terça-feira, abril 24, 2012

A NOSSA FALADURA - CLXXIX - TARRABA ou TARRÁBIA

É por demais consabido que o tempo das matanças era e ainda é, sobretudo se se pretende fazer enchido, tempo frio, seguindo o velho aforismo: «ande o frio por onde andar/No Natal cá há-de chegar.» São muitas as razões explicativas para esta tradição, não sendo a menor a ausência de moscas .
Um porco, tratado a vianda, águas sujas, pouco farelo resultante de peneira, baldregas (beldroegas, sramagos (saramagos), bagaço de azeitona, figos, frutos da horta e, às vezes, restos de algum vizinho que não criava, um porco destes, demorava um ano a criar. Um ano ou mais! Por isso a carne tinha outro sabor...
Ora, os recos, às sete semanas, contas redondas, eram capados. Os criadores de pardeiras (porcas parideiras) chegavam a dita ao barraco (varrasco) em pleno Verão, por mor de terem os bácoros pelos fins de Setembro (S. Miguel) , princípios de Outubro, para os poderem vender ao fim das tais sete semanas, capados e sarados, pois nessa altura valiam mais umas notas. Convém assinalar, para os menos batidos nestas andanças a gestação de uma pardeira : "três meses, três semanas, três dias, três horas e bácoros fora". Basta fazer as contas e somar as já referidas sete semanas, antes das quais nenhum porco era vendido porque não teria competência para se criar sozinho, com as parcas viendas (viandas) e a friagem de furdas cheias de fetos verdes e frios como o diabo.
Não admira portanto que, por estas alturas, os capadores andassem de terra em terra com o seu pífaro cabeça de cavalo e chamassem a atenção com aquele toque característico.
Como nos enxertadores, também os capadores tinham clientela em função do êxito que lhes era reconhecido. Na aldeia xêndrica, o mais afamado vinha da Zebreira, montado na sua Zundapp cinzenta de três velocidades: uma bomba! Invariavelmente parava no batôco e era aí que ao colo, em angarelas, dentro de cestos, em carrinhos de mão, sei lá, os pretendentes à capadela vinham chegando. De lanceta na mão, deitava o reco no chão, e enquanto um segurava as patas ele punha o joelho no cachaço do reco e num instante lá se iam as potencialidades de maternidade ou paternidade: água desfeita em criolina servia de desinfectante e "venha outro".
Os conselhos era repetidos: «faça-lhe uma viandinha quente, com batatas cozidas e esmagadas, umas tarrábias bem migadinhas e tempere-lhe tudo com farelo e bote-lhe um pouco de azeite do escoreiro do ano passado e farelo. Tamém lhe pode cozer umas botelhinhas, mas não lhe deite tomate, nem bagaço,enquanto não estiver bem sarado, por mor da borreira».
Era sempre aos Domingos, depois de missa, que estas cenas aconteciam, que durante a semana, era preciso ganhar a jorna ou tratar do campo.
Não deixa de ser espantoso constatar que, trabalhando de sol a sol, fazendo tudo à mão, a bem dizer sem qualquer maquinaria nem transportes para se chegar mais depressa, não deixa de ser espantoso, dizia, que os campos estivessem todos cultivados, a poder de jeiras de ganhão, de arado de burrito, ou à força da enxada, quando não de picareta. Não havia esteva, codeço, gesta (giesta) , pinhal com caruma, nada! Tudo era rapado e mulher que quisesse cozer em forno privado tinha que ir por uns gravatos para lá da serra da Marvana ou da Raposa, já a dar vistas para terras de Espanha. Agora, com tanto tractor, tanto herbicida, tanto motocultivador ... está tudo pejado de vegetação espontânea e para se apanhar uma saca de pinhas, basta andar uns metros para fora da aldeia, até ao primeiro pinhal...
No tempo em que o tempo corria devagar, havia tempo para tudo, até para ter um rancho de filhos, agora, com artefacto facilitador, nunca há tempo para nada.O resultado é o que se vê: incêndios por toda a parte e em todo o ano.
Neste altura do ano, os campos estavam pejados de gente a alinhar as leiras para as batatas, o feijão de seco, os tomates, as cebolas, os pimentos, as alfaces, as botelhas, as tarrabas..que os grãos, esses já foram semeados em Fevereiro ; as cabritas, presas a uma estaca, iam sendo mudadas ... até ficarem fartas.
Faz-me lembrar o grande Vergílio: non, me pascente, capellae meae, carpetis salicem viridem aut cytisum amarum ... ( Não mais, cabrinhas queridas, enquanto eu for o vosso pastor, comereis do verde salgueiro ou rapareis as pontas do codeço amargoso...). A citaçaõ foi de cor, mas a mensagem era esta.
Neste tempo em que o virtual e o real se tocam, em que as metafísicas ( o METÁ TA PHYSICA) já não são os trancendentes, mas os electrões, em que a distância desapareceu e tudo se reduz ao instante, neste tempo, afinal já não há tempo! Ou somos nós que não temos tempo?
Haviamos de ter vivido no tempo em que os recos demoravam uma ano a criar e as tarrábias eram um dos seus alimentos preferidos. Aí já teríamos tempo!
Como dizia o velho Comandante do Inferno: AH! Tempo!
XXXXIIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGRRAAANDE

1 comentário:

pratitamem disse...

AH! tempo, que não volta AH mestre, deixaste tantas boas recordações e tantos alertas, que dolorosamente se desvanecem e assim nos vamos empurrando para o abismo... tantas saudades tuas...