sexta-feira, dezembro 30, 2016

A NOSSA FALADURA - CCXLVIII - GALISTO

Se estamos em tempo de festejo pelo Natal e, consequentemente, pelo nascimento do menino, e depois o ano novo, também não é menos verdade que esta é, por excelência, a época das matanças. E não se pense que é só a do porco. Morrem galos, capões, coelhos, cabritos e cabras, cordeiros e borregos, leitões, vitelos e por aí fora. O macaco pelado ou nu como lhe chamou Desmond Morris é mesmo um predador desnaturado.
Embora cada vez mais haja menos daquelas matanças tradicionais, ainda tenho oportunidade de cumprir o velho cerimonial em matanças de porcos de bons amigos que, além disso, ainda fazem os tradicionais enchidos e curam o belo presunto para ser depois enxertado em maio depois de bem barrado com colorau por via da mosca e pendurado na trave mestra dentro de um saco de linho bem lavadinho até secar o bastante para se lhe poder enterrar a faca e dar fatia...Ainda se vai provando material de primeira, mas pouca vez.
Vítimas garantidas desta chachina epocal são as reses galistas. Expliquemo-nos; dá-se o nome de galisto a um animal de qualquer espécie que nasce com uma anomalia congénita, impossível de corrigir. Como se sabe, um erro inicial no desdobramento das células germinais é sempre irreversível. A genética segue sempre o seu caminho até ao nascimento e mantém essas características por bastante tempo, às vezes, como se pode ver na trissomia do cromossoma 21, ou apenas durante um curto período que desemboca fatalmente numa morte prematura, sempre precedida de algum sofrimento por parte do animal que dela sofra. É o que se passa com o gado galisto: o animal nasce sem uma das vias de excreção e faz todas as necessidades por uma única via, normalmente o ânus e, às vezes o umbigo. Quando tal acontece, o criador já sabe que o animal vai morrer e, então, o melhor que pode fazer é aliviar o animal do sofrimento e conseguir algum rendimento, abatendo-o para consumo próprio, ou vendendo-o bastante mais barato. Cheguei várias vezes a comprar dois leitões pelo preço de um. Não advém qualquer perigo para o consumidor e um leitãozito assado no forno a lenha, nesta altura do campeonato, até que embarca na ponta da unha.
Não eram muitos os criadores de porcas parideiras nas terras xêndricas e, não raro, apareciam por lá vendedores que forneciam o bacorinho para a furda e posterior matança um ano depois, mais coisa, menos coisa. Claro que estamos a falar de épocas que já lá vão em que não se falava de língua azul ou peste suína e não eram necessárias guias especiais para transporte, venda e abate de gado das mais diversas espécies. O maior criador era o Dr Leitão, ilustríssimo filho da aldeia xêndrica, oftalmologista de renome. Bem... não era o dr. Amândio Leitão que tratava da criação mas o seu feitor, Domingos Menas, primeiro, e depois o ti Augusto que veio de Unhais para dirigir a casa. Já na vizinha aldeia dos cucos o sargento Jaimeca, primeiro, e depois uma exploração de dimensão razoável garantiam bacoragem que chegasse para a área de circunscrição. Eram muitos mais os criadores de gado caprino e ovino. Lembro-me bem da musicalidade do som emitido pelas cabradas que se distinguiam pelo diferente som que picadeiros, reboleiros, chocalhos e campainhas produziam. Sabia-se a quem pertencia o rebanho que se ouvia por causa dessa tonalidade sonora.
Se se quisesse um galisto não era preciso dar muita volta e de um dia para o outro havia bicho para se meter na panela de ferro e proporcionar uma rambóia das valentes, já com vinho novo a escorrer das pichorras e acompanhado por alguma morcela ou chouriça, surripiada à sucapa do varal do fumeiro que abanava ao calor de lume controlado para não ficar a saber a fumo, mas também não proporcionasse secura bastante que não evitasse o abolorecimento das diferentes peças. Bons tempos esses em que havia rapaziada com fartura e não era difícil arranjar comparsas para uma petiscada daquelas assim comédado. 
O madeiro ardente foi muitas vezes o local seleccionado para uns convívios que ficaram registados. Ao fim havia sempre o grito de guerra: porrada no madeiro que inda está inteiro e Natal ,Natal, filhós com vinho não fazem mal, filhós no caldeirão e vinho no garrafão.
Assim seja.
Aproveito para vos desejar umas boas festas e se for a apreciar um galisto, melhor.
XIIIGGRRRRRASNNNNNNNNNNDDDDDDDDDEEEEEEE.

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