia de servir para matar o bicho a ele e ao rapazote que com ele trabalhava a terra da raivosa, e todas as manhãs, quando se chegava ao pé do moço, deitado para ali num monte de palha a servir de enxerga - o desgraçado sofria de enurese e duma vez até atou o pirilau com uma guita para assim acordar quando tivesse vontade e vir mijar ao relento , mas foi um cabo dos trabalhos para ele e o velho se amanharem com aquele serviço porque a guita enterrou-se na carne e a luz não ajudava nada, e ainda por cima o garoto, com o aperto, não parava quieto e berrava como um desalmado ... "és mesmo TALOUBENA" - dizia o velho:«O serão dos pobres é das oito às nove ».
O cachopo nem precisava de se calçar porque botas ainda não tivera e , ainda de olhos fechados, mecânicamente, metia as mãos na pia que estava à porta do palheiro - de inverno aquilo era caramelo - e tirava fanôcos de remela e ia sentar-se ao pé do lume num tropesso de cortiça. Não raro escabeceava, e o velho: «vai ordenhar as cabras enquanto o feijão coze e a ver se acordas.» Nada a ver: lá ia e chamava sempre a mourisca que era mansinha e o deixava mamar na teta. Cuspia na mão para limpar o bico e deitado de barriga para o ar mamava na teta. Qual brucelose, qual carapuça! Aquilo era desinfecção pura. O velho é que não desconfiava... Chegava com o caldeirinho, encostava-o ao lume para amornar, via o velho a deitar uns pozinhos de cardo seco e assistia ao coalhar do leite. A luz era a do lume.«Traz a francela, dizia o velho. É preciso dizer-te todas as manhãs a mesma coisa: levantas-te, lavas-te, agarras o caldeiro, ordenhas as cabras, pôes a francela a jeito, buscas o achincho, chegas o sal, pões mais colmo na tábua e só depois é que te sentas. Pareces um Taloubena!
O garoto mal ouvia... O sono era mais forte que os recados.
Lá para as cinco, o velho: "traz a malga". Lá ia ele com a malga e colher de alpaca, já meio gasta de tanto passar pelo barro do barranhão, o velho deitava-lhe duas gadanhas de feijão um fio de azeite e espetava-lhe metade de uma cebola na mão:« despacha-te que o sol já aí vem.» Assim se criou e de lá saiu quase para se casar, mas então já com umas botas lindas, cardadas com brocha espanhola, ensebadas que até alumiavam e quando entrava na igreja aos domingos aquele patear era conhecido. Só que não ficava velha ou nova que não se virasse a ver o cachopo e mais o velho. A missa era em latim, o garoto - já rapazote na altura - mais lhe apetecia tirar as botas por via do aperto, ficava empinado. O velho sentava-se e, ao sermão já mandava uns roncos valentes, que isto de lhe falarem língua que ele não entendia dava-lhe moleza!
De vez em quando tinha que ser acordado...
Zé melgo e tonho feduchas viam-no passar todas as tardes e lá comentavam: "ó zé , ali o velho agora casadinho de novo ainda azorra mais as botas ; a velha dá cabo dele"; e o melgo, que morava em frente:« outro dia ouvi-os; a velha tem que berrar que ele já é mouco e perguntava-lhe 'atão tu tens duas zéi? e o velho" tenho agora duas, damontre! já viste algum home com duas?
e a velha chica:"parece que sinto uma a entrar e outra a sair!" Oh! diabo, respondeu o velho," se calhar dobrou-se". E riam a bandeiras despregadas.
O velho era valente: na adega do pirolas o vi eu com os pés dentro dum meio alqueire a levantar sem ajuda uma saca de milho e a pô-la ao ombro . Outros tempos.
O rapazote, esse, acabou por casar com a minha mãe e não tinha nada de TALOUBENA.

6 comentários:

Anónimo disse...

Dobrou-se?!lol essa é boa.

Anónimo disse...

Taloubena, essa nunca eu ouvi!!! não será por ser taloubena.....

Anónimo disse...

O Comandante, é o comandante, a pesoa, sem o s que nos pesa, mas que, nos dá alento, que nos obriga a comprir, que quaze todos, tivemos, quaze todos sentimos. muita chatinho!

Anónimo disse...

Será que podemos ser Taloubena, toda a vida sem saber? Juro que não conheço a palavra, mas sinto-lhe uma afinidade, que não sei explicar.

Anónimo disse...

Vem este Post a prepósito já "soua" a depósito" da amizade, e da sorte que tenho e na qual envisto ou invisto dependendo do juro. Ontem estive com o meu melhor amigo, não é facil dizer isto com várias dezenas de anos de existência, mas os factos, depois de centenas de discuções e alguns murros bem medidos, pra não ser preciso "Hurgências" dos dois lados, por acaso não eram Brasucas eram de Budapeste!
em qualquer dos casos não é essa a questão! Onde é que eu já ouvi isto? resumindo um OK pra ti, sei que que também lês este blog com olhos de ver e assim sendo como me disseste, fico á espera que rápidamente encontres o Other name pra começares! vai dar banho ao cão.

x disse...

Apenas para escrever que levei surpressa, ao buscar a palvra melgo que é empregada no galego da zona do Zebreiro e do Courel, dei com ela também aqui!!

Parabens pelo blogue.