Até parece que foi há muito tempo... Mas
não foi há tanto assim. A não ser que eu também já tenha muito tempo e isso eu
não quero crer. Afinal ainda não entrei na chamada terceira idade, ainda pago
bilhete inteiro em transportes públicos e não tenho qualquer documento
vitalício e renovo a carta só daqui a seis anos...
A velocidade a que hoje as novidades
acontecem é tal que o que agora é moda, amanhã é já pré-história. Alguns
chamar-lhe-ão sociedade da informação, mas eu acho que mais importante será uma
sociedade bem IN(Formada).
A prova de que tudo é efémero, ou descartável,
se quiserdes, está aqui mesmo no basa. Quantos do que nos lêem seriam
conhecedores deste vernaculismo que deixamos aqui registado? Só que eu usei
todos estes termos e muitos mais que, aos poucos hão-de aflorar à memória e,
claro, aqui projectados.
Para quem conhece a terra xêndrica será
difícil corroborar que contíguas à taberna do ti Chico Miguel, havia duas
furdas onde ele criava os porcos de matança? Que as galinhas depenicavam na rua
e espernicavam restos de algum tanoco de pão que lhes surgisse ao bico? Que
uma vez por outra, um carro batia numa delas e era um consolo ver todas aquelas
penas a esvoaçar pelo ar? Até recos de médio tamanho patrulhavam as ruas à
procura de restos de comida! Olhai que não foi há tanto assim!
Sou ainda do tempo em que os lagares eram
de varas e se usavam ceiras em vez de capachos. Não havia água canalizada e
muitas vezes me levantei às cinco para ir dar água ao lagar...
Lembro-me bem de não haver electricidade e
de haver uns poucos de candeeiros de bronze, poucas vezes acesos para dar luz à
estrada... Um deles estava mesmo no ângulo esquinado da casa onde morei grande
parte da minha vida. Vi-o cortar com uma serra de metal,
O sal, o açúcar, o arroz, a massa, tudo
era vendido a retalho e ao peso dentro de uns cartuchos de um papel pardo... os
pacotes de manteiga guardavam-se em sal para não se derreterem no verão, o
petróleo, o azeite , tudo era vendido à medida e de forma avulsa...
Sou do tempo do centil, do salamim, da quarta, do quartilho, da panela, da deca, do alqueire, da fanega, do moio, do quartão, do almude, do côvado...
Sou do tempo da infusa, do arrátel, do pucheiro, da cântara, da braçada, da arroba, da grosa,
do milheiro...
Sou ainda do tempo do pé, do passo, da
passada, da chanca...
Vendia-se a chita da tabela e roupa de
marca na ourela, camisas
de terylene que era só lavar e secar e ficava pronta para voltar a usar;
vestia-se surrobeco,
pana=bombazina, popelina,
do cotim, tudo enrolado em
peças e cortado com arte pelo merceeiro.
Quem se lembra da brocha espanhola e da carda, para além
dos protectores para proteger a sola dos botins vergados à mão, batida em pedra
seixo redonda chamada a rebola,
depois de bem demolhada em celhas que mais pareciam dornas pequenas ?
Quem conheceu a sola verde, a sola
maranhão, a barriga de sola, o corpon, o calfe, a capicua, a borracha de
ceilão, a sintelite? Quem se lembra da anilina para fazer graxa para os
sapatos?
Quem sabe o que era a semilha, o prego de
pregar à forma? quem distingue o prego de ripa, de fasquia,de meio solho,
de solho, de caibro? Quem, ainda, pregou uma cavilha?
Quanta gente há por aí que já nem sabe o
que sejam umas ceroulas ou uma simples fita de nastro, sequer uma naveta de
tear ou a canela de uma máquina de costura tocada a pedal?
Tanta coisa, tudo há tão pouco tempo e a
parecer tanto...
Pois é, meus caros: assim se passa com os
valores.
Se hoje perguntarmos a um dos nossos
jovens o que mais gostava de ter na vida lá vem um carro potente, uma vivenda
luxuosa, o desejo de conhecer meio mundo e o resto da outra metade em viagem, e
serão poucos os que falam de saúde, paz, amizade, família, trabalho,...Vai lá
vai...
Até parece que vos estou a dar um
bailinho... Nunca foi minha intenção e confesso que quando comecei a escrever
esta crónica não tinha minimamente na cabeça derivar para estes campos.
Mas lá está: a nossa mente não é linear e,
porque é contínua e não contígua, nunca se sabe para onde o pensamento nos pode
conduzir e damos por nós em imprevisíveis situações. Dito assim de repente: a
nossa mente também espernica,
isto é, nunca se sabe onde vai parar a ideia inicial...Tal como não sabemos
para onde vai parar a migalha de pão que a galinha da ti Surreição, que teimava
em continuar a usar pedras como pesos, iria parar quando ela abanava o
pescoço.
Poi é! Também não sabeis quem é a ti
Surreição (Maria da Ressurreição). Mas eu digo-vos: morava na primeira casa da
rua do Outeiro, mesmo antes da barreira e confrontava atrás com o quintal dos
Póvoa, à esquerda com o largo do batoco e á direita com O Chquim
Calça-Defuntos, à frente, está claro, com a via pública. A casa tinha uma loja
onde ela guardava o que colhia da horta e outros produtos para consumo ao longo
do ano: cebolas, alhos,piri-piri, batatas, azeite, azeitonas, a salgadeira,
feijão, grão, queijo, sei lá ...e as pedras. Era mais surda que um calhau
e desconfiada até mais não...
Muitas vezes a atendi na pequena
loja de meus pais e quando queria qualquer coisa a peso teimava que o que valia
era a sua pedra e não o peso aferido pelo aferidor camarário. Além disso levava
sempre uns cambos para servirem de balança pois não confiava nas balanças do
comerciante. O problema não era quando comprava pois as pedras iam sempre
perdendo um bocado, mas quando queria vender. Aí, tinha que por sempre mais
peso do que o real. Era precisa muita arte e paciência para a convencer da sua
ilusão.
Só para imaginardes quão desconfiada era
só vos digo que contava sempre os fósforos de cada caixa quando tinha que
comprar alguma. Tinha mesmo que ter quarenta...
O acesso à casa propriamente dita fazia-se
através de uma escadaria exterior que dava para um pequeno patamar sem qualquer
guarda. No vão das escadas estava um buraco que servia de capoeira às três
galinhas que criva com esmero. De manhã colocava uma escada feita ad hoc em que umas velhas ripas eram
pregadas em dois pequenos varais mais parecidos com empas de feijoeiro. As
galinhas andavam todo o dia na rua, esparnicavam o que encontravam e à tardinha Ti
Surreição chamava-as, tomava-lhes o ovo, subiam as escadinhas, entravam para o
buraco até ao outro dia. Ficavam baratas estas galinhas que em dia de festa lá
provavam uns farelos mexidos com couve galega !
E por hoje chega.
XXXXXXXXXXXIIIIIIIGGGGGGGGGGRRRRRRRRRAAAAAAAAAANNNNNNNNNDDDDEEE
Desenho de Carlos Matos
Desenho de Carlos Matos
3 comentários:
Porque a mente é continua e não contígua é que vale a pena ler quem sabe escrever e quem tem memória, valores e é capaz de ensinar aqueles que julgam saber tudo. Na minha terra dizia-se "fanoco e não tanoco" mas o significante era o mesmo.
Poi é Amigo Vitor! sou mai novo, mas entendo tudo isso, porque como dizem os entendidos e melhor do que eu saberás, o que nos fez "evoluir", dos outros primatas, foi exactamente, esse tempo de aprendizagem! que pelos vistos cada vez é menos, na sua medida certa! logo se verá onde vai dar, mas o prognostico não é muito favorável. Ó despois essa minha realidade ter nascido em lugar diferente e aqui sentir como lá esse desaparecer, mormente lá ser lugar experimental, um bairro da EDP heterogéneo e a prazo, que já morreu há muito e aqui onde sinto o cheiro do meu passado e futuro, também já, como hoje quando percorria a rua do outeiro, sentia esse desvanecer, qual sentença temporal... Terrível!
No que diz respeito a galinhas "poedeiras", tenho parca experiência, mas, tento, sempre que venho aqui à Aldeia, levar uns ovinhos aqui dos puros lá pra Lisboa. Os ovos de lá, ouvi dizer, ou são criados por galinhas chocas ou atão, por galinhas artistas, "avezadas" a grandes chocadeiras aquando o dono choca os ovos todos ao mesmo tempo, com aquelas galinhas, não me lembro o nome?! Mas que chocavam tudo...
Como diz o artista! XXIIIII CORAÇÃO!!!
Para um Mundo Melhor, Aconselho Que Sintam o Coração! Depois que se olhem no espelho, todos os dias da vossa vida! digo nos Olhos! Depois se ainda assim não resultar, se continuarem a ter dúvidas, sobre quem sois! podeis sempre fazer um resumo de Alma!
Conheço o único sitio do mundo que reúne os requisitos...
PS: Aconselho para inicio de cura, os Posts de Junho de 2005...
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