domingo, novembro 17, 2013

CCIV - A NOSSA FALADURA - ABRE-NÓ

General Mola era o apelido de um cabo da G.N.R. reformado. Homem alto, espadaúdo, não dava passos mas chancas.Calçava para aí um 46, tanto que nunca encontrou sapatos à medida do seu pé. Zé Guerrilhas era o sapateiro que lhe fazia o calçado e por mais de uma vez lhe ouvi dizer que o general podia dormir empinado. Sua companheira dilecta era Leca, uma cadela já quase sem dentes, que o acompanhava nas suas deambulações de caçador. Quase nada caçava, mas fartava-se de espalhar chumbo. Chamavam-no de Abre-Nó  devido a esta azelhice. Coiote Pete, bardina e malino como era, apanhou uma lebre com malina, trouxe-a viva para casa e combinou com Chquim Parricho e João Petrol convidarem o General Mola para ir com eles à caça. O velho desconfiou da oferta  mas perante os argumentos de Coiote lá se decidiu ir com eles. Parricho tinha ido para a frente e prendeu a lebre ao toro de uma videira com um arame. A lebre, adoentada, não se tinha de pé e até parecia que estava na cama. Depois de umas voltas e de já terem morto um coelho que ofereceram ao General para, garboso, o trazer pendurado à cintura, lá o foram levando até à lebre e Coiote: «Oh Sr. Flor, olhe além uma lebre na cama!» Onde? perguntou o General. Com calma e de voz baixa sempre a fazer a parte, lá lhe foram dando as indicações até que Mola vê a lebre. "Atire-lhe um foguete à cabeça, força!". Mola deu uns passos em frente e nem deu conta que Coiote e os outros se piravam. Atirou e a lebre ainda mandou um escrito e caiu inerte. Mola chama Leca e lá vão até à lebre Quando se baixa para a apanhar e a começa a puxar é que se deu conta da marotice de Coiote. Solta uns indizíveis impropérios e, creio que se os visse lhes atirava. Eles, longe, riam a bom rir e claro, vieram para os xendros a contar a peripécia. Do mal o menos, General ainda matou um coelho naquele dia e atravessou a aldeia com os dois à cintura. Não perdeu tudo.
Todos nos rimos das misérias dos outros e muito poucas vezes cumprimos a chamada regra de oiro da moral: "Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti", ou, muito simplesmente: "põe-te no lugar do  outro".
Podemos dizer que a grande disputa entre as teses mais difundidas da moral - a deontológica e a utilitarista - diferem logo no ponto de partida. A primeira é  apriorista, o seja é anterior e independente da experiência ao mesmo tempo que lhe garante a universalidade, formalista na sua essência e o dever impõe-se pela representação de uma lei que deriva de uma máxima. O princípio subjectivo do querer  a máxima - transforma-se numa lei e portanto abandona a subjectividade para se tornar objectiva. Como qualquer lei. Não se preocupa com as consequências e o valor da acção está na simples formulação: age de tal modo que a máxima da tua vontade se possa transformar em qualquer circunstância em lei universal". É, portanto, uma moral pura e ninguém pode ser culpado se a intenção da sua acção puder ser por cada um vista como a única alternativa: aquilo que eu faço é aquilo que qualquer outro faria na minha situação. A outra, a utilitarista, é consequencialista, portanto "a posteriori" e o valor da acção depende do bem estar da maioria, da felicidade da maior parte. É, por isso uma moral eminentemente subjectiva, interesseira e facciosa .
No caso do nosso General Mola e da partida que lhe fez Coiote Pete está bem de ver que se situa nesta segunda. Somos mesmo tentados a dizer que nesta corrente da moralidade se invertem os pólos: o que deve ser feito é aquilo que se não deve fazer. Não se infira daqui que a moral deontológica está livre de críticas justas também elas, mas que não vem ao caso aqui aprofundar.
Mas, já que andamos neste âmbito da acção humana é preciso não esquecer que há muitas outras morais: hedonista, cínica, estóica, ambiental, da responsabilidade, até dos direitos dos animais...Queria no entanto deixar aqui a necessidade de todos convergirmos para uma ética mínima, seja em que circunstância for, até mesmo na forma como tratamos o nosso corpo: será dever moral, por exemplo, tatuarmos parte ou a sua totalidade? roer as unhas? agredi-lo sob diversas formas, por exemplo no boxe? e por aí fora.
E ficamos por aqui. Em breve voltaremos.
XXXXXXXXXXXXXXIIIIIGGGGRRRAAAANNNNNNNNNNNNDDDDDEEEEEEEEEEE

2 comentários:

pratitamem disse...

Sem moral, não poderia gostar deste escrito. Não teria forma de ler uma estoria, tão pouco uma verdade, assim como eu te as leio! Sabes de tanto o dizer, que por outa razão não seja que és o maior, p´rá i 2 metros, mas só não gostei do determinismo, que deste à subjectividade! Não concordo complectamente. De resto fico à espera de mais, nisto que tu fazes, pra mim melhor do ninguem que eu conheça. Um grande abraço......

pratitamem disse...

Errata: Misturar direito com moral e atribuir à subjectividade um valor, é um risco muito elevado!