domingo, março 06, 2011

A NOSSA FALADURA - CLXIV - ESPERNICA OU ESPARNICA

A rivalidade entre pessoas, grupos, países, marcas, que sei eu, pode ser saudável e até contribuir para o desenvolvimento mais acelerado de muitos dos bens que diariamente usamos. Nós, os chamados consumidores finais, até podemos beneficiar com a rivalidade, ou, se preferirmos, com a competitividade. Muitas vezes, a questão resume-se à simples terminologia: é diferente se consideramos o outro como adversário, concorrente, inimigo... O nível a que colocarmos o outro, só por si, predispõe-nos para um tipo de relacionamento que vai do confronto, à discussão, quando não ao ralho e até ao corte de relações e a um incontido desejo de vingança. Não esqueçamos que a nossa matriz genética é reptiliana e, mesmo quando desculpamos ou perdoamos e compreendemos, facto indubitável é que não esquecemos...e na primeira oportunidade que tivermos de ser bons a esse rival, lá emerge o cérebro primitivo a ditar a sua lei.
Apesar da matriz judaico-cristã que nos determina modos de comportamento e de valoração, apesar de uma moral da compreensão, do perdão setenta vezes sete, do ama o outro como a ti próprio, nada nos detém e o nosso auto conceito sentir-se-ia ferido se pudéssemos ficar por cima e perdêssemos essa oportunidade. É compulsivo.
O sagrado e o profano coexistem. Mais ainda, agora, no Entrudo, conjunto de dias de folia e desregramento em que, claramente, o sagrado perde. O espaço do profano é sempre maior que o do sagrado. De facto o sagrado , por assim dizer, estabelece barreiras de acesso, impõe obstáculos e, se aos poucos vai tirando alguns, indesmentível é que o sacro dos sacros só será acessível aos ungidos. O profano teme o sagrado, tanto mais que este é misterioso, ameaçador, e até absurdo, tantas são as incoerências lógicas em que cai e a que se arreiga, estabelecendo como dogma de fé, essa convicção de que tudo é possível por parte da divindade. A fé não pensa. Pessoa, superlativamente, resume: «crer é morrer, pensar é duvidar».
Outro ponto, que não deixará de ser interessante para uma tese de formando em Sociologia, será, sem dúvida, um estudo sistemático e relativamente abrangente sobre as causas, motivos, razões, explicações, justificações por que cada um de nós, mais ou menos fanaticamente, nos apegamos a um clube desportivo em detrimento de outro. Lembro-me bem que, na altura da minha vivência no espaço xêndrico os sportinguistas serem em muito maior número que os benfiquistas. Incomensuravelmente mais. São ainda frescas as lenga lengas lagárticas que me vêm à memória: " A bandeira do sporting é de oiro e de prata e a do benfica é de casca de batata" ou " o benfica come merda que até espernica". Que não me levem a mal os meus caros benfiquistas por este relato ... Não agucem já as garras de águia e venham a roer o fígado deste pobre Prometeu...
Que será então espernicar, perguntais já desacorçoados. Se reapararmos, a distância entre espernear e espernicar não é assim tanta: num agitam-se as pernas, noutro abana-se o bico!
Havemos de convir que transformar a águia imperial do benfica em galinha de capoeira a espernicar bosta de vaca é uma violência exagerada. Consequências da maioria... Se calhar como agora na política...
Volvamos então à xendrice e aos seus costumes sacro-profanos:
A garagem do Cavalheiro era o local por excelência dos bailes públicos, sim, porque também os havia particulares, mas isso é para outra história.
Muitos dos namoros e consequentes casamentos foi ali que se iniciaram. As mães das meninas, com o xaile e lenço, sentadinhas à volta e as filhas a rodopiar no cimento, sempre com o aconselhamento materno de não se afastarem para sítio onde elas naõ enxergassem, não fosse o diabo tecê-las e depois andassem nas bocas do povo...
Ea frequente aparecerem uns forasteiros que, a troco de pagarem umas cervejolas, lá se socializavam com os xendros e arriscavam ir tirar uma donzela.Foi assim que o cuco Penca, irmão de chquim mouraria, casado com filha de padre zé, se dirigiu, galante, a solicitar uma dança com a café triste: «Dá-me a honra desta dança?» perguntou penca,sempre galante e bem educado, não fosse filho de ti Eduardo que sabia mais de bíblia que qualquer padre em toda a redondeza, e a café triste:« só danço com os da terra!» e Penca:« E eu sou da Lua, é»? Ouviu-se um estalo e se eu não tenho acudido o Penca levava uma malha das valentes.
Ficai-vos com esta neste Entrudo! Cuidado com os bailes do bote-me cá licença e afins que vos acontecer ficardes mascarados sem ser preciso comprar o enfeite. Para a próxima continuamos.
XXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGGGGGGRRRRRRRRRAAAAAAAADDDDEEEE

3 comentários:

Anónimo disse...

A nossa natureza será sempre difícil de esconder, se não for num momento será no outro, ela emerge.
Só não gostei muito da parte em que falas do Benfica.....

António Serrano disse...

Mais uma bela página, a que não falta a instrutiva introdução para nos conduzir "aos finalmente": o Carlos "Penca" a "ficar a ver navios", a "levar um bode" e uma estalada bem assente para ser livre de males bem piores, como aconteceu noutras ocasiões a outros "Cucos", pelo autor desta bela prosa. Prosa sempre desejada, sempre bem vinda.
E o raio da questão é que o Penca até tocava muito bem na Banda para os outros e outras... dançarem.
A vida é danada!

António Serrano disse...

"Errar é humano"... o "cuco" "Penca" não era o Carlos, mas o irmão mais novo, o Jorge.
Os anos são muitos e esta gafe não será a última, porventura...