Hoje deu-me para aqui. Quero a vossa cabeça a aquecer. A ver se não charrinca quando for preciso pensar na vida a sério. E já faltou mais! Há que preparar. Senão depois, enferrujados como estamos charrincamos por todo o lado e não damos carreira direita. A ver se gostais desta prosa:
Vivemos num tempo em que quase
não há tempo para ter tempo. Apesar das velocidades que a tecnologia nos
possibilita a verdade é que passamos grande parte da nossa vida a protestar que
não temos tempo.
Por isso vivemos num tempo sem
tempo. A característica mor deste tempo é a efemeridade. Tudo é efémero e
descartável: pessoas, situações, objectos, … Já nada é como era e a própria
memória, essa nobre faculdade humana, está hoje tão empobrecida e esquecida que
já não é estimulada.
Trocamos a memorização e a
recordação pelo registo em artefactos.
O futuro será de Alzheimer a não
ser que se arrepie caminho e voltemos a accionar a nossa faculdade de evocar e
reconhecer.
Até parece – perdoe-se a delação
- que o novo acordo ortográfico também
alinha por este diapasão: tiram tanta letra que desconfiguram o português e a
nossa língua deixa de ser novilatina para ser novimulticultural. Perde a sua
identidade e a sua vernaculidade. Penso que isto é também consequência deste
tempo sem tempo: quantos menos letras escrevermos, mais depressa escrevemos e
assim ganhamos o tempo que não temos e nos falta. Triste solução.
Por isso, aparecer neste tempo quem
recuse o fast thinking, com a
mesma veemência que eu recuso o fast
food, alguém que parou para pensar, que não se afligiu em parecer fora
de tempo, em ser desalinhado face à grande maioria, que come em pé e não
saboreia calmamente a refeição, é tão estranho que até destoa.
É mesmo necessário parar para pensar!
Exercitar aquela que é a dimensão mais elevada do ser humano: a sua capacidade
de criar, de romper com o estabelecido, de desobedecer ao status quo, de subverter o dogma, de propor ousadias e de
nos convidar a nós próprios também a exercitar o nosso pensamento.
O tempo hoje nem é local nem
global: é glocal, e o facto
de as coisas que não sabemos serem muitas mais do que as que sabemos, não nos
deve preocupar sobremaneira. Afinal estamos, hoje por hoje, sempre mais perto
do erro, da falibilidade, do que da segurança e da estabilidade. Já nada está
certo a não ser a insegurança, ela mesma. Mais que nunca o velho efésio tinha
razão: panta rei. Tudo flui,
tudo passa naquela fugacidade do instante eterno. Estamos
muito num agora e pouco num aqui.
A indefinição do espaço e a ausência de
fronteira obriga-nos a um nova concepção do limite. Afinal vivemos no limite
sem contornos, no ilimitado.
É assim que se entende que cada
vez que dou uma volta e volto ao ponto de origem, já não volto como saí. O não-eu fichteano desnorteia o eu e a inconsciência sobrepõe-se ao
consciente, nesta efemeridade permanente, em que o que é, é o que não é.
O que é, é apenas o que é nosso: a subjectividade de cada momento é que
revitaliza a objectividade do que acontece.
Estamos longe das coordenadas
cartesianas em que tudo tinha um quadrante e o ponto era entendível nesse
espaço; «Já nada sói como soía», pregava,
faz tempo, o nosso zarolho.
A educação, ela própria, esse
motor que impulsiona o progresso, vive o dilema de ficar para trás a empurrar
para a frente. Esta nova realidade surge tão relampejante que ofusca o simples
observador e, imperioso é que tenhamos a necessária competência para releituras
desta realidade que nos ultrapassa e à educação.
O passo é maior que a perna.
Já nada é paradigmático, único,
fechado, sistémico. Temos que aprender a aprender e limparmos as nossas
leituras, pejadas de viciações, que já não se enquadram nas padronizações em
que enraizamos o nosso saber.
O mundo, hoje por hoje, é da
mobilidade, da alterabilidade, do movediço, do polémico. Não mais uma razão arquitectónica , alicerçada em
fundamentos tidos como inabaláveis.
Os dogmas são rebatidos e já nada
é sagrado, tudo é, a cada momento, profanado.
É aqui que entra, impante, a
necessidade de uma ética mínima.
Na nova educação não pode haver
pretensões ao “no meu tempo é que
era”.
Os valores mais tradicionais
entraram também em decadência e é indispensável uma nova escatologia axiológica.
Estamos numa nova dimensão da
ética: não já a fixa deontologia do chinês de Konigsberg, menos ainda o
oportunismo utilitarista de Mill, que não dava carreira direita no que à
felicidade dizia respeito, mas numa ética de outra dimensão, virada para os
tempos hodiernos, com fulcro no homem e no seu tempo, numa idiossincrasia com o
ambiente e percorrendo todos os campos da sua actividade, acentuando o enfoque
numa educação ética, que proponha uma educação para os valores e para a
cidadania, pois só esta, enfim, possibilitará a almejada felicidade ao homem,
perante as mudanças produzidas pela sociedade actual.
Tempos outros foram aqueles que
proporcionaram as éticas do equilíbrio, da ponderação, da temperança, da aurea mediocritas… Os de hoje têm
inimigos muitos, desde o egoísmo, muitas vezes camuflado num altruísmo
reversível, em que o gene egoísta nunca desaparece, ao
relativismo cultural que, hipocritamente, diz que cada cultura deve ser
respeitada nos seus valores, mas quer sempre impor os seus, renegando-se a si
próprio e aos outros, caindo num individualismo que pode levar a uma total
perversão do que deve ser a compostura humana e humanitária.
Vamos então situar o homem
perante uma charneira onde nada está fechado e tudo está em aberto.
A contemporaneidade é acidental
relativamente ao tempo, mas é essencial para a assumpção da condição humana no
tempo.
A necessidade educativa e/ou ética parte das exigências de compromisso
do sujeito responsável e activo em estar presente no presente, que, no fundo, é
um tempo caracterizado pelas ideias e crises, pela globalização, pela
informatização, pela ruptura e avanços das tecnologias nas diferentes áreas do
saber.
Num tempo em que o homem tem
dificuldade em segurar o presente a dimensão ética adquire foros de necessidade
premente, não com pressupostos valorativos impostos, mas antes, como propostas
que sejam vivenciais e atractivas, visando a obtenção da felicidade que se
busca.
A epistemologia desvia-se para a
ética e os cientistas quase emergem como novos deuses e o saber arrisca-se a
arrastar-se para uma crise axiológica que mais não é do que uma crise
antropológica.
A questão agrava-se se confirmarmos
que vivemos numa sociedade de informação, quando a questão mais premente é se
essa informação é boa e, mais ainda se os cidadãos estão e são bem informados.
É que, tanta informação torna-se em
desinformação e o que se transmite pode resvalar para os não valores e o homem acaba por desaparecer no meio da massa, no
interior do sistema.
É por isso que mais ressalta e
emerge a importância do papel da escola para que o homem não desapareça.
Entramos numa nova era que abriu
os campos do desespero como diz Toffler e não há alternativa senão que
“ é obrigatório falar de uma ética mínima, entendendo por ética o
espaço de procura e articulação de formas válidas de convivências, e, por
mínima, o conjunto de valores comuns a todos os homens e culturas.”
Volvamos ao começo para que o
norte não nos fuja! Neste tempo de mudanças contínuas, não cabe já falar de uma
profissão mas de profissões e a ética das profissões acarreta a
responsabilidade de arcar com a missão de ser o pontífice entre a tradição do
constante com a alterabilidade do contemporâneo, satisfazendo as cada vez mais
sucessivas especialidades formativas que a sociedade exige.
Basta ver que, paradoxalmente, a
sociedade da comunicação convida a que se trabalhe em casa, que cada um “case”
com a sua máquina, que produza no isolamento.
Singular paradoxo!
Morin tem vindo a recuperar para
a ribalta as ciências humanas e sociais e, mais radicalmente ainda, Bourdieu
assinala o decisivo papel do homem, já que é dele que tudo parte e a ele tudo
retorna – o inultrapassável mito do eterno retorno, - mas agora numa dialéctica fermentada num campus de forças, que acrescenta sempre
novidades, como Husserl exigia na alteração da posição radical.
Talvez não seja asneira
colocarmo-nos off-side e metermos
muito do que temos crido até agora entre
parêntesis, para que lixiviados de crenças que reputamos de bem
fundamentadas, não nos confrontemos com a simples constatação de Gettier:
afinal o relógio do tempo que sempre bateu as horas certas e me servia de fuso
para as minhas tarefas, naquele dia, avariou e eu cheguei tarde ao trabalho…
Cartesius queria a ordem, mas, ao
que parece, mais vale a entropia. A boa ordem, não é a ordem do racionalismo,
mas a do humanismo e esta nunca é igual e, mais importante que seguir um método
que não se renova, melhor será uma aparente ausência de metodismo, jogando numa
abertura a novidades que permitam transformar o método em plano e assim admitir,
e até aconselhar, alterações ao momento, enfrentando as realidades com novas
epistemologias e novas diálises.
Os jovens de hoje gravitam na era
da tecla, do click, do instante, do
eficaz, do empréstimo, do importa e do exporta, do actualizar e reformular, do
formatar, não estão muito para se encharcar com informação despicienda, desde os
sistemas das serras até às linhas de comboio e afluentes das duas margens dos
rios.
Eles sabem - e quanto eles sabem que os outros não sabem!
-, eles sabem tirar do caos a ordem de que necessitam. Não é preciso forçar!
Está-lhes na massa do sangue: a inteligência racional casada com a inteligência
artificial dá campo vasto de manobra para as novas ciências cognitivas.
Não queiram, pois os velhos do
Restelo querer andar para a frente a olhar para o retrovisor.
4 comentários:
Hé lá lá esta crónica excedeu as espectativas, será que o lanche foi acompanhado com chá/infusão essa bebida fervente e algumas folhas verdes em vez do tradicional copo de tinto ou mesmo branco ? deu para isto em vez da crónica habitual das lembranças da juventude deu para olhar para a desgraçada sociedade actual. Fizeste-me lembrar aquela máxima da minha adolescência: se o vinho te prejudica os estudos larga os estudos. Abraço.
Grande texto - não no sentido do tamanho mas no sentido do conteúdo - maravilhosamente escrito sem abdicar da utilização das letras todas.
Fantástica reflexão sobre a ética, sobre valores, sobre humanismo, filosófico e antropológico do mais alto gabarito.
Este blogue foi-me indicado por amigo há poucos dias. É a segunda vez que o visito. Não conheço o escriba mas nem por isso deixo de o admirar.
Merece reflexão atempada e aturada. Com tempo, mesmo sem tempo.
Parabéns. Voltarei sempre.
Changoto ao mais alto nível.
Changoto, é ou não é faCIL, VE-LO ao maís alto nivel! Ele é na minha modesta opinião, o nivel. Pelo menos o meu. E tenho dadó-me bem! Isto de saber ler é muito giro. Mas ler +e mais defícil, como diz o meu colega de Portalegre! Assim, estou a ouvir, i still loving you! Que fui ver com a minha mulher ao agora, "meo arena", sendo portanto assim, que ler Changoto, é na verdade muito ? Como é que eu saio desta!? Facil ou Díficel.... Pra mim é na verdade muito saboroso! Sem sal a maís ou sal a menos, mas no ponto. Como eu gosto! Às vezes irrita-me, outras, deixa-me de rastos...mas ler o Basagueda é este privilégio de quem pode, mesmo que isto pareça de Esquerda!
Enviar um comentário