quinta-feira, outubro 24, 2013

A NOSSA FALADURA - CCIII - TANGANHO

Menina Aguércia era a única filha de três irmãos. Chquim Pardalinho, magro, fumador inveterado de Provisórios, casou em Espanha com D. Rema, na altura beleza excelsa, vencedora de concurso de beleza em Cáceres, que lhe deu três filhos e que ainda hoje por cá gravita. Pardalinho, explicador de matemática, mais que famoso na década de 70 do seculo passado, voz grossa e tonitroante, de pedagogia à bordoada, mas, o que era facto, era que nunca lhe faltavam clientes. Os pais gostavam de gente rija que obrigasse a rapaziada a aprender, custasse o que custasse, e a bordoada era de borla.
Tinha sempre sala cheia e os resultados iam provando a eficácia da sua metodologia.
As más línguas diziam que só tinha um testículo, mas isso não o impedia de demonstrar a sua testosterona.
O terceiro membro da família era o dr João António Landeiro, conhecido em todo o concelho por ser o médico do cura ou mata. Tendo uma casa bem no centro da aldeia, ele e Aguércia, passavam a maior parte do tempo para os lados do Ferrador, numa quinta abastada, bem perto das oliveiras de Melão.
O Dr Landeiro era conhecido pelo seu Peugeot 404, verde: quando ele apitava ao cimo de aldeia mesmo junto à casa do professor José Tanganho, (vedeta que um dia destes aqui vos trarei ), e depois a dar vistas para a casa do Sarapião, toda a gente gritava: ARREDA;ARREDA, que vem aí o maluco do Landeiro. E era verdade.
Apenas duas pessoas afastavam o povo xêndrico da estrada: o dr. Landeiro com o seu Peugeot 404 e o entretanto falecido e homenageado Padre Zé Pedro, no seu fabuloso Ânglia cinzento. Os outros tinham que esperar que o povo se decidisse a ir para os largos. Vai lá vai!...
Foi com Aguércia que ouvi falar pela primeira vez de arroz de manjericão. Ela tinha ido a Portalegre e comeu arroz de manjericão com cação frito. Trouxe umas polas da dita erva e tratava-as divinamente. Por mais de uma vez me convidou a provar aquela delícia.
As mamas caíam-lhe até abaixo do umbigo - que ela não usava soutien - e, não raro, quando se baixava para medir azeite ou tirar azeitonas da talha para vender,as mamas saíam-lhe pelo decote, fenómeno que a arreliava a ponto de displicentemente as aventar para trás das costas a praguejar.
Pareciam dois melões flácidos...
Só vinha à aldeia aos Domingos para assistir à missa: tinha cadeira privativa à esquerda de quem entrava na Igreja, sempre reluzente, com almofada no genuflectório e no apoio dos braços e assento dobrável, também almofadado. Um privilégio que poucos tinham.
Quando ela levantava a voz, tudo ficava em sentido, que a estridência do esganiçado assustava quem quer que fosse.
O mesmo se passava com Pardalinho que não sabia falar, mas apenas ralhar.
Aguércia saía da quinta do Ferrador por volta das 10, não gostava de bengala ou bordão, mas apoiava-se sempre num tanganho que, dizia, sempre lhe dava para matar alguma cobra que se lhe atravessasse ao caminho ou até para dar alguma bordoada nalgum garoto mais atrevido que lhe reclamasse uma amostra das mamas avultadas que sobressaíam volumosas da blusa. Aí afinava, esganiçava a voz e os garotos desapareciam não fosse a mãe aparecer e terem o merecido castigo.
Era ecologista a menina Aguércia: tratava de tudo na quinta sem qualquer fertilizante e tinha um jardim de ervas digno de qualquer ervanária. Sabia o nome e os efeitos de cada uma:  fel da terra, néveda, manjericão, mantrastes, manjerico, pimpinela, segurelha, sarpão, louro, manjerona, alecrim, alfazema, orégãos, poejos, bolsa do pastor, que sei eu...
À entrada da casa tinha sempre dois vasos de vergamota com que se perfumava por debaixo dos sovacos, aspergindo-se com uns raminhos da dita. Ainda, por mais de uma vez me explicou as virtudes de cada uma. Já as perdi... E é pena que este saber, vai-se.
Isto tudo faz-me lembrar aqueles que defendem que o senso comum é para desprezar! Qual quê?! O saber de senso comum, se bem que seja superficial, empírico, mal fundamentado, tradicional, conservador, subjectivo e muito mais, é a base de todo o saber. Afinal, todos os outros assentam  neste saber de experiência feito, que permite a um bosquímane sobreviver no deserto, enquanto um biólogo morre de sede se não for provido de água. O senso comum é primário mas, por isso mesmo, é a raíz de todos os outros saberes. Podemos viver sem conhecer leis científicas, doutrinas filosóficas, estilos estéticos e por aí fora, mas nunca sem senso comum.
E mais: o seu primo bom senso também dá muito jeito.
Por causa deste bom senso é que entendo que já vos massacrei com tanta palavra balofa e por isso me despeço...
XXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGRAAAAAAAAAANNDDDEE

2 comentários:

pratitamem disse...

É bom vir aqui, assim de vez em vez sem aquela algazarra de outros tempos! Quero dizer que tenho saudades desse tempo, tipo as saudades do querido Eduardo Lourenço, mas não chegam a ser saudades porque, na verdade venho aqui, como não vou ao meu facebook! Não sei se ainda está em vigor? Aqui venho sempre que venho á terra que em terra me fará! Bem e assim sendo essa certeza! Diz, vai vai e sente este mundo que é o teu, assim eu vou e aqui estou, sentindo e vivendo aquilo que escreves e que tanto me diz e me alenta...mais um belo texto camarada Karraio! Obrigado por não deixares de ser FILOSOFO! Fazeis sempre pouca falta em tempo de festa...Mas sem vós já tinhamos apodrecido completamente!
Um XIIII GRANNDDDDD!

pratitamem disse...

Queria dizer Chagoto! Claro! mas hoje tive com o karraio e como pra mim as fábricas familiares tem só um tipo de farinha! Claro queria dizer como se entende no texto, um bem haja ao senhor professor!